Alessandro Dantas

Senador Beto Faro em debate na Comissão de Meio Ambiente, onde é membro titular
A partir de iniciativa do governo Lula, e após décadas de tentativas fracassadas, o Congresso Nacional aprovou parte substancial da reforma tributária, de grande relevância para o futuro do país. Em 2025, de novo o governo Lula, conforme promessa de campanha, enviou ao Congresso projeto de Lei propondo a isenção do Imposto de Renda para as pessoas com rendimentos até R$ 5.000. A medida resultará na isenção do Imposto de Renda para mais de 16 milhões de assalariados e beneficiará, com a redução de imposto, mais de 30 milhões de pessoas. De fato, um avanço importante na reparação da vergonhosa regressividade da nossa estrutura tributária.
A expectativa com a possível continuidade da reforma tributária nos anima para um debate responsável e desapaixonado sobre o Imposto Territorial Rural (ITR). Desde logo, destaco que também sou produtor rural. Mas é inegável que, como forma de justificar a irrelevância das receitas geradas pelo ITR, argumenta-se que a função essencial do tributo seria de caráter extrafiscal. Ou seja, a pressão fiscal do tributo serviria para induzir a desconcentração da posse da terra e condutas da grande propriedade rural em conformidade com as normas socioambientais. Ocorre que, historicamente, o ITR se mantém ineficaz em ambas as esferas. Não à toa, o órgão da administração tributária do governo central jamais demonstrou interesse pelo ITR, tido como um “imposto podre”. Trata-se de um tributo autodeclaratório em que o titular do imóvel declara a dimensão da sua área, o valor da terra nua, a área tributável e tudo mais. Um tributo objeto de “vai e vem institucional” que revela o seu valor político caricato. No passado, esteve sob a gestão ora dos estados, ora dos municípios ou da União. Retornou para a União e atualmente tem uma configuração simplesmente ridícula. A legislação é federal, mas os municípios interessados em firmar convênio com a Secretaria da Receita Federal (SRF) para o lançamento e fiscalização do ITR levam a arrecadação obtida. O único momento no qual o ITR ameaçou com eficácia, fiscal e extrafiscal, ocorreu em 1994, com a entrada em vigor da Lei 8.847. Essa lei incluiu dispositivo que a cada ano dobrava as alíquotas do tributo para os grandes imóveis que permanecessem improdutivos. Porém, em 1996, véspera da entrada em vigor desse dispositivo, o governo FHC revogou a lei, passando a vigorar a atual Lei nº 9.393, de 1996, que aboliu a progressividade que em alguns anos tornaria inviável a manutenção de latifúndios improdutivos no Brasil.
Na atualidade, a arrecadação do ITR equivale a 0.15% das receitas administradas pela Receita Federal, o que é uma participação desprezível para um fato gerador que envolve em torno de 619 milhões de hectares (médias e grandes propriedades). Em valores nominais, o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) em 1995 foi de R$ 26.5 bilhões e o valor arrecadado com o ITR, também em valores nominais, foi de R$ 105 milhões, ou 0.4% do VBP. Em 2024, ainda em termos nominais, essa relação baixou para 0.26%.
Em 2020, cadastro do Incra registrou no Pará área de 83.5 milhões de hectares classificada como de médias e grandes propriedades; portanto, sujeitas à incidência do ITR. O valor arrecadado com o ITR no estado, em 2024, foi de R$ 50 milhões. Aplicando o valor arrecadado em 2024 sobre a área das médias e grandes propriedade em 2020, concluímos que no Pará, em média, o valor unitário pago de ITR correspondeu a R$ 0,58 por hectare. Com todas as ressalvas na comparação ITR e IPTU, significa que um imóvel rural de 2.000 ha (grande propriedade) ou 20 milhões de m2 pagou em ITR valor menor que o pago em IPTU por um proprietário de um apartamento, classe média, de 100m2 em Belém (em torno de R$ 1.400,00). Em suma, defendendo como premissa, o incentivo com o ITR para as propriedades produtivas que cumprem a função social, todavia, penso que o Brasil deveria aproveitar a ‘janela’ da reforma tributária para uma profunda revisão do ITR para desincentivar de uma vez por todas o latifúndio improdutivo.