Ministros Jaques Wagner e Luís Inácio Adams entregam defesa do governo ao relatório do TCUO ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e o advogado-geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, entregaram na manhã desta quarta-feira (4), ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado e do Congresso Nacional, o documento no qual o governo justifica as contas fiscais relativas a 2014 que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou em parecer prévio. Como o governo antecipou o prazo de entrega, hoje mesmo Renan encaminhará o documento para a Comissão Mista de Orçamento (CMO). Nessa comissão, o parecer prévio do TCU será analisado pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e a defesa do governo servirá para que sejam feitas comparações.
O governo manteve sua posição e apontou, na defesa, as sucessivas contradições do TCU sobre as interpretações. O que era válido em anos anteriores, o TCU, de repente, interpretou como erro. Por pressão de deputados e senadores da oposição, o relator do TCU, Augusto Nardes, pode ter prevaricado ao antecipar seu voto, ou seja, indicou aos quatro ventos que iria rejeitar as contas de Dilma de 2014.
A lógica seria rejeitar as contas para facilitar o impedimento da presidenta, nem que fosse necessário mudar a interpretação de um sistema de contas que nunca recebeu qualquer questionamento do próprio TCU. A oposição tentou fazer com que o relatório prévio do TCU fosse julgado imediatamente e até conseguiu isso pelas mãos do presidente da Câmara Eduardo Cunha. Mas a ducha de água fria veio do Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou que esse relatório prévio – suspeitíssimo – deveria impreterivelmente tramitar por onde as contas fiscais de governo tramitam: a Comissão Mista de Orçamento.
Após entregar o documento de defesa do governo para o presidente do Senado, Wagner e Adams concederam entrevista coletiva à imprensa. Quem chamou atenção foi uma repórter da TV Globo, pela insistência de “tentar colocar na boca” de Jaques Wagner que o governo tentará “desconstruir” o relatório de Augusto Nardes, do TCU. Confira as perguntas dos repórteres e as respostas dadas por Wagner e Adams:
TV Globo – Qual a diferença das explicações do TCU e das explicações de agora. O governo dizia que as pedaladas eram hábito e existia acordo com o Congresso e com os políticos para justificar os créditos extraordinários. O que mudou, ou não mudou nada?
Jaques Wagner – Não mudou porque é claro que essa defesa é trazida ao Congresso pós a apreciação do relatório prévio do Tribunal de Contas da União (TCU). Nós trabalhamos, além de todas as razões pré-apresentadas, em cima do julgamento do texto do relator que foi acompanhado pelos outros ministros do TCU. Ao longo desse processo, uma vez nomeado relator na CMO, que tem um prazo, ele deve requisitar novos documentos e explicações. Nós também estamos preparando pareceres. Pedimos pareceres jurídicos através da AGU e vamos acostar à nossa defesa. Ela basicamente é a mesma defesa.
TV Globo – Qual é o argumento que o governo usa para desconstruir esse julgamento unanime do TCU, porque essa é a novidade dessa defesa. Agora, com base nesse cenário que o TCU deu, o governo está tentando descontruir para aqui no Congresso reverter a decisão deles, não é?
Jaques Wagner – Não se trata de descontruir. Todo julgamento é uma interpretação. Você tem, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma interpretação que foi dada pelo Tribunal de Contas da União, e nós vamos debater aqui no Congresso Nacional para que, à luz da mesma Lei de Responsabilidade Fiscal – porque o julgamento não é fora da realidade, é um julgamento em cima da técnica e das leis que estão aí – nós vamos dar outra interpretação. Agora mesmo na reunião um dos senadores presentes argumentou que aquilo que foi chamado de empréstimo, entre banco e Tesouro, interpretou como uma prestação de serviço. Então são interpretações diferentes e cabe agora ao relator e à Comissão Mista de Orçamento – estou me colocando totalmente à disposição, o ministério do Planejamento e a AGU – para darem os esclarecimentos que forem necessários. Aí vamos aguardar o posicionamento da CMO e do Congresso Nacional. O governo tem a segurança de que aquilo que foi feito vinha respeitando as orientações e vai sustentar essa posição.
