Jogo de cena – Por Tânia Maria Oliveira

Gilmar Mendes e o jogo político da oposição no Congresso e no STF - entre os anéis e os dedos

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ do Senado já se debruçou mais de uma vez sobre projetos que propunham modificar o sistema de financiamento das campanhas eleitorais. A primeira nesta legislatura foi em 2011 quando o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou parecer contrário ao PLS 268/2011 que indicava a adoção do financiamento público exclusivo nas campanhas eleitorais. A segunda em setembro de 2013 quando rejeitou, por 13 votos a 6, o Projeto de Lei nº 264/2013, do senador Jorge Viana (PT-AC), relatado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que proíbe o financiamento de campanha eleitoral por empresas.  O autor do voto em separado vencedor foi o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Na última quarta-feira, 02 de abril de 2014, ao se pronunciar novamente sobre o tema, no Projeto de Lei do Senado nº 60/2012,  de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) com relatoria do senador Roberto Requião (PMDB-PR), a CCJ aprovou o texto. Originalmente, o projeto pretendia proibir apenas a oferta de recursos por empresas com dirigentes condenados em instância final da Justiça por corrupção ativa, mas o relator, em seu substitutivo, o ampliou para proibir toda e qualquer doação de pessoa jurídica.

A grande surpresa da votação da CCJ de ontem não foi apenas a aprovação do projeto. O que soou mais estranho foi o fato, sintomático, de que os segmentos que o rejeitam no mérito, desta vez não se opuseram a ele, senão timidamente. Somente quatro votos contrários foram computados, sem muitas delongas ou questionamentos, sem pedido de vista, sem nenhuma tentativa de atrapalhar a votação.

Convenceram-se os opositores de ser o financiamento de empresas às campanhas um mal à democracia?  Descobriram que as doações a candidatos e partidos desequilibram o processo eleitoral, favorecendo quem tem mais dinheiro?  Houve algum arremedo de capitulação sobre a relevância pública de uma campanha de contas abertas à população, com destinação de iguais recursos a todos?

A aceitação da premissa requer um quantum de ingenuidade a que não podemos nos dar ao luxo, quando acompanhamos a cena política brasileira de dentro do parlamento.

Mas, então, o que poderia ter levado os parlamentares do PSDB e aliados a não criarem óbices à aprovação do projeto a que se opõem com tanta veemência e por princípios ideológicos?

Creio ser possível decifrar algumas pistas para entender o caminho.

Está em curso no Supremo Tribunal Federal o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade  (ADI) nº 4.650, movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e na qual são questionadas a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) e da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos). A entidade alega que os artigos da lei eleitoral que autorizam a doação de pessoas físicas e de empresas para partidos políticos ferem a Constituição.

Na mesma tarde de quarta-feira, poucas horas após o encerramento da CCJ do Senado, o Supremo retomou o julgamento da ADI com o voto do ministro Teori Zavascki contrário ao pedido. Quando já feita maioria de 6 a 1 pela aprovação da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo. Mesmo com decisão tomada por maioria formada, o julgamento fica suspenso. 

Que significados podemos extrair disso, considerando que um eventual voto contrário não mais tem o condão de alterar o resultado? 

Minha dica é: o resultado que vincula a decisão tomada pela CCJ do Senado pela manhã.

É que a Ação Direta de Inconstitucionalidade é, por definição constitucional e doutrinária, uma das formas do controle concentrado de constitucionalidade das leis. Uma vez declarada inconstitucional, uma lei perde efeitos imediatamente. Logo, concluída a votação da ADI nº 4.650, ela teria efeitos para as eleições de 2014. Os votos dos Ministros proferidos até aqui não cogitam de conferir efeito diverso ao resultado.

Diferentemente disso, a lei que altera o processo eleitoral não pode ser aplicada ao pleito que ocorra até um ano da data de sua vigência, conforme redação da Emenda Constitucional nº 4/93 ao artigo 16 da Constituição Federal. Na lógica comezinha do “vão-se os anéis e ficam os dedos”, o mundo ideal na ótica dos que defendem o financiamento privado é adiar ao máximo uma decisão que modifique os critérios. Portanto, melhor uma lei que o resultado de uma ADI.

A aprovação de uma lei que altere os mesmos dispositivos que estão questionados no STF fazem com que a ADI perca seu objeto. Não há, a toda evidência, como julgar o que não mais pertence ao universo jurídico, ao direito positivado.

Logo, ao devolver – não se imagina quando – a ADI, o ministro Gilmar Mendes pode proferir um voto pela prejudicialidade da ação, dependendo de quão rápido as peças do tabuleiro se movam no Congresso. Um projeto que – de forma fantástica e repentina – não tem mais opositores, tende a caminhar rapidamente.

Por mais espantoso que possa parecer, as assertivas estão a léguas de teorias conspiratórias. São, antes, óbvias. E meu assombro é que tenham passado aparentemente despercebidas pelas lideranças. A parcela da classe política que não quer mudança se amedronta diante dela e desloca o foco e a agenda, encenando uma retórica para que, no final, tudo possa ser mantido ou adiado. Como artistas criativos que são, possuem um grande jurista, cada vez mais com “j” minúsculo, a lhes socorrer, e a participar do jogo, com disfarces tão superficiais que não resistem sequer a uma observação mais atenta.

Tania Maria Oliveira é assessora da Liderança do PT no Senado

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