Jango volta a Brasília, com honras de chefe de Estado

Jango volta a Brasília, com honras de chefe de Estado

Restos mortais do ex-presidente João Goulart são recebidos por Dilma,
familiares, parlamentares e ministros em ato de “afirmação da democracia”.

Em 1964, João Belchior Marques Goulart deixou Brasília como presidente deposto pelo golpe que instituiria a ditadura militar que governaria o País por 21 anos. Saiu da capital em direção ao exílio no Uruguai pela Base Aérea de Brasília, o mesmo lugar em que, nesta quinta-feira (14), os restos mortais do ex-presidente foram recebidos com honras de chefe de Estado pela presidenta Dilma Rousseff. A urna com o corpo de Jango chegou à capital por volta das 11h45. Desceu do avião com a tarja fúnebre atribuída a chefes de Estado. Foi saudada com uma salva de 21 tiros e teve o Hino Nacional entoado em sua homenagem.  “Essa cerimônia que o Estado brasileiro promove hoje com a memória de João Goulart é uma afirmação da nossa democracia. Uma democracia que se consolida com este gesto histórico”, disse Dilma, que ressaltou o fato de Jango ser o único presidente brasileiro a morrer no exílio, “em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais”.

Ao lado da viúva de Jango, a ex-primeira-dama Maria Thereza Goulart, a presidenta depositou uma coroa de flores brancas no caixão de João Goulart. Para Dilma, as honras militares dispensadas ao ex-presidente marcaram “um dia de encontro do Brasil com a sua história”.

Os despojos de Jango foram encaminhados para o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, onde ocorrerá a análise pericial que determinará a causa da morte do ex-presidente, colocando fim à dúvida sobre a possibilidade de Jango ter sido envenenado em seu exílio.  

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Análises confirmarão se Jango morreu
de infarto, ou por envenenamento, como
suspeita a família do presidente deposto 

A versão oficial diz que ele foi vítima de um ataque cardíaco, mas há suspeitas de que ele tenha sido envenenado a mando do governo brasileiro por militares uruguaios durante a Operação Condor, uma aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970. Também participaram da cerimônia os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva e os senadores José Pimentel (PT-CE), Eduardo Suplicy (PT-SP), Pedro Simon (PMDB-RS), Eduardo Braga (PMDB-AM), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Acir Gurgacz (PDT-RO) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Exumação
A exumação do corpo foi realizada ontem, quarta-feira (13), no Cemitério Jardim da Paz, na cidade de São Borja (RS), em um processo que durou pouco mais de 18 horas de trabalho, envolvendo 12 profissionais do Brasil, Argentina, Cuba e Uruguai. O médico João Marcelo Goulart, neto do ex-presidente, teve participação efetiva em todo o procedimento.
O trabalho de exumação consistiu na inspeção ocular do mausoléu, coleta de amostras de gases no interior da sepultura objeto da pesquisa e na exumação dos restos mortais para sua posterior análise forense nos laboratórios da Polícia Federal, em Brasília, que será responsável pela coleta das amostras para todos os exames.

As atividades começaram às 7h15 de ontem com a preparação pericial da área delimitada. Às 9h45, foi iniciada a primeira etapa, com o intuito da coleta de 12 amostras de gases em pontos distintos do jazigo. A coleta de gases no interior da sepultura foi iniciada às 17 horas e finalizada às 18h20. Dez minutos depois começou o procedimento de abertura da sepultura. Às 1h45 foi finalizada a exumação dos restos mortais e acondicionamento para transporte para Brasília, seguindo a cadeia de custódia dos elementos extraídos.

O processo de exumação de Jango teve início em 2007, por iniciativa de familiares do ex-presidente, que solicitaram ao Ministério Público Federal – MPF a reabertura das investigações. Em 2011, o pedido foi estendido pela família à Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Com a instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em maio de 2012, a demanda ganhou força e culminou com a etapa preparatória à exumação, no dia 21 de agosto de 2013. A coordenação dos trabalhos é compartilhada entre a CNV, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), ligada à SDH/PR, o MPF-RS e a Polícia Federal (PF).

Com a análise pericial dos restos mortais de Jango, a expectativa é de que os laudos periciais sejam somados às demais investigações, incluindo as documentais e testemunhais, na busca de um esclarecimento sobre as circunstâncias que levaram o ex-presidente a falecer. “É um dever do Estado brasileiro esclarecer as circunstâncias da morte do presidente João Goulart”, afirmou a ministra Maria do Rosário.

O senador Jorge Viana (PT-AC), em discurso na tribuna do Senado, classificou o reconhecimento como afirmação da democracia brasileira e sublinhou o dever do Estado de acertar as contas com a história e contribuir com o esclarecimento sobre a morte de Jango. “Há muitas suspeitas sobre a possibilidade de um envenenamento. Cabe às autoridades o esclarecimento dessa dúvida”, afirmou, elogiando a iniciativa da apresentação, ontem, do projeto de resolução que propõe anular a sessão do Congresso de 1º de abril de 1964 que declarou vaga a presidência da República e tornou possível a instalação do regime militar.

