Implantado por Bolsonaro desde o primeiro dia no Executivo, o modus operandi negacionista se alastra como metástase na máquina pública – e um dos agentes propagadores é o ministro Paulo Guedes. Ex-subsecretário de Política Fiscal de Guedes e atual presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Erik Alencar de Figueiredo criou uma grande controvérsia ao assinar um estudo no qual contesta o avanço da fome no Brasil. A reação contrária não tardou.
Em um tuíte, a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), resumiu a fraude intelectual de Figueiredo. “Fala do presidente do Ipea de que fome não cresceu porque não há tantos casos registados de desnutrição é atroz. Dados mostram o contrário e pesquisadores do Instituto dizem que tal estudo, que sequer foi discutido, é propaganda eleitoral. É a fake news sem limites do bolsonarismo”, criticou.
Nomeado em março para a presidência do Ipea, órgão subordinado ao Ministério da Economia, Erik Figueiredo e o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, deram entrevista na última quarta-feira (17) para apresentar o estudo ‘Expansão do Programa Auxílio Brasil: Uma Reflexão Preliminar’. Transmitido ao vivo do Palácio do Planalto, o evento ocorreu um dia após o início da campanha eleitoral, e coube à Secretaria de Comunicação da Presidência da República distribuir o levantamento à imprensa.
Sem discussão, avaliação e aprovação prévia dos pares do Ipea, importante órgão formulador do Executivo, o documento parte do princípio de que a fome no Brasil não aumentou durante o desgoverno Bolsonaro. Se tivesse aumentado, haveria avanço das internações médicas decorrentes da subnutrição no Sistema Único de Saúde (SUS).
Paulo Rocha: “Alguém está mentindo”
“A nota questionando o aumento da fome no Brasil desmente o próprio governo, que alegou aumento da crise no Brasil para aprovar propostas com finalidades eleitoreiras. Alguém está mentindo”, afirmou o senador Paulo Rocha (PT-PA), líder da bancada do PT. “Absurdo, de todo modo, a gestão usar a máquina pública para tentar promover propaganda das suas ações. Todo nosso respeito aos servidores do Ipea que, respeitando as regras do jogo, não compactuam com a violação das regras eleitorais”.
Em nota, a Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) ressaltou que a apresentação à imprensa “foi baseada em reflexões preliminares publicadas em nota assinada única e exclusivamente pelo presidente da instituição dentro do período de defeso eleitoral”. Para os pesquisadores do órgão, o evento “viola os dispositivos instituídos para regular a conduta dos agentes públicos no período eleitoral”.
A entidade lembra que o próprio Ipea fez circular cartilha da Advocacia Geral da União (AGU) com recomendações sobre período eleitoral, restringindo pronunciamentos e entrevistas a questões de natureza administrativa afetas à atuação institucional. “A utilização da instituição para a produção subliminar de propaganda governamental em período de defeso eleitoral configura explícito abuso de poder político, devendo ser coibida pelas autoridades eleitorais competentes”, prossegue a nota.
Tereza Campello: “Estudo nenhum consegue esconder o que vemos nas ruas”
No Twitter, Patricia Jaime, professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), não poupou críticas ao estudo. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq, como Figueiredo, ela disse que “o uso de dados do Sistema de Informações Hospitalares SIH-SUS para questionar a veracidade dos 33 milhões de brasileiros famintos é negacionismo científico e irresponsabilidade técnica”.
Em resposta, Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre 2011 e maio de 2016, parabenizou a pesquisadora por questionar o “estudo” assinado pelo “olavista e negacionista raiz”. “Nenhum pesquisador do Ipea emprestou seu nome e CPF para constar nessa peça de ficção. Estudo nenhum consegue esconder o que vemos nas ruas diariamente”, lembrou a coordenadora do Plano Brasil Sem Miséria do Governo Dilma, que retirou 22 milhões de pessoas da pobreza extrema.