Na marcha contínua da História, a conjuntura das últimas semanas sofreu uma aceleração no Brasil, sobretudo a partir das revelações trazidas pela CPI da Covid no Senado, pelo servidor Luís Ricardo Miranda, de corrupção no Ministério da Saúde no processo de compra da vacina Covaxin, com conhecimento e omissão dolosa de Jair Bolsonaro (sem partido).
No dia 30 de junho, a partir de uma articulação que reuniu partidos, entidades, movimentos sociais, intelectuais, políticos, incluindo pessoas de fora do espectro de esquerda, como Kim Kataguiri, Alexandre Frota, Joice Hasselman e Roberto Freire, foi protocolado na Câmara dos Deputados o chamado “superpedido de impeachment”, tendo a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) assumido o papel de redatora oficial.
A peça reúne as condutas já descritas e enquadradas como crime de responsabilidade nos pedidos anteriores e acresce os crimes de prevaricação e denunciação caluniosa, correspondentes a crimes contra a probidade da administração da Lei 1.079/50.
A presença de pessoas dos partidos de direita e centro-direita nessa articulação mostra uma fissura nesse campo, que se pode explorar na unidade tática contra Bolsonaro.
Com o tema “vacina no braço, comida no prato”, conjugando as duas necessidades mais prementes da população, a conjuntural que é a vacina e a estrutural que é fome, os atos de rua foram retomados no sábado, 03 de julho, em uma antecipação corajosa das lideranças da Campanha Fora Bolsonaro da data anteriormente marcada para o dia 24, o que exigiu organização em tempo recorde.
As manifestações mostraram um potencial de crescimento das mobilizações e de ocupação contínua das ruas, um ímpeto militante. Impossível, contudo, não lamentar o radicalismo de poucos em São Paulo ao expulsarem ativistas tucanos LGBTQIA+, bem como as depredações e provocações à Polícia Militar no final do ato que, aliás, têm servido de discurso desqualificador pela extrema-direita nas redes sociais, e vai exigir maior atenção com questões de segurança de agora em diante.
A proximidade do ano eleitoral faz com que tudo seja debatido em termos de futuro. E, para 2022, nós temos o ex-presidente Lula elegível e aparecendo em primeiro lugar nas pesquisas, Jair Bolsonaro ameaçando não entregar o governo caso não haja voto impresso, e a Rede Globo aparentemente apostando em uma terceira via com a candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que confirmou sua disposição de disputar internamente a prévia do PSDB para a escolha do candidato do partido à Presidência da República.
Em paralelo, duas ações e um fato importantes. Após ter instado publicamente a Procuradoria-geral da República a apresentar a denúncia, a ministra Rosa Weber abriu inquérito para investigar o caso da Covaxin no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma manifestação de 11 presidentes de partidos de centro e de direita, do PSL ao PSDB, contra o voto impresso para as eleições, uma novidade que pode brecar o projeto no Congresso. E a ex-cunhada de Bolsonaro revela em gravações o envolvimento direto dele com o esquema de “rachadinhas” (desvio de salários), durante o período em que foi deputado federal.
Todos os fatos ocorridos mostram uma potencialização da fragilidade de Bolsonaro, o que não autoriza, nem de longe, um otimismo exacerbado com sua queda iminente ou vitória da esquerda em 2022.
Mesmo que sua popularidade tenha atingido agora os níveis mais baixos, Bolsonaro tem apoio popular que indica ter piso. Sua sustentação no Congresso Nacional garantida pelo chamado Centrão segue inabalada, por enquanto.
Arthur Lira não dá indícios de acatar os pedidos de impeachment. No horizonte há possibilidade de recuperação da economia, mesmo que frágil, e acenos de Guedes para criar programa de distribuição de renda. Ou seja, os desafios seguem sendo os mesmos e nada está dado.
É tentador presumir que o declínio do bolsonarismo é inevitável. Tão tentador quanto perigoso. Porque de fato não existe um futuro pré-determinado, senão o que temos a construir, seja na luta institucional, como foi a construção do superpedido de impeachment, seja nas ruas. E em ambos precisamos estar abertos para adesões táticas de compromissos com a democracia de setores antes aliados ao bolsonarismo. Sem que isso tenha qualquer significado de aliança eleitoral ou para governar.
O bolsonarismo, não nos iludamos, exige uma luta a longo prazo, muito além de eleições, para ser derrotado. Por enquanto, precisamos garantir que esse vírus não extermine o corpo político das instituições e normas democráticas, que vêm sendo diuturnamente corroídas.
Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato