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Imunidade de rebanho: o que é e como Bolsonaro a usou; vídeo

Imunidade de rebanho é a proteção coletiva a uma doença. Só deve ser buscada com vacina, mas sobram evidências de que Bolsonaro quis implementá-la naturalmente, matando milhares de brasileiros
Imunidade de rebanho: o que é e como Bolsonaro a usou; vídeo

Foto: Agência PT

A CPI da Covid, no Senado, está cada vez mais perto de mostrar para o país e o mundo que Jair Bolsonaro causou a morte de centenas de milhares de brasileiros. E a arma que ele utilizou se chama imunidade de rebanho.

Leia a seguir (e veja no vídeo abaixo) o que é a imunidade de rebanho; por que ela não podia ser usada como estratégia de combate ao novo coronavírus; e quais são as provas de que, mesmo assim, Bolsonaro a utilizou, provocando uma tragédia humanitária pela qual deve ser responsabilizado.

1- O que é imunidade de rebanho?
Imunidade de rebanho é um termo da medicina que se refere à porcentagem de pessoas que precisam ser imunizadas contra um vírus para que toda a população esteja protegida. É o mesmo que imunidade coletiva.

Essa porcentagem varia de doença para doença. Por exemplo, para um país atingir a imunidade de rebanho para a poliomielite, 80% das crianças precisam estar vacinadas. Os outros 20% ficam protegidos mesmo sem vacina porque, devido às características de transmissão, o vírus da pólio não consegue mais se espalhar. Já a imunidade de rebanho do sarampo é mais difícil de alcançar, exigindo a vacinação de 95% das crianças.

2- Qual é a imunidade de rebanho da Covid-19?
Ainda não se sabe. Os primeiros cálculos estimavam um índice entre 60% e 70%. Em 11 de março de 2020, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, disse ter dados de especialistas segundo os quais o novo coronavírus poderia infectar entre 60% e 70% da população se nada fosse feito. Dois dias depois, o chefe de Aconselhamento Científico do Reino Unido, Patrick Vallance, disse que a imunidade de rebanho seria alcançada quando “60% fossem infectados, talvez 70%”. Mais tarde, a OMS passou a citar essas taxas também. Porém, estudos mais recentes deixam dúvidas sobre esse índice, alguns deles tendo Manaus como referência.

3- Quando não há vacina contra uma doença, a imunidade de rebanho pode ser estimulada naturalmente?
Sem vacina, a única forma de uma população atingir a imunidade de rebanho contra um vírus é com a maioria das pessoas ficando doentes e adquirindo naturalmente os anticorpos. Mas estimular essa imunidade coletiva sem vacina é criminoso, ainda mais se a doença pode matar. Porque significa adoecer as pessoas de propósito sabendo que várias delas vão morrer por causa disso.

No início da pandemia, os maiores especialistas em saúde pública do mundo alertaram que essa não era uma alternativa, pois causaria milhões de mortes no mundo todo. “Nunca na história da saúde pública, a imunidade de rebanho foi usada como estratégia de resposta a um surto ou pandemia. É cientificamente e eticamente problemático”, diz o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus.

Assim, os governos sérios do mundo seguiram as orientações de um fundamental estudo publicado na revista científica The Lancet, em 9 de março de 2020. “(Deve-se) evitar um pico epidêmico que sobrecarregue os serviços de saúde, mantendo os efeitos sobre a economia em níveis administráveis, achatando a curva da epidemia para esperar pelo desenvolvimento de vacinas e terapias antivirais”, escreveram os autores.

Note: “esperar pelo desenvolvimento de vacinas”. Por isso, em 11 de março, após citar os índices de 60% a 70%, Angela Merkel anunciou medidas de isolamento. E explicou: “Todas as medidas que estamos tomando são de grande importância porque elas nos fazem ganhar tempo. O que fazemos importa, não é em vão”.

