Janio de Freitas critica critérios para condenar acusados pelo mensalão

Em sua coluna, Janio diz que Barbosa utilizou-se apenas de imputações, sem provas, “em muitos casos, sem sequer a possibilidade de serem encontradas”.

Definidas as penas para os principais acusados no julgamento da Ação Penal 470, prosseguem as dúvidas sobre se o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) se ateve a critérios jurídicos para deliberar ou foi francamente direcionado pelos holofotes da mídia conservadora. Na Folha de São Paulo, o colunista Janio de Freitas volta a questionar o comportamento do colegiado, especialmente do relator do processo e iminente presidente do STF, Joaquim Barbosa.

Janio volta à entrevista com Claus Roxin um dos elaboradores da teoria do “domínio do fato”, tão alardeada no julgamento como base teórica para as condenações. Roxin falou ao jornal no último domingo e disse claramente que “a participação no comando de esquema tem que ser provada”. Para o jurista alemão, isso não aconteceu no julgamento em questão.

O respeitado colunista da Folha diz que Barbosa utilizou-se apenas de imputações, sem provas, “em muitos casos, sem sequer a possibilidade de serem encontradas”. E defendeu que o ex-ministro da Casa Civil e agora condenado José Dirceu em momento algum “colocou em risco o regime democrático”, conforme tese defendida pelo relator. “O regime não sofreu risco algum, em tempo algum desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no SNI do seu governo”, ironiza Janio. E diz ainda: “a atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os votos dos seguidores de Joaquim Barbosa”.

Veja abaixo a íntegra do artigo

 

A voz das provas – Janio de Freitas – Folha de S.Paulo 

Relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras; tem sido um comportamento reiterado
Foi uma das coincidências de tipo raro, por sua oportunidade milimétrica e preciosa. Várias peculiaridades do julgamento no STF, ontem, foram antecedidos pela manchete ao pé da página A6 da Folha de domingo, título de uma entrevista com o eminente jurista alemão Claus Roxin: “Participação no comando de esquema tem de ser provada”.

O subtítulo realçava tratar-se de “um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF”, o “domínio do fato”. A expressão refere-se ao conhecimento de uma ocorrência, em princípio criminosa, por alguém com posição de realce nas circunstâncias do ocorrido. É um fator fundamental na condenação de José Dirceu, por ocupar o Gabinete Civil na época do esquema Valério/PT.

As jornalistas Cristina Grillo e Denise Menchen perguntaram ao jurista alemão se “o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade”. Claus Roxin: “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta”. E citou, como exemplo, a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, na qual a teoria do “domínio do fato” foi aplicada com a exigência de provas (existentes) do seu comprometimento nos crimes. A teoria de Roxin foi adotada, entre outros, pelo Tribunal Penal Internacional.

Tanto na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em muitos casos, sem sequer a possibilidade de se serem encontradas. Tem sido o comportamento reiterado em relação à quase totalidade dos réus.

Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi José Dirceu quem “negociou com os bancos os empréstimos”. Se assim foi, é preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível: seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários tiveram outro negociador -o que não existiu segundo a própria denúncia.

Outro exemplo: a repetida acusação de que José Dirceu pôs “em risco o regime democrático”. O regime não sofreu risco algum, em tempo algum desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no SNI do seu governo. A atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os votos dos seguidores de Joaquim Barbosa.

Mais um exemplo, só como atestado do método geral. Sobre Simone Vasconcelos foi onerada com a acusação de que “atuou intensamente”, fórmula, aliás, repetida de réu em réu. Era uma funcionária da agência de Marcos Valério, por ele mandada levar pacotes com dinheiro a vários dos também processados. Não há prova de que soubesse o motivo real das entregas, mesmo admitindo desde a CPI, com seus depoimentos de sinceridade incomum no caso, suspeitar de motivo imoral. Passou de portadora eventual a membro de quadrilha e condenada nessa condição.

Ignoro se alguém imaginou absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa. Nada disso “tonifica” o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres Britto. Decepciona e deprecia-o – o que é péssimo para dentro e para fora do país.

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