Reforma tributária

Alíquota única de IR é injusta e regressiva

Cobrar mais imposto dos pobres é economicamente contraproducente
Alíquota única de IR é injusta e regressiva

Foto: Ilustração

As regras do Imposto de Renda precisam mudar para tornar esse tributo mais justo. Mas as mudanças devem ser na direção de aprofundar a progressividade desse tributo — cobrar mais de quem tem mais e menos de quem tem menos, alerta o ex-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, Paulo Gil Introín.

“A tributação é o principal mecanismo de contenção da desigualdade de um país”, aponta Introíni, para quem a ideia de “uniformizar” a alíquota do IR para todos os contribuintes só reforçaria a injustiça tributária — apesar da aparente “equanimidade” da ideia.

Introíni integra um fórum de entidades, estudiosos e militantes do movimento social que elabora uma proposta de “Reforma Tributária Solidária”, com lançamento previsto ainda para este mês de setembro.

Promover a justiça

O principal objetivo desse grupo é oferecer alternativas que ajudem a reorientar o sistema tributário para que funcione efetivamente como instrumento de promoção da justiça social.

Entre as sugestões já definidas pelo fórum estão medidas que reforcem o caráter progressivo do Imposto de Renda, a redução da tributação sobre o consumo — a mais regressiva — e regras que promovam maior isonomia entre o rendimento do trabalho e do capital — este bastante “aliviado” pelas regras em vigor.

Na direção certa

Duas das medidas defendidas na Reforma Tributária Solidária para ampliar a promoção da justiça fiscal já estão em tramitação no Senado por iniciativa de Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Casa. Ambas as propostas foram apresentadas em 2015.

Um dos projetos do senador Lindbergh, o PLS 588/15, determina a cobrança de tributo nos lucros e dividendos pagos aos sócios de empresas—atualmente um empresário não paga nada de Imposto de Renda sobre esse tipo de rendimento, enquanto seus empregados podem pagar até 27,5% sobre seus salários.

“Juros sobre o capital próprio”

A segunda proposta de Lindbergh, o PLS 606/15, revoga outra isenção da qual se beneficiam donos de empresas, que é a dedução dos juros pagos como “remuneração do capital próprio” da base de cálculo do IR.

“Essa é uma despesa fictícia, um privilégio injusto, pois desconsidera que os sócios e acionistas já são renumerados pela apropriação dos lucros e dividendos da atividade empresarial”, aponta Lindbergh.

O senador alerta que essa dedução é “uma distorção que causa injustiça tributária”, ao mesmo tempo que estimula e consagra um truque contábil: o dinheiro do empresário que é colocado na empresa, chamado de capital próprio, é considerado um empréstimo do dono à sua empresa. Então, a empresa tem que pagar juros ao seu dono. E ainda abate isso do Imposto de Renda.

Lindbergh Farias também é autor da Proposta de Emenda Constitucional 116/2011, que permite que os estados passem a cobrar Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) de jatinhos, helicópteros e iates.

Estabilidade democrática

O senador entende que reformar o sistema tributário e garantir que os impostos cumpram seu papel na redução da desigualdade social e econômica não é apenas um “imperativo do desenvolvimento”, mas também “uma exigência de estabilidade democrática e harmonia social”.

Os impostos sobre o consumo e os serviços (chamados de indiretos) representam mais de 50% da arrecadação, enquanto os impostos sobre a renda e a propriedade alcançam apenas 22% da carga tributária.

“Taxar o consumo é muito injusto porque ricos e pobres diante de um caixa de supermercado não são diferenciados – e a injustiça ocorre contra os pobres porque têm que pagar a mesma alíquota que os ricos pagam”, lembra o senador. Isso é o que se chama de regressividade.

Princípios constitucionais

Paulo Gil Introíni explica que, para funcionar a favor da redução das desigualdades, é preciso que o sistema tributário seja pautado por princípios já definidos na Constituição.

Entre esses princípios estão a progressividade (quem tem mais, paga mais), o respeito à capacidade contributiva (não cobrar imposto de quem não pode pagar) e a isonomia (tratamento igual para contribuintes que se encontram em situação equivalente).

Injusto e contraproducente

“O Imposto de Renda é progressivo no mundo inteiro. Não conheço um único caso de país que adote alíquota única neste tributo”. Tributar mais os mais pobres, ressalta Introíni, não é só injusto. É também contraproducente, do ponto de vista econômico.

Ao cobrar imposto acima da capacidade contributiva dos mais pobres, o governo está retirando poder de uma larga parcela da população, reduzindo o consumo e contribuindo para a desaceleração da economia.

Derrubar a arrecadação

A ideia de uma alíquota única de 20% no IR, como propõe o guru de um dos candidatos à Presidência da República, teria consequências graves.

Introíni alerta que um Imposto de Renda mais regressivo não só tira capacidade de consumo dos mais pobres. Ao desonerar a tributação dos mais ricos, esse modelo também derrubaria drasticamente a arrecadação do IR.

Para manter o Estado funcionando, seria necessário recorrer a outras formas de tributação. “O governo precisaria agravar ainda mais fortemente a cobrança de tributos sobre o consumo”, aponta Introíni.

Exemplos

As alíquotas progressivas do Imposto de Renda não são invenção de comunistas. Elas são uma criação liberal, como ressalta o economista francês Thomas Piketty. O Reino Unido já chegou a ter uma alíquota marginal (a alíquota máxima) de 98%.

A alíquota marginal média do Imposto de Renda entre os países da Organização Mundial para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é 41%. A Argentina cobra alíquotas de até 35%. O Chile, de 40%. No Brasil, a alíquota marginal é de 27,5%.

Ainda entre os países da OCDE, 34,1% da carga tributária são extraídos da base renda — no Brasil, a renda responde apenas por 21% dos tributos arrecadados.

“Na Dinamarca, que é um modelo muito citado, 50% dos tributos arrecadados vêm do Imposto de Renda das pessoas físicas, com fortes mecanismos de progressividade. E é esse é o principal pilar de qualquer sistema tributário justo”, cita Introíni.

Reforma Solidária

Entre as propostas apresentadas pelo fórum “Reforma Tributária Solidária” está uma reestruturação da tabela do Imposto de Renda, isentando completamente a faixa de até quatro salários mínimos (atualmente, rendimentos mensais de até R$ 3.816).

Esse valor não é arbitrário ou “chutado”. Ele corresponde ao atual salário mínimo necessário apurado anualmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)—rendimento mínimo necessário para sustentar uma família de quatro pessoas, que é a média da família brasileira.

A partir de quatro salários mínimos, o imposto de renda incidiria progressivamente com a manutenção das atuais alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%) e a criação de mais duas faixas de tributação, 35% para rendimentos entre 40 e 60 salários mínimos (entre R$ 38.160,00 e R$ 228.960,00 mensais), e de 40% para quem ganha acima disso.

Para quem ganha acima de 80 salários mínimos mensais (R$ 305.280,00), seria criado um novo imposto, a Contribuição Social sobre Altos Rendimentos (CSAR), com alíquota de 7,5%, destinada a financiar a seguridade social.

Também seria criado o imposto sobre grandes fortunas, destinado a financiar a educação.

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