O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT – PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, eu quero, antes de iniciar o meu pronunciamento, rapidamente, me manifestar sobre um tema em torno do qual eu não estava com intenção de me pronunciar, mas, diante da fala, aqui, de um eminente Senador do PSDB, eu me vejo na obrigação de me manifestar. Diz respeito às notícias, divulgadas pela revista Veja, que tratam de um encontro do Presidente Lula com o Ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes.
Não tenho aqui procuração para defender ninguém, mas, em primeiro lugar, conheço de muitos anos, de muitos, muitos anos, o Presidente Lula. Conheço o seu espírito democrático, conheço o valor que ele atribui a preceitos fundamentais da democracia, entre eles o respeito à autonomia, à independência e à soberania entre Poderes.
O Presidente Lula é um democrata autêntico. Alguém que muitos chegaram a incentivar para que, diante da força popular que tinha e tem, que exerce, aprovasse uma emenda constitucional para se reeleger pela segunda vez Presidente da República, e o Presidente Lula nunca, em nenhum momento, cogitou dessa possibilidade. Nunca, no Brasil, nós tivemos tanta liberdade de imprensa, de organização quanto existiu no seu governo, tanto respeito aos movimentos sociais. Portanto, eu não consigo imaginar a hipótese de o Presidente Lula exercer algum tipo de pressão sobre quem quer que seja para viabilizar uma decisão do seu interesse no Judiciário.
Aliás, o que há de bom nessas notícias é que foi uma conversa a três. Eu prefiro, então, ficar com a versão do ex-Ministro Nelson Jobim, de que esses assuntos a que se referiu o Ministro Gilmar Mendes não foram tratados, e o próprio Ministro Gilmar Mendes, depois da saída de Lula, não demonstrou nenhum tipo de indignação com a conversa que teria havido.
Mas vou ficar por aqui porque acho que haverá, da parte do Presidente Lula, uma resposta contundente em relação a isso.
Não imagine a oposição que isso vai nos fazer desviar do trabalho que estamos fazendo na CPMI que investiga a atuação da organização supostamente dirigida pelo Sr. Carlos Cachoeira. Com certeza, há interesse de muitos de que essa investigação não caminhe. Então, tentar agora colocar essa temática como centro da CPMI, certamente, não é o desejo desta Casa.
Sr. Presidente, antes de iniciar o meu pronunciamento, eu queria parabenizar a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, que completou 112 anos no último dia 25 de maio, tendo sua história se iniciado com o Instituto Soroterápico Federal. Criada com o objetivo de fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica e combater outros problemas da saúde pública brasileira, a Fiocruz sempre contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias e para o debate da ciência no setor da saúde no Brasil. Parabéns à Fiocruz e a todos os seus funcionários e funcionárias.
Mas eu queria registrar, no dia de hoje, a importância da decisão da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, tomada no dia 15 deste mês, que manteve suspensa a conhecida lei da dupla porta no Sistema Único de Saúde. Essa lei permitia que até 25% das vagas de hospitais públicos de São Paulo geridos por organizações sociais pudessem ser usadas por pacientes particulares e com planos de saúde. Em sua decisão, o juiz da 5ª Vara considerou que o decreto favorece a prática da dupla porta de entrada, selecionando beneficiários de planos de saúde privados para atendimento nos hospitais públicos geridos por organizações sociais, promovendo a institucionalização da atenção diferenciada, com preferência na marcação e no agendamento de consultas, exames e internações. Para o juiz, o decreto representa uma evidente afronta ao Estado de direito e ao interesse público primário da coletividade. Eu digo ainda, Sr. Presidente, caros colegas, que ele fere o princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde consignado no art. 196 da Constituição Federal, que determina que a saúde é um direito de todos e dever do Estado.
Os Promotores de Justiça Arthur Filho e Luiz Roberto Faggioni, do Ministério Público de São Paulo, que ajuizaram a ação civil pública, alertaram ainda para outro agravante, considerando a realidade do Estado de São Paulo, mas que também se repete em vários outros lugares deste País. Eles ressaltam que a medida criaria uma situação aflitiva na saúde pública, pois os dependentes do SUS perderiam 25% dos leitos públicos dos hospitais estaduais de alta complexidade, que já são notoriamente insuficientes para atenderem à demanda da população.
O mérito do caso ainda será julgado pela 5ª Vara da Fazenda Pública. Mas eu gostaria de salientar a importância da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, para que não criemos dois sistemas de saúde pública no Brasil: um dos ricos e um dos pobres, que terminam privilegiando os cidadãos que podem pagar pelos planos de saúde, em detrimento da população mais carente, que só pode contar com o SUS.
Sou inclusive autor do Projeto de Lei do Senado nº 366, de 2011, já tramitando na Câmara dos Deputados, garantindo a gratuidade nas unidades do SUS e coibindo a “dupla porta”. Isso porque o princípio da gratuidade do SUS não está referido de maneira expressa na Constituição Federal, mas é aceito como princípio implícito nela, uma vez que a saúde é dever do Estado, de acesso universal e igualitário.
Portanto, meu projeto estabelece a gratuidade como um princípio explícito do SUS. A intenção é evitar iniciativas como essas tomadas em São Paulo, que terminam desvirtuando o sentido da saúde pública. Já existe hoje um movimento de apropriação dos serviços públicos de saúde por interesses privados, o que tem sido visto mais frequentemente em hospitais de ensino, especialmente os universitários. Se continuarmos nesse caminho, teremos a generalização ou banalização da “dupla porta”.
Caros Colegas, eu gostaria, portanto, de parabenizar a Justiça de São Paulo pela decisão lúcida, bem como a iniciativa do Ministério Público de São Paulo. Essa é uma luta que acompanhamos de perto há muitos anos, tanto como médico, como ex-Ministro, como militante da área da saúde.
Espero que haja também o apoio, agora, dos nobres Deputados Federais para a aprovação definitiva do nosso projeto, coibindo, assim, a dupla porta.
Estaremos assim, de fato, consolidando a saúde pública deste País.
Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores.