Humberto: decisão de Renan não foi uma declaração de guerraA oposição que até o mês passado afirmava que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não tinha legitimidade para comandar a casa, no começo da noite desta terça-feira (3) cobriu-lhe de elogios. Motivo: usando prerrogativas do artigo 48 do Regimento Interno do Senado conferidas ao presidente, Renan decidiu devolver a Medida Provisória 669/2015 que iria elevar as alíquotas da contribuição previdenciária de 1% para 2,5%. Essa medida faz parte do pacote de ajuste fiscal – as medidas provisórias (MPs 664 e 665) que tratam de ajustes em questões trabalhistas e previdenciárias continuam tramitando normalmente.
Renan justificou sua decisão dizendo que não se pode considerar como urgente a alteração de alíquotas de contribuições previdenciárias, cuja vigência, por força constitucional, deve aguardar o prazo de noventa dias. “Essa matéria poderia ser perfeitamente veiculada por projeto de lei. Por essa razão, considero a MP 669 inconstitucional”, justificou. E foi isso que o Palácio do Planalto fez ainda no começo da noite, ou seja, ao saber da devolução, a presidenta Dilma assinou um projeto com o conteúdo da MP, comunicando, também, urgência constitucional, quando há prazo para ser votado.
A oposição vibrou com a devolução da MP por considerar que o governo foi derrotado mais uma vez e que o caos na economia se instalará. Os elogios a Renan vieram, inclusive, de Aécio Neves (PSDB-MG), que lhe xingou quando da eleição dos componentes da Mesa Diretora do Senado há menos de um mês.
Senadores da bancada petista, como o líder do PT, Humberto Costa (PE), Gleisi Hoffmann (PR), José Pimentel (CE) e Lindbergh Farias (RJ) solicitaram a Renan que ele reavaliasse essa decisão, porque entendem que o momento da economia é crítico e, no campo da política, é necessário distencionar as relações.
A senadora Gleisi Hoffmann recordou uma situação semelhante, ocorrida em 2004, em que Renan teve um posicionamento contrário à devolução de uma medida provisória quando o então presidente da Câmara era o deputado Severino Cavalcanti. “O presidente queria devolver uma medida provisória ao Executivo e foi o senhor quem disse que o Parlamento poderia votá-la, rejeitá-la, mas o presidente da Casa não poderia devolvê-la, nem ele como presidente da Câmara e nem o senhor como presidente do Senado”, disse Gleisi.
O líder Humberto Costa, depois de falar no plenário, também pedindo que a MP continuasse sua tramitação, concedeu entrevista para os jornalistas, que avaliaram a decisão de Renan como uma declaração de guerra ao Executivo. O líder minimizou essa avaliação da imprensa, dizendo que houve uma leitura equivocada do Regimento Interno do Senado. Confira as perguntas dos repórteres e as respostas dadas pelo líder:
Repórter – Como o governo responde a essa declaração de guerra do presidente do Senado?
Humberto Costa – Não acho que foi uma declaração de guerra. Acredito que houve uma avaliação equivocada do Regimento Interno do Senado. Não creio que essa devolução pudesse acontecer e nos preocupa o fato de que vivemos um momento delicado na política, na economia. E na economia as coisas são feitas de simbolismos e eu creio que a medida provisória pode tramitar sem nenhum problema, até porque, se há divergências em relação a ela, o palco para apresentação de mudanças e propostas de emendas é exatamente o Congresso Nacional. Fizemos um apelo para que o presidente reconsiderasse essa decisão e vamos aguardar porque não podemos, nesse momento, acrescentar a um quadro de tantas dificuldades um desentendimento entre o executivo e o Congresso Nacional, quando na verdade esse desentendimento não há.
Repórter – Agora o Palácio do Planalto vai enviar os mesmos termos num projeto de lei e não por medida provisória. O senhor espera uma solução ou vão encostar o presidente do Senado na parede?
Humberto Costa – Não. Nós precisamos encontrar uma saída, um entendimento, porque nós sabemos que a economia se move a partir de expectativas e a criação de uma ideia de que possa haver um desentendimento entre o Congresso e o Executivo não é bom para a economia. Então, nós vamos ter que encontrar uma saída e tenho certeza que nós encontraremos.
Repórter – O senhor não acha que do ponto de vista de Renan há um ressentimento com o Palácio do Planalto?
Humberto Costa – Não. Não posso responder e acredito que não há qualquer tipo de ressentimento. Acho que o governo tem procurado respeitar o Parlamento em todas as suas ações, especialmente tem procurado respeitar a figura do seu presidente. Não creio que haja ressentimento, talvez uma interpretação do regimento na qual temos divergências.
Repórter – Surpreendeu o fato de o presidente do Senado ter tomado essa atitude sendo que ele não vinha tomando atitudes como essas?
Humberto Costa – Sim, surpreendeu e acho que em outros momentos ele procurou ter uma posição afirmativa. Lembro-me que ele se recusou, em determinado momento, a receber no Senado medidas provisórias votadas na Câmara com menos de sete dias para expiração do prazo de vigência. Naquele momento ele estava correto. Nesse momento, ele interpretou erradamente o regimento interno do Senado.
Repórter – Traição?
Humberto Costa – Nada de traição, apenas um debate sobre uma questão regimental e uma questão de funcionamento do Congresso Nacional, que precisa ter independência, obviamente, mas precisa também atuar de forma harmônica com o Executivo.
Repórter – Com relação às outras duas MPs do ajuste, como elas ficam, isso é um complicador para a tramitação?
Humberto Costa – Não, acredito que não até porque elas já estão iniciando o processo de tramitação; já há inclusive várias conversas feitas com o próprio governo, mostrando a justeza e correção dessas medidas e também a possibilidade de se fazer alguns pequenos ajustes para aperfeiçoá-las, aprimorando as conquistas de todos trabalhadores brasileiros.
Repórter – Mas tem emenda que pode desfigurar a MP com sugestões do PT.
Humberto Costa – Não, isso não vai acontecer. Muito menos pelo PT, que já apresentou algumas emendas. Mas sabemos que elas serão objeto de entendimento e negociação. Vamos votar pelo texto que tiver apoio do governo.
Repórter – A presidenta acaba de assinar um projeto de lei em regime de urgência com as mudanças da MP 669. O senhor acha que isso atendeu a pressão do presidente do Senado, Renan Calheiros?
Humberto Costa – Eu só espero que essa urgência no Congresso Nacional aconteça, porque se nós formos aqui passar por três, quatro, cinco meses para que haja a votação desse projeto, nós podemos estar comprometendo algumas coisas sobre as quais o governo e, inclusive a oposição, tem concordância, a necessidade de se fazer o ajuste, de se controlar a inflação e de se conquistar um superávit primário maior. E quanto mais rápido essas medidas entram em vigor, mais rápido nós vamos conseguir superar esse momento e voltarmos a uma situação de crescimento econômico do País.
Marcello Antunes