4- E o que fez Bolsonaro?
Já existem inúmeras evidências de que Bolsonaro ignorou os especialistas e decidiu implementar a imunidade de rebanho natural, sem vacina, e agiu para infectar a maioria da população, mesmo sabendo que centenas de milhares, ou mesmo mais de 1 milhão, morreriam. Veja as principais:

  • A insistência em dizer que “60, 70% vão pegar o vírus”

Logo após o índice da imunidade de rebanho da Covid-19 ser estimado, Bolsonaro passou a se referir justamente a essa porcentagem, ainda em março de 2020. Mas, diferentemente de Merkel e outros líderes, que adotaram medidas para impedir que esse índice fosse alcançado, Bolsonaro sempre o tratou como algo inevitável e que não deveria ser motivo de preocupação: “O país fica imune quando 60%, 70% forem infectados“; “Aproximadamente 70% da população vai ser infectada, não adianta querer correr disso“; “É uma neurose, 70% vai pegar o vírus, não tem como“… O site Aos Fatos contou 34 vezes que Bolsonaro fez afirmações assim.

  • O depoimento de Mandetta na CPI da Covid-19

Na terça-feira (4), na CPI da Covid, o senador Humberto Costa (PT-PE), perguntou ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se ele achava que Bolsonaro adotou a estratégia de imunidade de rebanho sem vacina. Mandetta disse: “Acho que sim, porque essa era uma fala muito comum (…). A impressão que eu tenho é que era uma coisa nesse sentido”.

  • A denúncia do vice-governador do Amazonas

Em entrevista à Folha de S. Paulo na quarta-feira (6), o vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho (sem partido), denunciou que o governador Wilson Lima (PSC) adotou no estado a política de imunidade de rebanho para “mostrar alinhamento” com Bolsonaro. “Uma coisa era clara, a política era de afirmar que se tinha uma imunidade de rebanho”, disse.

  • Estudos científicos

Já há pelo menos dois estudos científicos que, após analisarem atos administrativos do governo Bolsonaro na pandemia, concluíram que o Executivo atuou de forma intencional para prejudicar o isolamento social e outras medidas de contenção do vírus. Um foi conduzido pela Universidade de Michigan e Fundação Getulio Vargas (FGV). O outro, pela ONG Conectas e Universidade de São Paulo (USP).

“Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados (…) revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, concluem os pesquisadores da USP.

  • Tudo que ele vem fazendo na pandemia

A evidência final de que Bolsonaro tentou implementar a imunidade de rebanho sem vacina é seu comportamento na pandemia, que segue uma lógica clara de contaminação em massa. Por isso, ele:

  • tentou convencer os brasileiros de que o vírus não era uma ameaça (“gripezinha”, “histeria”, “não é tudo isso não”) e estimulou as pessoas a continuar indo para a rua (“enfrentar como homem”, “chega de mimimi”);
  • apareceu constantemente sem máscara e provocou aglomerações, passando a ideia de que era o certo a fazer;
  • mentiu sobre a cloroquina, dizendo que era um remédio que não fazia mal e funcionava contra a Covid-19, para dar aos brasileiros uma falsa sensação de segurança;
  • ignorou o que diziam seus ministros da Saúde e os trocou por não aderirem a seu discurso;
  • falou mal das vacinas e recusou ofertas para comprá-las;
  • não criou uma coordenação nacional contra a pandemia e buscou impedir na Justiça as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos;
  • resistiu, cancelou e reduziu o valor do auxílio emergencial, que poderia ajudar as pessoas a ficar em casa.

Como disseram os pesquisadores da USP, não se trata de incompetência. Muito menos de loucura. Quando fica claro que a imunidade de rebanho sem vacina era o plano de Bolsonaro, todas as suas ações passam a fazer sentido. Assim como não é um mero xingamento ou exagero apontar Bolsonaro como genocida. Um genocídio ocorreu como consequência de sua política. Se não fosse a resistência de governadores e prefeitos, do Congresso Nacional, da Justiça e da maior parte da população brasileira, que se protegeu como pôde, ainda mais pessoas teriam morrido.

 

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