O Irã ainda precisa conquistar a confiança total do Brasil e deve demonstrar à comunidade internacional que seu programa nuclear é “apenas para fins pacíficos”, afirmou o ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) nesta quinta-feira (15).
Patriota falou sobre o assunto no programa “Poder e Política entrevista”, conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha de S.Paulo.
O ministro disse que o Brasil sempre reconheceu a existência de “um problema de confiança” no Irã. Mas, segundo ele, isso não deve impedir que países se relacionem com iranianos. “Nosso engajamento é na criação de confiança. E a criação de confiança se dá pela tentativa de diálogo”, justificou.
Na entrevista, Patriota falou ainda sobre a participação da presidente Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, marcada para a próxima quarta-feira (21), sobre o caso Battisti e fez um breve balanço da “Guerra ao Terror” passados dez anos dos atentados do 11 de Setembro.
Antonio Patriota – 15/9/2011
Narração de abertura: O ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, tem 57 anos e nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Formou-se pelo Instituto Rio Branco em 1979.
Patriota ocupou funções importantes no Itamaraty. Foi secretário-geral do Ministério e chefe de gabinete de seu antecessor, Celso Amorim.
Foi também embaixador do Brasil em Washington e representou o país na missão permanente junto à ONU, em Nova York e em Genebra. No governo Itamar Franco, Patriota foi subchefe da assessoria diplomática do presidente.
Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo ao “Poder e Política Entrevista”.
O programa é uma parceria da Folha de S. Paulo, da Folha.com e do UOL. E a gravação é realizada no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.
O entrevistado deste programa é o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota.
Folha/UOL: Ministro, muito obrigado pela sua presença aqui no estúdio do Grupo Folha.
Antonio Patriota: Obrigado a você.
Folha/UOL: Eu começo perguntando: a presidente Dilma Rousseff estará em Nova York na semana que vem para abertura da Assembleia Geral da ONU. Qual será a mensagem da presidente?
Antonio Patriota: A presidenta será a primeira mulher a abrir o debate geral da Assembleia Geral das Nações Unidas. Ela representa hoje um país que está dando certo do ponto de vista econômico, com crescimento, inclusão social, uma democracia robusta. E um país com perfil internacional que se eleva de ano em ano. E com características muito próprias: é um país comprometido com a integração regional na América do Sul, uma região de paz, cooperação e crescimento também, com inclusão social. Um país sem inimigos, um país desnuclearizado, um país comprometido com a paz e o multilateralismo. Neste momento acho que são poucos os países que têm essas características, que são capazes de transmitir uma mensagem de tanta confiança na cooperação.
Folha/UOL: A presidente, segundo alguns assessores no Palácio do Planalto, deve mencionar a crise financeira e econômica internacional deste momento. Ela deve propor alguma medida global nesse seu discurso, vai chegar nesse nível de detalhe?
Antonio Patriota: Não, eu acho que as Nações Unidas não seria o fóro, digamos assim, apropriado para uma proposta específica para lidar com a crise. Mas, sem dúvida, a crise econômica faz parte das considerações gerais de qualquer análise da conjuntura internacional hoje em dia. Assim como fará parte de suas análises um olhar sobre o que acontece no mundo árabe, um olhar sobre as principais crises internacionais. E também relembrar alguns eventos
Folha/UOL: No capítulo do multilateralismo o sr. mencionou, deve estar presente no plano de fundo do discurso, se encaixa também a campanha já antiga do Brasil por uma reforma da ONU e a presença do país como membro permanente do Conselho de Segurança?
Antonio Patriota: Sem dúvida a questão da governança global não sairá da agenda internacional. Pelo contrário, adquirirá cada vez mais urgência. Nós presenciamos hoje mudanças muito aceleradas no plano econômico que levaram à substituição do G8 pelo G20 e à reforma de cotas no Banco Mundial e no FMI. E não é natural que outros órgãos de composição restrita também não reflitam as mudanças econômicas e geopolíticas da atualidade. De modo que esse será um tema também abordado e que estará presente também em grande parte, senão na totalidade das intervenções.
Folha/UOL: Mas a gente pode aguardar um espécie de grau ou de robustez no discurso sobre o Conselho de Segurança, da reforma do Conselho de Segurança?
Antonio Patriota: No que se refere à reforma do Conselho de Segurança o Braisl tem se coordenado com outros países que compartilham a mesma visão, de um conselho ampliado com novos membros permanentes e novos membros não permanentes também. Mas a característica principal seria membros permanentes adicionais do mundo em desenvolvimento. Com isso nós coordenamos com Índia, além de Japão e Alemanha e os países africanos. E eu mesmo deverei me reunir com chanceleres do G4, que é esse grupo, Alemanha, Japão, Brasil e Índia, para talvez levar adiante uma iniciativa de uma resolução curta na Assembleia Geral da ONU que propõe exatamente isso que eu disse: ampliação do conselho nas duas categorias. Novos membros permanentes, novos membros não permanentes.
Folha/UOL: Qual é a diferença, se é que há alguma, entre a política externa brasileira do governo Lula e do governo Dilma?
Antonio Patriota:O eleitor brasileiro se pronunciou pelas urnas pedindo continuidade. De modo que não há porque haver uma quebra ou uma ruptura entre a política externa do governo Lula e do governo Dilma. O governo Dilma está construindo sobre uma base muito sólida que foi construída durante o governo Lula em termos de universalização da presença do Brasil. Talvez se possa dizer que, pela primeira vez na sua história, o Brasil interage efetivamente com todos os membros da comunidade internacional, aumentou muito o número de embaixadas, não só na África e no Oriente Médio, mas na própria Europa, ex-União Soviética onde novos atores surgiram.
Folha/UOL: Mas há alguma mudança objetiva, ainda que seja alguma evolução de um ponto ao outro, do governo Lula ao governo Dilma, ou não?
Antonio Patriota:A presidenta Dilma atribui grande importância, por exemplo, nos relacionamentos bilaterais, maior cooperação em ciência e tecnologia, em inovação. O próprio programa ciência sem fronteiras, que determina a concessão de bolsas de estudo a 75 mil alunos, talvez chegue a 100 mil [alunos], representa essa mobilização nacional em favor de uma nova etapa de desenvolvimento em que o conhecimento científico desempenha um papel, aumenta a nossa competitividade, existe também uma ênfase na busca de relacionamentos comerciais e investimentos que sejam mais interessantes do ponto de vista da economia brasileira. E além disso também um engajamento forte nos grandes debates internacionais, sempre com a ênfase aqui na nossa integração regional. Quer dizer, ela até demonstrou pelas primeiras viagens que ela fez, à Argentina, subsequentemente foi também ao Paraguai e ao Uruguai, o compromisso com o Mercosul, com a Unasul. Na posse do presidente do Peru [Ollanta Humala], ela se reuniu com os líderes sul-americanos. Mas também uma forte veia que eu chamaria de idealista, de promoção da democracia, dos direitos humanos, de melhores condições de vida para um maior número possível de seres humanos e até foi nesse espírito que nos empenhamos muito pela eleição do professor Graziano [José Graziano] na FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação], que é a agência que cuida de segurança alimentar.
Folha/UOL: O Brasil hoje, alguns acham, é subrepresentado nessas organizações multilaterais internacionais. O sr. concorda com essa avaliação?
Antonio Patriota:O Brasil poderia estar melhor representado. Digamos que há uma representação que não é negligenciável. Por exemplo, subcretário das Nações Unidas que cuida de desarmamento e não proliferação é um brasileiro, Sérgio Duarte. Agora elegendo o professor Graziano para a FAO, que é uma das principais agências, mas gostaríasmo de estar melhor representado sim.
Folha/UOL: Seu antecessor, Celso Amorim, já chegou a se manifestar algumas vezes sobre a possibilidade ou a conveniência de o Brasil sair do Haiti, desse comando. Qual é a posição atual do Itamaraty a respeito?
Antonio Patriota: Bom, o ministro Celso Amorim e eu participamos juntos de uma reunião convocada pelo ministro de Defesa e Relações Exteriores do Uruguai recentemente, reunindo todos os sul-americanos que contribuem com tropas para a missão de estabilização das Nações Unidas no Haiti. E o consenso nessa reunião foi de que, talvez, se possa contemplar uma redução inicial no número de tropas ao número anterior ao terremoto de 12 de janeiro do ano passado [2010]. Eu creio que estão dadas as condições até mesmo agora com a eleição de um segundo presidente pela via democrática sucessivo no Haiti, dessa vez passando de um partido a um partido da oposição, em ambiente de estabilidade. Estão dadas as condições para que retornemos para o nível pré-terremoto. E aí examinemos, com os membros do governo haitiano, com os demais membros do conselho de segurança e com base no relatório que o secretário geral da ONU fará se se justifica uma redução gradual nos anos…
Folha/UOL: Essa redução para os níveis anteriores ao terremoto, ela é uma decisão tomada ou está em processo?
Antonio Patriota: Não é tomada ainda. A revisão do mandato da Minustah, que é a missão de estabilização das Nações Unidas no Haiti, ela deverá entrar na agenda do Conselho de Segurança em outubro. E a decisão ela é coletiva dos coletiva dos 15 membros do Conselho de Segurança.
Folha/UOL: O Brasil durante o governo Lula aproximou-se, enfim, sempre teve uma ótima relação com a França, aproximou-se um pouco mais e havia ainda, inclusive, a possibilidade de os caças da Força Aérea Brasileira serem os caças franceses. Isso foi o que foi muito noticiado. Mas agora, enfim, por contingências orçamentárias o projeto está em suspenso e nem mais é certo que o Brasil vá comprar os caças da França. A relação com a França esfriou?
Antonio Patriota: Como toda relação madura e que é intensa e que envolve comércio e interesses econômicos, interesses políticos, interação também muito intensa entre as sociedades, nós temos muitos brasileiros que estudam na França, aliás é um dos países onde há o maior número de brasileiros estudando, linhas aéreas diretas, turismo, etc. Em relações maduras é natural que haja áreas de convergência e algumas áreas de diferença de opinião.
Folha/UOL: Mas deu uma esfriada por causa dos caças ou não?
Antonio Patriota: Olha a decisão dos caças não é uma decisão que tenha a ver com a França necessariamente. Ela tem a ver com as prioridades que a presidenta estabeleceu em função de considerações orçamentárias como você mesmo determinou e na medida
Folha/UOL: Mas nas conversas que o sr. mantém bilaterais com os franceses, com o Alain Jupé, como mencionou, esse tema é recorrente, quando será retomado o projeto dos caças?
Antonio Patriota: Esse tema pode ter sido levantado no início do ano. Mas a partir do momento em que os franceses tomaram conhecimento de que a decisão não seria tomada nos próximos meses ou no início do governo, não foi retomado, não.
Folha/UOL: O Congresso brasileiros, mais especificamente o Senado, não aprovou ainda um projeto de lei de acesso a informações públicas que tramita já há algum tempo do Poder Legislativo. Na semana que vem a presidente Dilma Rousseff participa junto com o presidente Barack Obama [dos EUA] dessa iniciativa chamada “Governo Aberto”. É um pouco um fator de constrangimento para a presidente o Congresso ter se atrasado na aprovação dessa lei.
Antonio Patriota:De maneira alguma. Pelo contrário. Eu acho que o Brasil foi convidado para se copresidente dessa iniciativa, eu mesmo já participei de uma reunião com a secretária de Estado [dos EUA] Hilary Clinton, pelo importantes avanços que nós realizamos nos últimos anos. Como o Portal da Transparência, o sistema de acompanhamento de gastos públicos on-line, o Siafi, e outras iniciativas. A questão da regulamentação do grau de sigilo é uma questão que em todos os países, todas as grandes democracias do mundo, ela recebe uma deliberação especializada, diferenciada em função de considerações de segurança nacional.
O Brasil no final do governo Fernando Henrique Cardoso adotou legislação específica, que já estabelecia níveis de sigilo e anos… ou prazos para que essas informações fossem compartilhadas com o público em geral e o que está agora em debate é se alteramos ou não esses prazos. Mas para te dar uma ideia, existem países democráticos, desenvolvidos, onde o sigilo é praticamente eterno sobre questões de segurança nacional. Outros onde os prazos chegam a 150 anos. De modo que aí existem diferentes possibilidades de tratamento. Acho que o Brasil, como um país sem inimigos, que vive na zona de paz, cooperação e democracia não tem porque adotar uma postura entre aquelas mais restritivas. Podemos adotar uma postura que seja bastante aberta e equilibrada.
Folha/UOL: Mas não seria positivo que o Congresso aprovasse agora essa lei e a presidente chegasse a Nova York e, além de tudo o que tem feito, apresentar também essa nova medida?
Antonio Patriota: O compromisso do Brasil e da presidenta com a transparência, com as boas práticas não está em questão. Se houver uma coincidência de aprovação pelo Congresso, tanto melhor. Acho que será positivo sim.
Folha/UOL: Porque dentro do Itamaraty, ministro, durante alguns anos houve uma resistência a respeito do relaxamento dos prazos em que determinados documentos ultrassecretos são mantidos em sigilo e hoje aparentemente já não há mais essa resistência?
Antonio Patriota: Olha, as resistências, como eu comentei com você são naturais da própria atividade diplomática. E, em muitos países, por exemplo, existe uma determinação que informação confidencial obtida de terceiros países não será nunca aberta ao público geral. De modo que é possível nos inspirarmos
Folha/UOL: O Itamaraty, aliás, a pedido da “Folha de S.Paulo”, liberou para divulgação cerca de 10 mil documentos que antes eram mantidos em sigilo. No entanto, aí para falar do governo
Antonio Patriota: Bom, quem determina a política nesse caso, como em outros, é a própria Presidência da República, de modo que há um compromisso do governo com a transparência. E o que está em questão hoje em dia é apenas um debate sobre regulamentação de certos aspectos que poderá introduzir novas práticas ou não. Aí compete ao Legislativo chegar a um acordo sobre a matéria.
Mas só para comentar sobre uma frase que você usou, você disse que o Itamaraty facilitou à Folha… O Itamaraty facilitará a qualquer indivíduo…
Folha/UOL: …foi um pedido da Folha, não é?
Antonio Patriota: …ou qualquer pedido que seja feito, com base nas regras vigentes que, aliás, já são relativamente liberais.
Folha/UOL: Nesses documentos que o Itamaraty recentemente divulgou, a “Folha de S.Paulo” publicou, há um, de 2001, um telegrama que veio de Washington, do embaixador à época, Rubens Barbosa, dizendo, entre aspas, que tinha certeza de grampo em linhas telefônicas da embaixada brasileira em Washington e suspeitava que a autoria tivesse sido do Departamento de Estado Norte Americano. Na época ele informou ao ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, e a pergunta: o governo à época tomou alguma providência a respeito?
Antonio Patriota: Eu não me pronunciaria sobre um assunto dessa natureza porque é um assunto que envolveu um embaixador anterior à minha própria gestão em Washington e o governo anterior. Eu posso lhe dizer é que surgem casos como esses e que aí o governo dispõe sim dos instrumentos para tomar todas as medidas necessárias…
Folha/UOL: Que instrumentos são esses?
Antonio Patriota: São instrumentos de fazer varredura, de garantir as condições de operação em segurança para uma embaixada em qualquer lugar do mundo que seja e de também transmitir às autoridades locais o nosso entendimento de que devemos observar certo tipo de prática nas relações entre Estados que não devem envolver esse tipo de atitude.
Folha/UOL: O sr., do seu conhecimento, não há alguma providência que tenha sido tomada à época ou o sr. não sabe.
Antonio Patriota: Não.
Folha/UOL: Desde 2001, também nesses documentos, fica visível que os Estados Unidos, por vários de seus órgãos de Estado apontam suposto foco de presença de terroristas ou simpatizantes de terroristas na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. O Brasil sempre rechaça esse tipo de interpretação. O que os Estados Unidos pretendem ou querem ao insistir na existência desse foco na Tríplice Fronteira?
Antonio Patriota: Eu acho que já estamos superando. Aliás, eu diria também sobre sua pergunta anterior que eu acho que já superamos. É um assunto superado. E justamente uma das ideias de se liberar material confidencial há 10 anos, depois de 10 anos, é o entendimento de que esse material já não atinge, não afeta o relacionamento bilateral.
E sobre essa questão da Tríplice Fronteira, é um assunto que é debatido em algum detalhe com nossos parceiros norte-americanos, mas também envolvendo Paraguai e Argentina. E não há demonstração objetiva de qualquer razão para se temer a presença de elementos desestabilizadores. Como todos sabemos depois dos ataques do 11 de Setembro os norte-americanos ficaram muito preocupados com células terroristas em volta ao mundo e passaram a monitorar inclusive regiões onde existe imigração de origem árabe ou palestina no caso, na Tríplice Fronteira. Agora, o que nós sublinhamos muito é que o combate ao terrorismo deve ser levado à frente em pleno respeito aos direitos humanos, aos direitos individuais e sem prejulgar ou sem estereotipar nenhum tipo de população.
Folha/UOL: Estamos no nono mês do governo Dilma e cinco ministros já saíram da esplanada, quatro deles suspeitos de irregularidades. O sr. acha que esses fatos ajudam a reforçar o estereótipo que muitas vezes ainda persiste no exterior de que no Brasil há um excesso de corrupção nos órgãos públicos?
Antonio Patriota: Olha, eu diria que nós vivemos um período histórico em que muitos estereótipos estão sendo colocados de cabeça para baixo. Quem é que imaginaria os Brics agora conversando sobre a possibilidade de assistir ou de apoiar de alguma maneira os europeus
Folha/UOL: 11 de Setembro. Passaram-se dez anos. O sr. acha que ainda fazem sentido tal como foi concebida a “guerra ao terror”, a prisão de Guantánamo e certos procedimentos de segurança máxima, sobretudo os adotados pelos norte-americanos?
Antonio Patriota: Eu acho que muitos desses procedimentos revelaram suas limitações e estão sendo revistos. Não nos esqueçamos, por exemplo, que o presidente Barack Obama foi eleito para a Casa Branca, primeiro afrodescendente a ocupar a Casa Branca, que em si mesmo é um fato digno de nota, mas também com uma plataforma de crítica à intervenção militar no Iraque. E existem algumas constatações. E uma delas é o limite da ação militar para debelar o terrorismo. Outra delas é o fato de que nenhum ator individual, por mais poderoso que seja, tem capacidade de individualmente transforma realidades internacionais. E uma terceira o surgimento de novos atores que contribuem para introdução de perspectivas variadas no combate, ou na superação de desafios globais como é o caso do terrorismo. E eu acho que existe também um novo consenso internacional de que a tortura não é um método adequado para se obter informações. Existem convenções das Nações Unidas que precisam ser respeitadas. E
Folha/UOL: O Brasil nos últimos anos, quase que historicamente, tem mantido boas relações com alguns países cujos governos são comandados por autocratas. Por exemplo: Irã, Cuba. Não há um risco, às vezes, de essa política de boa vizinhança ser interpretada ou até mesmo acabar sendo, na prática, um endosso a determinados regimes autoritários?