TV Globo – A interpretação das pedaladas é política, então? E não é mais técnica?
Jaques Wagner – Não. Não.
TV Globo – Porque o senhor está dizendo que tratou de outra forma?
Jaques Wagner – Não. Eu citei um exemplo de um senador.
TV Globo – Então o governo concorda, o senhor concorda?
Não. Não cabe concordar. Estou citando só. Graças à Deus, na democracia, o contraditório é a graça de tudo. Você perde no tribunal e recorre para outro tribunal, e ganha, recorre para outro e pode ganhar ou perder. A vida é assim. Nós tivemos numa instância que tem um relatório prévio. Estamos, digamos assim, porque não estamos recorrendo, porque o processo normal é vir para julgamento. Evidentemente, o julgamento do Congresso Nacional é um julgamento lastreado em base técnica. Agora, não me peçam para dizer que tem interpretação única para a lei. A arte da democracia é o contraditório. Para isso existem os advogados e os juízes. Vou insistir: muita gente perde na primeira instância, ganha na segunda e confirma a vitória na terceira. Não acho nada de anormal que o relatório prévio possa ser interpretado. Não sei o que vai sair, ainda, da CMO e do Congresso. Óbvio que eu tenho a perspectiva que nossas razões sejam acolhidas e que as contas da presidenta Dilma sejam aprovadas. Eu não vejo porque macular um julgamento ou outro. Todos os dois têm legitimidade.
TV Globo – Mas a justificativa para as pedaladas mudou, então? Tem algum argumento novo?
Jaques Wagner – Não fui eu quem escreveu todas as justificativas. É basicamente a mesma defesa que nós fizemos. Ela só acresce naquilo que apareceu de novo no julgamento do relatório do relator.
TV Globo – O senhor está dizendo que há uma nova análise para justificar os repasses?
Jaques Wagner – Quem falou isso? Não foi isso. Eu citei. Não falei que é essa a nossa interpretação. Estou dizendo, só, que um senador deu essa interpretação. Estou mostrando, só, que o contraditório existe e que as pessoas podem interpretar de maneira diferente. Agora, o que vale não é nossa defesa, o que vale é o julgamento da CMO.
Repórter – Ministro o governo não se arriscou muito ao antecipar esse prazo, já que não tem todos os votos na CMO?
Jaques Wagner – Não. Acho que o governo aprimorou sua defesa, usou o tempo oferecido pelo Senado Federal. Não usou todo o tempo até porque o governo espera que esse processo possa ser concluído e a gente tenha uma decisão final.
Repórter – Quem está assinando o documento, ministro?
Jaques Wagner – Quem assina é a Casa Civil e a AGU.
TV Globo – Qual argumento que o governo está usando, novo, para convencer a CMO que não houve irregularidade? O que mudou?
Luís Inácio Adams – O que nós estamos debatendo aqui é a justificativa das informações que orientaram a prática do governo em todos esses anos, e particularmente em 2014, que é objeto de recomendação de rejeição (pelo TCU). O debate é: há elementos para rejeitar ou não as contas do governo? Nós continuamos insistindo que não há. Primeiro lugar, porque em relação a um item, por exemplo, que foi a questão dos decretos, existe decisão do TCU antiga que nunca foi rejeitada. Desta vez foi desconsiderada, relativamente à conformidade da prática. Sempre que se muda jurisprudência muda-se para o futuro. E nesse caso há uma jurisprudência nova. Segundo, a própria questão técnica está controvertida em certo nível do TCU. O TCU, em outra área técnica, emitiu um parecer hoje em que ela contradiz parcialmente a questão da apuração de estatísticas fiscais que é objeto da proposta de reprovação do parecer. Portanto, não há nem conformidade nesse ponto. Então, o que nós temos que trazer, fundamentalmente, ao Congresso Nacional e à CMO, é essa compreensão técnica desses conjuntos de elementos que em última análise não são justificadores de qualquer reprovação. Agora, evidentemente, que nós sempre fizemos isso e não implica que não possam ser aperfeiçoadas e mudadas as práticas da administração.
