Nem o nome do novo programa que deve substituir o Bolsa Família, o governo de Jair Bolsonaro consegue definir. Uma hora é “Renda Brasil”, em outra “Renda Cidadã”. Mas, independentemente do nome que vier a ter, o maior entrave é como conseguir recursos para financiar a “nova” renda básica.
O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, falou em dar calote nos precatórios, utilizar 5% da verba destina à educação básica, acabar com o desconto de 20% do Imposto de Renda na declaração simplificada e ainda diminuir o acesso do trabalhador e da trabalhadora ao abono salarial. Em vez de pagar a todos que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.090,00), o governo quer que apenas quem ganha R$ 1.400,00 possa receber o abono.
Esses balões de ensaio de onde retirar os recursos apenas demonstram a incompetência do atual governo, avaliam a ex-ministra do Combate à Fome, Tereza Campello e o ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, dos governos petistas. Para eles, o neoliberalismo está no DNA da equipe econômica , que é contra e nada entende de políticas sociais.
Janine Ribeiro afirma categoricamente que este governo é contra programas sociais porque o tempo todo fala mal de quem precisa de auxílio para ter uma vida mais digna.
Este governo tem uma forte convicção de que ajudar alguém, é ajudar a vadiagem. Como tem uma ideologia contrária a programas de inclusão social, não entra na cabeça deles que a transferência de renda ajuda a recuperar a economia
O ex-ministro da Educação conta que acompanhou de perto a criação de diversas políticas públicas dos governos do PT e o que chamava a sua atenção eram as reuniões com pessoas do país inteiro e de diversos segmentos trabalhando juntas, independentemente da área que aquele programa seria implementado.
“Vi gente em Brasília, de todos os cantos do país, de diferentes localidades para adotar politicas públicas. Quando há o debate com áreas diversas e o programa é implantado há o comprometimento de quem participou do processo. O governo do PT consultava os técnicos que conheciam os beneficiários da política a ser implantada. O governo atual não faz isso”, critica Janine Ribeiro.
A importância do envolvimento de técnicos de diversas áreas e da sociedade civil para a construção de políticas públicas é compartilhada pela ex-ministra de Combate à Fome, Tereza Campello. Segundo ela, o Bolsa Família foi construído com grupos do Ministério da Assistência Social, coordenado pela Casa Civil, com a Presidência da República e com os ministérios da Educação, Saúde e até Minas e Energia porque havia o programa “Vale Gás”.
“ Passamos seis meses trabalhando, construímos estratégia do Cadastro Único (CadÚnico), estudamos como as crianças teriam acesso à educação e saúde. Foram muitas variáveis sendo estudadas”, diz a ex-ministra.
A construção de políticas sociais com prefeituras e governos estaduais são essências na avaliação de Tereza Campello. Segundo ela, no Brasil, por sermos um país continental, não se faz política social sem pactuar estados e municípios porque eles são a ponta da execução.
“Este governo decide e implementa, sem ouvir assistência social e prefeituras. Nós negociamos com a sociedade civil, com os Conselhos. Por isso que o Bolsa Família já dura 17 anos e, por isso eles não conseguem botar em pé um novo programa”, afirma.
Segundo Campello, o sucesso dos governos do PT não foi somente a criação do Bolsa Família. Foi também graças ao CadÚnico , a rede de assistência social, o acolhimento da população, a inclusão de famílias nas escolas, na saúde. Todos envolvidos numa rede complexa de politicas públicas que se complementam, numa construção estratégica.
“O Bolsa Família é um complemento de uma rede. Isolada a chance de dar certo é muito pequena. Fizemos programa de aquisição alimentos, cisternas e programa nacional de alimentação escolar, compramos da agricultura familiar, que alimenta 43 milhões de crianças, tudo se complementa no conjunto do Estado. Construímos em base de evidência científica, mas eles querem jogar fora o que é exemplo no mundo”, afirma a ex-ministra.
O resultado de todas as políticas sociais do governo Lula e Dilma se traduziu também no combate à fome. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), nos anos 2002/2003, 10% dos brasileiros estavam em subalimentação. Este número caiu para 1,7%, em 2014- uma redução de 82% graças as políticas de Valorização do Salário Mínimo, a aposentaria rural, merenda escolar, bolsa família e empregos.
Apesar de todos os exemplos de políticas sociais petistas, o governo de Bolsonaro se tranca dentro do ministério da Economia, que nunca teve experiência em política social, nem nos governos do PT, para definir a construção da nova renda básica, o que de acordo com Campello é um dos entraves de se colocar em pé o programa.
“O governo decide e dá errado, como a Carteira Verde e Amarela, que é um fiasco, porque a equipe econômica não senta com os atores envolvidos no processo como os movimentos sindical e sociais”, avalia.
Para ela, política pública não pode ser subordinada por questões macroeconômicas. Não é só quanto custa, mas o que vai fazer, ou não.
Segundo Campello, nos governos Lula e Dilma, a política social nunca foi tratada como ação de ajuda, mas como direito, e é esta a essência na diferença do atual governo e os governos petistas.
Bolsonaro repete que a melhor política social é gerar emprego, mas isto não é política social, é desenvolvimento econômico. Mesmo com níveis de emprego estáveis é necessária uma política social de assistência, de saúde e de educação. Mas este governo entende que política social é medida compensatória para quem não consegue emprego
É preciso um conjunto de políticas sociais para atender a população junto com um programa de transferência de renda, acredita o ex-ministro da Educação. Segundo Janine Ribeiro, dar cestas básicas como tem feito o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, é arcaico, tanto que nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e Lula (PT) substituíram este padrão por uma complementação de renda.
“Cesta básica não movimenta a economia de uma cidade. As pessoas querem além da comida, comprar remédios, pagar contas e, por isso que programas de renda são considerados melhores do que a cesta básica. Não adianta ter alimento, mas não ter dinheiro pro gás para cozinhar”, diz Janine.