Antonio Patriota: Olha, não é um privilégio do Brasil se relacionar com o Irã ou com Cuba. Hoje em dia não há nenhum país da América Latina e Caribe que não tenha relações diplomáticas e de cooperação com Cuba.
Talvez com o Irã seja um pouco diferente. O Irã é um assunto da agenda do Conselho de Segurança. Existem temores com algum fundamento de que o programa de desenvolvimento de energia nuclear do Irã não seja exclusivamente para fins pacíficos. Eu acho que é necessário que o Irã dê demonstrações de que, de fato, ele é apenas para fins pacíficos. Mas isso não impede que países também se relacionem, até mesmo para fazer com que países que despertam dúvidas ou incertezas possam evoluir de uma maneira benigna, favorável e honrem plenamente seus compromissos com a não proliferação ou com os direitos humanos ou outros compromissos internacionais.
Folha/UOL: Num telegrama de fevereiro de 2010 produzido pela embaixada dos Estados Unidos em Brasília, o sr. é citado. Esse telegrama foi vazado pelo WikiLeaks. Seus colegas norte-americanos relatam que o sr. fazia reparos ao governo iraniano nessa conversa reservada. Esse telegrama cita o sr. entre aspas e diz que o sr. teria dito que “a desconfiança é grande” sobre o Irã. E mais uma outra frase, entre aspas: “Nós nunca sabemos o quão sinceros” são os iranianos. O governo do Irã nesse sentido não é, então, muito confiável?
Antonio Patriota: A confiança em relação ao compromisso do Irã em relação à utilização da energia nuclear para fins pacíficos ela deve ser determinada de forma coletiva, pela Agência Internacional de Energia Atômica e pelo Conselho de Segurança. Ora, esses órgãos ainda não estão plenamente satisfeitos de que, por razões que possam ter a ver com as próprias características do regime iraniano, de que esse compromisso com a não proliferação e com o TNP, o Tratado de Não Proliferação, seja suficiente ou satisfatória. Eu próprio, antes de você citar esse comentário, eu disse que não há uma confiança suficiente. Agora, nosso engajamento é na criação de confiança. E a criação de confiança se dá pela tentativa de diálogo. Foi isso que o meu antecessor, ministro Celso Amorim, juntamente com o ministro turco, Ahmet Davutoglu, procurou realizar no ano passado em Teerã, com base até mesmo em ideias que haviam sido veiculadas pelos membros permanentes do Conselho de Segurança em coordenação com a Alemanha, de modo que não era ideias originais, era apenas uma tentativa de implementar e criar um contexto um pouco mais favorável para que tenhamos essa confiança plena, que seria o desejável obtermos.
Folha/UOL: Esse relato então de fevereiro de 2010 dos americanos estava fiel, mais ou menos, àquilo que o sr. acabou de expressar?
Antonio Patriota: Olha, eu não usaria exatamente as mesmas palavras, mas o reconhecimento de que existe um problema de confiança é um reconhecimento que sempre houve de parte do Brasil e eu poderei ter expressado esse reconhecimento desta forma numa conversa que foi com o embaixador Thomas Shannon. Também eu gostaria…
Folha/UOL: Não há uma mudança ou pelo menos uma nuance entre, enfim, isso que o sr. está dizendo agora e o que a gente ouvia sempre dos seus colegas diplomatas e do próprio presidente Lula na administração passada sobre o Irã?
Antonio Patriota: Não sei se poderá haver mudança porque as linhas básicas permanecem as mesmas. Nós somos a favor de um engajamento com o Irã que contribua para diminuir as tensões. Nós não podemos correr o risco de exacerbar tensões em uma região como o Golfo [Pérsico], como o Oriente Médio, onde agora, então, já temos situações que nos preocupam dentro de um contexto que é interessante também de oportunidade, de aspiração por maior democracia e progresso econômico e social. De modo que o engajamento do Brasil é sobretudo no sentido de assumirmos a nossa responsabilidade como membros da comunidade internacional, como membros do Conselho de Segurança, estávamos no conselho no ano passado e estamos nesse ano, de forma a contribuir para uma redução de tensões. E esse esforço envolve também conversar com os iranianos.
Folha/UOL: Ainda assim, era difícil encontrar alguém no governo, na administração Lula vocalizando esse problema existente, que o sr. não nega, de falta de confiança ainda
Antonio Patriota:Olha, eu participei da administração Lula durante oito anos. Fui chefe de gabinete do ministro Celso Amorim, fui embaixador do presidente Lula em Washington, fui vice-ministro, secretário-geral das Relações Exteriores, e por instruções do ministro Celso Amorim, eu mantinha contato frequente com o subsecretário norte-americano, que cuida de Irã, embaixador Burns, hoje em dia número dois do departamento de Estado, e com outros interlocutores. Muito nesse espírito que eu estou aqui descrevendo para você.
Folha/UOL: A política externa brasileira sobre Líbia foi a mais adequada na sua avaliação?
Antonio Patriota: Eu acho que o Brasil demonstrou, em primeiro lugar, que estava do lado do povo líbio em suas aspirações por liberdade e por democracia, por progresso institucional, econômico e social. Demonstramos também que somos a favor de meios pacíficos para se lidar com situações de tensão que podem surgir em diferentes regiões do mundo, e demonstramos também que estamos plenamente engajados com o sistema multilateral –e no respeito à Carta da ONU e ao papel do Conselho de Segurança como agente primordial na promoção da paz e segurança internacionais.
Folha/UOL: Mas o Brasil não teria sido um pouco tímido, sempre dizendo e olhando em retrospecto agora, em relação a algumas posições? Sobretudo naquela em que não apoiou a decisão da ONU sobre a área de exclusão área [sobre a Líbia]?
Antonio Patriota: Pelo contrário. Eu acho que o Brasil foi muito corajoso. Porque o Brasil apontou desde o início, digamos, a falácia do estabelecimento de um elo automático entre a promoção da estabilidade, da democracia e a proteção dos direitos humanos e o uso da força. O uso da força pode levar à disseminação da violência numa escala maior. Quando você dissemina violência os que são os principais atendidos são os mais pobres, são os idosos, são as mulheres. De modo que aquela posição serviu como uma advertência para que não se crie um elo automático, não se dissemine uma ideologia de que a democracia e os direitos humanos são melhor protegidos pela ação militar.
Folha/UOL: A Itália pretende levar o caso Battisti à Corte de Haia e colocou hoje, 15 de setembro, quando fazemos esta entrevista, como prazo para que o Brasil monte a sua comissão de conciliação a respeito desse caso. O que pode ainda acontecer a respeito desse tema?
Antonio Patriota: Do ponto de vista do Brasil o tema foi equacionado de acordo com as melhores práticas jurídicas de um país altamente democrático, onde os Poderes são independentes. De modo que não creio que haja nenhuma necessidade de nenhuma medida adicional. E esse prazo de 15 de setembro, como nós já fizemos ver aos nossos parceiros italianos, não é um prazo que conste de qualquer documento oficial. De modo que assim é uma margem, temporal, que figurou numa intervenção do ministro Franco Frattini, com quem eu estou em contato sobre esse assunto, e talvez voltemos a nos encontrar em breve.
Folha/UOL: Há alguma consequência objetiva para as relações entre Brasil e Itália esse caso Battisti?
Antonio Patriota: Olha, nossa intenção é trabalhar para que não haja. Até agora não existiu e continuaremos a trabalhar para que não ocorra.
Folha/UOL: ministro Antonio Patriota, muito obrigado por sua entrevista.
Antonio Patriota: Muito obrigado a você pela oportunidade.