Agência Brasil

Ipea: grandes beneficiados das discrepâncias tributárias no país hoje são aqueles investidores super-ricos
A defesa do governo Lula de medidas que visam a promoção da justiça tributária e o equilíbrio fiscal não é mera retórica. Enquanto brasileiros e brasileiras se manifestam nas redes sociais em favor de um sistema de arrecadação mais justo no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou levantamento comprovando que a regressividade do atual modelo subtrai da União R$ 200 bilhões, ao menos, por ano.
Segundo o Ipea, os grandes beneficiados das discrepâncias tributárias no país hoje são aqueles investidores super-ricos no topo da pirâmide social. Eles não pagam nada em termos de lucros e dividendos e comprometem a competitividade das empresas, que lidam com uma das alíquotas de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) mais altas do mundo.
É exatamente por conta dessa regressividade que o governo Lula vem lutando para que os bilionários, os bancos e as bets contribuam com aquilo que lhes cabe e para isentar do Imposto de Renda (IR) quem recebe até R$ 5 mil por mês. Isso sem contar a reforma sobre o consumo, já aprovada pelo Congresso Nacional, e a revisão do IOF, disputa que foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Iniquidades perpetuadas
O documento Ineficiências e Iniquidades do Imposto de Renda: Da Agenda Negligenciada para a Próxima Etapa da Reforma Tributária é de autoria de Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.
Taxação BBB: bilionários, bancos e bets agora vão pagar a conta
Gobetti propõe uma revisão dos regimes especiais de tributação, dos benefícios fiscais e das brechas da legislação que tornam a tributação efetiva sobre o lucro das empresas muito diversas entre si. Isso possibilitaria, afirma o pesquisador, espaço fiscal para o Brasil reduzir a alíquota nominal de IRPJ, a exemplo do que fizeram 31 dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 2003 e 2023.
“Uma alíquota mais baixa e uniformemente aplicada ou com menos exceções e discrepâncias do que temos hoje seria extremamente positiva para a competitividade da economia brasileira”, argumenta o autor do estudo.
Para compensar parcialmente a perda de arrecadação com a redução de IRPJ, 24 dos 38 países também ampliaram a alíquota máxima sobre os dividendos distribuídos a acionistas. Na América Latina, Colômbia, Chile e México optaram por essa saída.
Tributação do lucro empresarial
Entre as principais falhas contidas no sistema tributário brasileiro, destacam-se as diferenças de tributação do lucro empresarial. Empresas enquadradas no Simples (até R$ 4,8 milhões anuais de faturamento) e no lucro presumido (até R$ 78 milhões anuais), ambos regimes optativos, pagam IRPJ e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) proporcional ao faturamento e não ao lucro, com percentuais fixos para cada setor.
“Entre os proprietários de micro e pequenas empresas, há pessoas com capacidades contributivas muito diferentes. Duas ‘pequenas empresas’ de igual faturamento podem revelar graus muito distintos de remuneração e de capacidade contributiva dos respectivos sócios completamente distintos”, aponta o estudo.
Gobetti avalia também que as brechas na tributação permitem às empresas tornarem o lucro presumido bem menor que o real. “Na atualidade, muitos conglomerados são formados por empresas que estão enquadradas no lucro real e outras no lucro presumido”, lembra.
“E há evidências de que por trás dessa organização empresarial existe uma estratégia de alocar o máximo de custos nas unidades submetidas ao lucro real e, por outro lado, registrar o máximo de faturamento possível nas unidades sujeitas ao lucro presumido. Assim, por meio de uma divisão artificial de custos e receitas entre empresas do mesmo grupo, consegue-se minimizar o pagamento de impostos”, completa o pesquisador.
De acordo com o levantamento do Ipea, o percentual médio de presunção do lucro é de 15,8%, mas o percentual médio efetivo aferido pela Receita Federal (RF) foi de 30,4% entre 2015 e 2019. Com essa diferença entre o imposto devido e o imposto teórico, decorrente da política tributária especial, o governo deixou de arrecadar mais de R$ 200 bilhões em 2019, sendo R$ 87,7 bilhões de renúncia para o Simples e R$ 115,9 bilhões para o lucro presumido.
Dividendos
A taxação de lucros e dividendos, como deseja o governo Lula, juntamente com a redução de IRPJ-CSLL, pode proporcionar mais competitividade à economia brasileira e maior progressividade ao imposto de renda, pois transfere o foco da empresa para o acionista.
Gobetti sugere um modelo de tributação ampla, em que todas as rendas sejam igualmente submetidas a uma tabela progressiva de alíquotas. Ao mesmo tempo, é necessária compensação do imposto já pago pelas empresas.
Outra possibilidade é a manutenção de um sistema de tributação diferenciado para lucros e dividendos em que a soma das alíquotas incidentes em nível empresarial (25%, por exemplo) e em nível pessoal (15% a 20%) seja próxima à alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) aplicável às rendas do trabalho (35% a 40%).