A assessora da Liderança do PT no Senado, Tânia Oliveira, desconstrói a falaciosa versão, disseminada na imprensa e nas redes sociais, de que a divisão do julgamento de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no dia 31 de agosto, seria um movimento do PT para salvar o mandato do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Confira o texto na íntegra:
Impeachment de Dilma e cassação de Cunha: a desinformação como regra da ação política – Tânia Oliveira
Findo o julgamento do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, as versões sobre o formato da votação tomaram as redes e a variante on line de jornais e revistas do país. A divisão do quesito final, ao entendimento de que as penas eram autônomas, ganhou fantasiosas narrativas a partir de um suposto “acordão”, cujas premissas não se consegue explicar com alguma lógica razoável, mas assumem como centro manter os direitos do deputado Eduardo Cunha, caso tenha seu mandato cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados.
A esquizofrenia política é capaz de superar as lógicas mais comezinhas para supor, por exemplo, que o Partido dos Trabalhadores, inimigo declarado do ex-presidente da Câmara, tenha feito algum movimento no sentido de beneficiá-lo. Ofuscou-se, por outro lado, o debate jurídico-constitucional para privilegiar um raciocínio que não encontra guarida: de que impeachment e cassação de mandato parlamentar possuem as mesmas premissas e consequências jurídicas, um erro grosseiro e superficial.
Políticos interessados em opinar sobre o assunto dão entrevistas, falam aos borbotões sem nada dizer. Em suas falas, deixam uma fenda, que não se sabe tratar-se de falta de esforço teórico para entender os aspectos não equacionados na polêmica em curso, ou se há uma opção pela superfície das coisas, a bem de sua postura já previamente definida. Em tudo, contudo, espelham a desinformação.
Na prática, de fato, o que une as duas situações de Dilma e Cunha é a interrupção do mandato eletivo. E para por ai.
O debate posto no caso do impedimento da presidenta era se a inabilitação é pena acessória à perda do cargo, nos termos que dispõe o parágrafo único, do art. 52, da Constituição Federal. Para dar luz à conclusão, urge esclarecer que o STF decidiu, no julgamento da ADPF 378, no dia 17 de dezembro de 2015, que o chamado caso Collor era paradigma a ser seguido no caso do julgamento em curso em 2016. A fala dos ministros daquela Corte foi enfática no sentido de que se devia observar sua jurisprudência, em nome da segurança jurídica.
Ocorre que no julgamento do ex-presidente Collor o STF deu ao art. 52, parágrafo único, da Constituição de 1988, a interpretação de que as penas eram autônomas. Disso decorreu a decisão de validade do julgamento de inabilitação mesmo após sua renúncia. Desde então há o reconhecimento de que o afastamento do cargo e a inabilitação para exercício das funções públicas são penas principais e não decorrentes uma da outra.
Autores de Direito Constitucional insuspeitos de militarem em favor da presidenta Dilma já afirmaram legítima a tese definida pelo STF, como Gilmar Mendes e Michel Temer:
“a decisão proferida no mandado de segurança impetrado perante o Supremo Tribunal referendou a que fora adotada pelo Senado, assinalando-se que, no sistema da Lei n. 1.079, de 1950, o impeachment admite a aplicação de duas penas: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública..”[1]
“O art. 52, parágrafo único, fixa duas penas: a) perda do cargo; e b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A inabilitação para o exercício de função pública não decorre de perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. O objetivo foi o de impedir o prosseguimento no exercício das funções (perda do cargo) e o impedimento do exercício – já agora não das funções daquele cargo de que foi afastado, mas de qualquer função pública, por um prazo determinado.” [2]
Superada qualquer irregularidade na definição das votações ocorridas no Senado na votação do impeachment da presidenta Dilma, resta indagar como e em que medida isso impactaria em uma votação de cassação de mandatos parlamentares, e especificamente no caso em maior evidência no momento: do ex-presidente da Câmara dos Deputados.
No dia 14 de junho de 2016 o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados aprovou parecer pedindo a cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) pela prática de quebra de decoro parlamentar. Ao plenário da Câmara dos Deputados, ao analisar o parecer do conselho cabe a decisão sobre manutenção ou cassação do mandato, não havendo que se falar em aplicação de qualquer pena decorrente. A inelegibilidade de parlamentares – que a propósito não se confunde com inabilitação para o exercício de função pública – é consequência da cassação de mandato por força do que dispõe a Lei Complementar nº 64/1990, chamada de Lei das Inelegibilidades, alterada pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
O parlamento não decide acerca de inelegibilidade de deputados e senadores. Isso consta nas normas já citadas. No caso, a anotação dessa inelegibilidade pela justiça eleitoral é automática, em face da comunicação do órgão legislativo sobre a cassação.
Portanto, qualquer ação no sentido de buscar estabelecer relação entre direitos do deputado Eduardo Cunha por isonomia, diante da separação do quesito no caso do julgamento de impeachment da presidenta Dilma Rousseff é inconstitucional. Não passa de ilação política, sem qualquer fundamento jurídico.