As confissões do ex-procurador Rodrigo Janot em seu livro de memórias não apenas confirmam a perseguição política por parte dos operadores da força-tarefa da Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – conforme consta no capítulo 15, “O objeto de desejo chamado Lula” –, mas revelam ainda a lógica de poder na estratégia política montada por Deltan Dallagnol e os procuradores para influenciar o jogo eleitoral. No capítulo 4 do livro “Nada menos que tudo”, Janot indica que as primeiras delações vindas de Curitiba eram fracas e inconsistentes.
“Quando vimos o conteúdo das delações conduzidas por Curitiba e começamos a destrinchar os anexos das ‘bombas atômicas que iam arrebentar Brasília’, tivemos uma grande decepção. ‘Isso tá uma merda, não tem nada, tá raso esse negócio!’, eu disse numa conversa com Pelella e Vladimir Aras, assessores próximos”, confessa o ex-procurador-geral, no capítulo 4, intitulado “Como tudo começou: todo poder a Curitiba!”
Janot relata em seguida que Aras havia tido recentemente uma conversa com um dos procuradores da força-tarefa que havia dito que era necessário “horizontalizar para chegar logo lá na frente”. Escreve Janot: “Não entendi direito o conceito. Creio que meus colegas também não”, aponta o ex-procurador. “Horizontalizar implicaria uma investigação com foco num determinado resultado?”, perguntou a si mesmo.
Na definição dos estrategistas da Lava Jato, a intenção da força-tarefa era “horizontalizar para chegar logo lá na frente”, e não “verticalizar” as investigações. E foi por isso, que a Procuradoria Geral da República teria dificuldade em fundamentar os pedidos de inquérito.“Só depois de muito tempo, quando vi Sergio Moro viajando ao Rio de Janeiro para aceitar o convite para ser o ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, é que me veio de novo à cabeça aquela expressão”, relata Janot.
O ex-procurador-geral confirma os objetivos políticos da operação Lava Jato: levar Sérgio Moro para o centro do governo federal. Foi por conta da estratégia da Lava Jato que Moro conseguiu ir para a linha de frente do Ministério da Justiça, com poder de influenciar o presidente Jair Bolsonaro. Janot diz que, em 2014, abriu mão de seu poder como chefe do MPF e delegou à força-tarefa parte das atribuições que eram suas. Não cometeria o mesmo erro novamente em 2016.
“Pedimos e o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos, de uma única vez, contra 50 políticos. Outros dois inquéritos já haviam sido instaurados anteriormente. Era a primeira vez que o Supremo abria tantos inquéritos contra deputados, senadores e ministros, entre outros, num mesmo caso”, relata. “Não era a bomba atômica que se imaginava. Não derrubou a metade do Congresso como havia se especulado”, constata. Mas logo entrega que o objetivo era político. “Mas abriu uma avenida para a Lava Jato avançar em direção ao centro do poder. Não foi uma tarefa fácil”.
O ex-procurador parece incomodado com as lembranças e os objetivos alcançados pela Lava Jato. Janot não assume que falhou como chefe do MPF, mas reconhece os resultados políticos da ação do grupo de procuradores chefiados por Dallagnol.
“Não quis imaginar isso lá atrás e também não quero me esticar nesse assunto agora, mas isso ainda me incomoda um bocado, sobretudo quando penso em dois episódios separados no tempo, mas muito parecidos”, reporta. E cita os vazamentos de trechos de depoimentos de Alberto Youssef, ocorrido em 2014, às vésperas das eleições presidenciais, e de Antônio Palocci, na semana anterior do primeiro turno, na corrida pelo Palácio do Planalto, em 2018.
Antes de assumir o uso político das delações pelos procuradores da Lava Jato, o ex-procurador-geral admite a fragilidade das delações de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, apresentadas a ele como “bombas que implodiriam as estruturas política de Brasília”, atingindo o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
“As declarações de Youssef, segundo o qual Lula e Dilma sabiam das falcatruas na Petrobras, eram destituídas de qualquer valor jurídico”, revela Janot. “Youssef não compartilhava da intimidade do Palácio do Planalto e não tinha provas do que dizia. Mas, mesmo assim, eram de forte conteúdo político, e não há dúvidas de que tiveram enorme impacto eleitoral”..
Já a divulgação de parte da delação de Antônio Palocci, em 2018, uma semana antes do primeiro turno das eleições presidenciais, “teve reflexo menor”, segundo o próprio Janot. “O tema abordado já não era novo. Mas não é demais supor que também ajudou a municiar um dos lados do jogo político”, completa.
“Esses dois casos, a meu ver, expõem contra a Lava Jato, que a todo momento tem que se defender de atuação com viés político”, conclui o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot. Em resumo, “cadê as provas?”.
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