Está cada vez mais clara a hipocrisia que tenta amparar o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff num suposto apego à “austeridade fiscal”. Desde que o interino Michel Temer assumiu o governo — há 54 dias —, o déficit orçamentário foi aumentado em quase 100%.
“Este Congresso Nacional foi conivente com o cheque em branco que passou para que o governo provisório ampliasse para R$ 170 bilhões e meio a previsão dos gastos, aprofundando ainda mais o cenário de dificuldade econômica pelo qual passamos”, denunciou o senador Humberto Costa (PT-PE), líder do governo Dilma na Casa, em pronunciamento ao plenário, nesta terça-feira (5).
Para Humberto, a gastança promovida por Temer — na verdade, “o pagamento descarado da conta do impeachment”—é apenas mais uma fraude cometida pelo governo provisório, desta vez de natureza fiscal. “É o uso do dinheiro público para assegurar a própria permanência no poder”, apontou o senador.
Ele não está sozinho nesta análise. Em entrevista ao jornal espanhol El País, o fundador e secretário-geral da organização Contas Abertas, Gil Castelo Branco, reconheceu que Temer só tem elevado despesas desde que assumiu o governo.
Segundo o dirigente da organização não-governamental, “Temer tem cedido a essas pressões do Congresso, naturalmente para fortalecer a sua situação, porque no momento ele ainda é interino. A primeira preocupação é ele sair da interinidade para conseguir solidificar a permanência. O receio é que depois do impeachment, caso ele seja aprovado, haja uma nova fase de estagnação dessas medidas já de olho nas eleições municipais deste ano”.
A organização não-governamental Contas Abertas reúne pessoas físicas e jurídicas, lideranças sociais e empresários em um trabalho de acompanhamento das contas públicas fazendo a análise permanente da qualidade, das prioridades e da legalidade das despesas.
Humberto lembrou que Dilma foi acusada dos fatos mais absurdos na área fiscal e orçamentária. “Foi acusada de má gestão e houve um verdadeiro escândalo quando a presidenta decidiu mandar para este Congresso Nacional um orçamento deficitário, mas que retratava o quadro real da situação pela qual passávamos”. Pois bem, aos 54 dias de interinidade, Temer já conseguiu dobrar a meta do déficit.
Afastada das suas funções por causa de três decretos de suplementação orçamentária e de uma operação em favor da agricultura familiar – acusações, aliás, que já foram escancaradas como farsa – Dilma está agora ameaçada de ser definitivamente deposta pelo golpe parlamentar que pretende favorecer um interino que age exatamente ao contrário do discurso que o levou ao cargo.
Pirueta fiscal
Dilma foi acusada—mas ninguém prova—de ter pedalado. O que dizer então de Michel Temer e sua autêntica “pirueta orçamentária”, como define Humberto Costa? “O gasto desmedido e desenfreado que vem ocorrendo é criticado até mesmo pelas cabeças mais conscientes da atual base desse governo biônico—sim, elas existem”, registrou o senador.
“Em quase dois meses gerindo interinamente o país, Temer estourou todos os limites do que Dilma havia acordado para despesas futuras”, resultado do “pacote de bondades”, montado pelo governo provisório “para angariar simpatia de setores da sociedade e viabilizar a sua sustentação, o que tem constrangido a sua própria equipe econômica”.
Nada de novo, ressalta o senador: “É o fisiologismo em sua forma mais bem-acabada, que rifa completamente o ajuste fiscal iniciado por Dilma em 2015 e vai impedir retomada do crescimento que estava projetada para o fim deste ano ou início do ano que vem”.
As perspectivas, alerta Humberto, não são nada animadoras. “As contas que Temer tem pago para se manter no poder estão jogando o Brasil não no fundo do poço, mas num poço sem fundo. Nós estamos saindo de uma previsão de déficit de R$ 65 bilhões para 2017, conforme havia acertado a equipe de Dilma, para uma de R$ 150 bilhões, diante da tamanha balbúrdia fiscal e orçamentária que o interino Temer tem promovido indiscriminadamente”
Quem paga a conta
O lado mais preocupante dessas piruetas, destaca Humberto, é que nem orçamento nem déficit são neutros. Quem escolhe esbanjamento fisiológico também sabe de onde vai tirar os recursos para compensar os gastos. “A conta dessa bandalheira vai estourar nas costas do povo”.
Se falta dinheiro, os cortes serão no financiamento do SUS, nos benefícios do Bolsa Família e nos demais programas sociais. Que se privatizem-se as universidades públicas e as estatais. Que se venda o pré-sal a preço de banana para companhias estrangeiras e que se interrompa o Minha Casa, Minha Vida. “O desajuste, o andar de cima comete para que o ajuste seja pago pelo andar de baixo”, alerta o senador.
Humberto ressaltou que até mesmo Temer – “numa daquelas crises de sinceridade de que, às vezes, é acometido, como quando reconheceu que Dilma sofreu um golpe – chegou a dizer, na última segunda-feira (4), que “a contenção de gastos não começou a aparecer ainda”. “Imaginando que será fixado no cargo de presidente da República, pediu o apoio do empresariado para – e aqui abro aspas – “a partir de um certo momento, começarmos com medidas, digamos assim, mais impopulares”.
Perpetuar o golpe é implantar o arrocho sobre os mais pobres
O senador alerta que essas declarações do interino são claros sinais de que, consumado o golpe em definitivo, o País passará pelo maior arrocho econômico sobre os pobres dos últimos 13 anos. “Vai haver um desmantelamento completo das políticas públicas exitosas que tiraram milhares da miséria, em favor de um ajuste moldado num modelo que se mostrou falido, que já experimentamos com Fernando Henrique Cardoso, mas que essa turma insiste em aplicar”.
Citando o ex-presidente Lula, Humberto lembrou que não é possível erradicar a fome se os pobres não forem incluídos no orçamento do governo. “E, definitivamente, os pobres não constam do orçamento desse governo golpista”. O descalabro fiscal em que o governo biônico tem metido o Brasil para garantir a sua efetivação no poder e a imensa série de medidas impopulares já assumidas será aplicada sobre as parcelas mais pobres da população. “É a isso, afinal, a que esse golpe sempre serviu: garantir a satisfação de uns poucos em prejuízo da imensa maioria do povo brasileiro”.
Cyntia Campos
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