TV Globo – E os bancos oficiais? A defesa do governo dizia que era uma prática recorrente e ela continua?
Adams – Não é o que o governo dizia. Isso existe. Havia uma prática recorrente. O que nós estamos dizendo é: primeiro, não há prejuízo porque a apuração anual é a favor do governo, ou seja, a Caixa paga juros para União. Segundo, se tratar de operação de crédito não é admissível que haja parcialmente situações negativas, como pode ter seus limites, então identificamos uma contradição no próprio acórdão do TCU nesse sentido. Se ele admite realidades passivas negativas, portanto, ele admite que pode ter pequenas operações de crédito. Se não é uma operação de credito não há de se falar em infração à Lei de Responsabilidade Fiscal.
TV Globo – Ministro, operações pequenas de R$ 40 bilhões?
Adams – Não, eu estou dizendo que o TCU admite que é possível ter operações pequenas. Se é possível operações pequenas, o conceito de livre não é compatível com o conceito de operação, é isso que estou dizendo. Não podemos manipular o conceito jurídico para adaptá-lo às conveniências de resultado. Então o conceito é: existe uma infração e a lei é reta. E essa infração decorre da existência de passivos negativos no âmbito do banco, em que ele paga em nome da União. Portanto, isso seria uma infração. Ora, se há uma infração, ela não pode acontecer em hipótese nenhuma. E o próprio TCU entende que sim, seja por validar cláusulas contratuais que admite, que são recorrentes, seja porque ele admite também na própria jurisprudência, que é possível um período negativo. Portanto, eu não posso falar que é uma operação de crédito porque senão é uma contradição da própria decisão. Essa é uma contradição técnica. Essa contradição tem que ser compreendida. Nós entendemos que é, sim, que é adequado que se faça regras de contenção, travas, como a presidenta adotou no decreto. Essas travas que procuram regularizar; que procuram melhorar a mecânica dessas operações; tornando mais transparentes, mais objetivas e menos expostas a essas situações .Isso não quer dizer, por outro lado, que nós estamos a tratar de uma infração como se quer estabelecer, para justificar a reprovação das contas.
TV Globo – O TCU agiu politicamente?
Adams – Não vou discutir o TCU porque ele já deu seu parecer.
TV Globo – E o fato de o governo ter dado duas explicações ao TCU, e ter sido vencido por unanimidade? Agora, aqui no Congresso o senhor acha que isso muda alguma coisa?
Adams – Sempre muda, senão não acreditaria no devido processo legal. Existe, sempre, espaço para o diálogo. É importante que o Congresso esteja aberto a este debate e para nós isso é pontual.
Repórter – O senhor está pontuando a vinculação dessas incongruências do acórdão do TCU?
Adams – Só estamos pontuando essa incongruência.
Repórter – Esse foi o argumento novo da defesa?
Adams – Esse argumento que nós estamos enfatizando e que mostra a questão técnica da infração, ou seja, não houve infração. Agora, nunca nós dizemos que não aceitamos ou não compreendemos a necessidade de aperfeiçoamento de mecânicas existentes. O debate na CMO, pelo menos de minha parte, é o debate que vai clarificar as questões técnicas envolvidas. Torná-las compreensíveis até porque não estamos falando de uma temática condicionada a 2014 por conta de um processo de cassação. Nós estamos falando de um sistema que afeta a mecânica de funcionamento do Estado e afeta estados e municípios. Esta é a compreensão que a casa traz ao decidir sobre esse processo.
Marcello Antunes