Colaboração internacional
Para legitimar o trabalho de investigação quanto às causas da morte de Jango, a SDH/PR convidou especialistas do Uruguai e da Argentina para colaborarem com o grupo responsável pela exumação. O comitê internacional da Cruz Vermelha (CICV) também se soma a esses esforços. “Agora entramos em nova etapa. Houve um cuidado muito grande lá em São Borja. Os peritos cumpriram todos os padrões nacionais e internacionais para que possamos obter o melhor resultado possível na análise dos restos mortais de Jango”, explicou a ministra, lembrando que a continuidade dos trabalhos agora é de responsabilidade do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, para onde os restos mortais foram encaminhados, logo após a cerimônia.

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Discurso da Central do Brasil, no Rio de Janeiro:
Jango confirma as reformas de base e acelera a
reação dos golpistas contra a democracia 

Biografia
João Belchior Marques Goulart nasceu em 1º de março de 1919, em São Borja (RS). Popularmente conhecido como Jango, foi deputado estadual (RS), deputado federal, Secretário de Estado de Interior e Justiça (RS) e Ministro do Trabalho. Foi eleito duas vezes vice-presidente da República (1955 e 1960). Em agosto de 1961, Jango tornou-se presidente da República, cargo que ocupou até 31 de março de 1964, data do golpe de Estado. Após ser deposto, refugiou-se em seu estado natal, Rio Grande do Sul, e depois partiu para o exílio no Uruguai e na Argentina. Jango é o único presidente brasileiro que morreu no exílio. O seu corpo está sepultado em São Borja (RS), na fronteira do Brasil com a Argentina.

Sessão fatídica
Tumulto, vaias e aplausos marcaram a sessão do Congresso Nacional que, na madrugada de 2 de abril de 1964, declarou a vacância do cargo ocupado pelo então presidente João Goulart. A anulação dessa reunião conjunta das duas Casas legislativas é objeto de um projeto de resolução subscrito pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) e outros parlamentares, que deverá ser votado pelo Congresso Nacional.
A sessão começou na noite de 1º de abril, por convocação do presidente do Congresso, senador Moura Andrade, e chegou a ser suspensa diante dos tumultos. Logo no início, o então deputado Sérgio Magalhães levantou uma questão de ordem, argumentando que tanto a convocação da sessão, quando o comunicado de vacância do cargo, que seria lido em seguida, não estavam previstos no Regimento Comum. Para ele, os atos de Moura Andrade eram antirregimentais.
 
Em resposta, Moura Andrade lembrou que, em 1961, Sérgio Magalhães não fizera questão de ordem semelhante. Ele se referia ao fato de o Congresso Nacional ter-se reunido diante da crise político-militar desencadeada pelo veto dos ministros militares à investidura, na presidência da República, do então vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
 Em nova intervenção, Sérgio Magalhães lembrou ao presidente sua obrigação regimental de responder as questões de ordem de forma conclusiva, e não arguir erros do passado para justificar suas atitudes.
Moura Andrade insistiu que sua resposta estava no regimento e nos fatos, e prosseguiu no ritual que culminou na declaração de vacância. Antes, determinou ao secretário da sessão, senador Adalberto Sena, que lesse comunicado do então chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro. Nesse documento, Ribeiro informou que o chefe da Nação havia viajado para o Rio Grande do Sul, onde se encontrava à frente de tropas militares legalistas, “em pleno exercício de seus poderes constitucionais”.
 

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Hoje, como ontem, grande mídia alinha-se
ao lado errado da história

Mesmo assim, sob vaias e aplausos, Moura Andrade disse que o presidente João Goulart havia deixado “a Nação acéfala numa hora gravíssima da vida brasileira em que é mister que o chefe de Estado permaneça à frente do seu governo”.

Domingos Antunes, ex-assessor do ex-presidente Jânio Quadros, lembra que Jango havia seguido para o Rio Grande do Sul porque eram crescentes as acusações de que seu interesse era implantar o comunismo no Brasil, uma pressão que era exercida principalmente pelos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, que invocavam a ação das Forças Armadas. Apenas o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, lhe confiava apoio e tinha grande penetração entre jovens e trabalhadores.
 
Com João Goulart em território nacional e em pleno exercício de seus poderes constitucionais, como havia informado o chefe da Casa Civil, o presidente do Congresso considerou o cargo vago e declarou como presidente da República o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.
 
O fato é que, como presidente do Congresso Nacional, Moura Andrade garantiu suporte institucional para o golpe de estado e, às 3h45 da madrugada de 2 de abril, acompanhado do presidente do Supremo Tribunal Federal, Álvaro Ribeiro da Costa, deu posse a Mazzilli no terceiro andar do Palácio do Planalto.
 
O novo chefe de Estado ficou no cargo por menos de duas semanas. Em 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional, com 361 votos favoráveis e 72 abstenções, elegeu o marechal Castelo Branco presidente da República para completar o mandato que fora de Jânio e Jango.
Auro Moura Andrade tentou ser vice de Castelo, mas perdeu o posto para José Maria Alkmin. Perdeu ainda o direito de disputar uma nova eleição para o Senado por São Paulo e terminou sua carreira política. Mazzilli também acabou sendo derrotado em sua tentativa de continuar na presidência da Câmara, posto que acabou perdendo para Bilac Pinto, em 1966.
 
O mandato de Castelo Branco deveria se encerrar em 31 de janeiro de 1966, mas ele suspendeu as eleições diretas previstas para 3 de outubro de 1965 e governou até 15 de março de 1967, quando entregou o cargo para o também marechal Costa e Silva.

Com informações da Agência Senado e Blog do Planalto

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