Jorge Viana conta como o Senado, enfim, conseguiu votar a reforma política

Jorge Viana conta como o Senado, enfim, conseguiu votar a reforma política

Viana: Fizemos história e estamos todos de parabénsPoucos acreditaram na possibilidade de sucesso da Comissão da Reforma Política do Senado, quando ela foi criada, em junho passado. Afinal, não era primeira vez que se tentava aprimorar e reformar a legislação eleitoral, comumente apontada como fonte de distorções da representatividade popular no Congresso e origem de todos os escândalos que, periodicamente, abalam a Política no Brasil.

Predominava o pessimismo, pois as tentativas anteriores de fazer a “mãe de todas as reformas” haviam emperrado na falta de consenso: sempre foi unânime que ela era essencial, mas as convergências só chegavam até aí. A partir deste ponto, cada cabeça tinha a sua reforma política.

Nesta entrevista a Alceu Nader e Cyntia Campos, do site da Liderança do PT no Senado, o presidente da comissão, senador Jorge Viana (PT-AC) fala da “histórica noite” em que os senadores finalmente votaram por mudanças substantivas no processo político, em particular a que proíbe o financiamento empresarial de campanhas políticas de partidos políticos e candidatos, reivindicada por 78% dos eleitores entrevistados pelo Datafolha, em junho passado.

 

PTnoSenado – Senador, o saldo da reforma política no Senado, com a aprovação do fim das doações empresariais, parece ter ido muito além das expectativas iniciais. Como foi possível evoluir daquela costura delicada, passo a passo, nos trabalhos da Comissão da Reforma política, para o resultado obtido?

Jorge Viana- Primeiro, houve uma aposta do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quando ele, mais uma vez, propôs uma comissão para a Reforma Política, que não era a primeira. O tema era difícil. A própria presidenta Dilma, quando eu, o relator da reforma, Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL) estivemos com ela, nos disse “eu já estava jogando a toalha, mas se vocês estão defendendo essas teses, volto a ter fé que a reforma política é possível”.

Havia metas pré-estabelecidas para a comissão concretizar?

Sim, em todas as etapas dos trabalhos, a comissão trabalhou para fortalecer a atividade partidária, criar mais transparência para a atividade política e diminuir custos.

Houve encontro com outras autoridades?

Sim, conversamos também com o ex-presidente [Luiz Inácio]  Lula [da Silva]e com o ex-presidente [José] Sarney, vários ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Ter o senador Romero Jucá, chamado pelos outros senadores como relator-geral do Senado, foi uma vantagem?

Sim, porque o senador Jucá é muito habilidoso para relatar. A mim, como presidente da comissão, coube criar um ambiente onde os integrantes do colegiado se concentrassem nas propostas, que um ouvisse o outro. No todo, foi um processo pedagógico interessantíssimo, em torno de um tema muito complexo.

Além do fim das contribuições empresariais, que outros pontos da reforma aprovada podem ser destacados como importantes?

É claro que a grande mudança, a grande ousadia que poderemos ter – caso a Câmara referende o que aprovamos— é o fim do financiamento empresarial na política. Além disso, creio que há vários outros pontos da reforma que merecem ser ressaltados. São aspectos que consolidam a ideia de reforma política.

Por exemplo…

Por exemplo, o fim das coligações proporcionais, que surgiu de uma proposta criativa do relator Romero Jucá. O texto aprovado permite coligações, mas, na hora de definir quem foi eleito, na contagem do coeficiente para eleger os parlamentares, essa contagem será feita individualmente por partido.

Outro aspecto determinante, para ajudar na fiscalização e no controle pela Justiça e pela sociedade, é o estabelecimento de limites para os gastos das campanhas eleitorais. Até hoje, os custos das campanhas no Brasil não têm limite. Basta uma declaração do candidato e do partido afirmando quanto pretende gastar –  e ponto. Para a nova lei, havia a exigência de impor um limite nisso – e nós o fizemos isso na reforma. O texto aprovado pelos senadores estabelece que podem ser gastos, no limite, 70% dos gastos da eleição anterior, por candidato.

Esse limite vai combater outro problema sempre apontado, que é o do custo crescente das campanhas eleitorais?

Ele complementa outras medidas aprovadas, como, por exemplo, a redução dos programas de televisão das campanhas eleitorais que irão combater a gastança das campanhas. É um avanço extraordinário, com substância, não é uma simples perfumaria. Creio que agora estão criadas na legislação as regras que dão segurança jurídica para permitir, de fato, um custo menor das campanhas.

Como foi seu trabalho, como presidente e coordenador da comissão, para vencer os obstáculos e preservar a única concordância então existente, que era a de que havia a necessidade de uma reforma política?

Primeiro, havia o desafio de fazer a comissão funcionar de maneira suprapartidária. Isso foi logo superado, graças ao papel fundamental que tiveram senadores de todas as legendas. Todos nós estávamos conscientes de que estávamos mais uma vez tratando de uma reforma que, todos nos dizíamos, havia anos era chamada de necessária, mas que nunca havia resultado em acordo. Criamos um ambiente objetivo. Sabíamos que cada um dos senadores da comissão tinha sua proposta de reforma política, e, para vencer essa diferença, criamos o entendimento de que faríamos a reforma política possível. Isso ajudou muito. Outro ponto, até por que tínhamos estabelecido o prazo de votar todo o texto até o final de setembro, para que essas regras já estejam em vigor já nas próximas eleições de 2016, foi trabalhar com objetividade. Isso foi fundamental. Afora isso, alguns consensos ajudaram no entendimento.

Quais eram esses consensos?

Por exemplo, o pensamento comum de que era necessário baratear os custos de campanha, de encurtar o período da campanha eleitoral, de mudar os programas eleitorais e estabelecer cláusulas de barreira administrativas para partidos, entre outros.

O que se pretende com as cláusulas de barreira administrativas?

Primeiro, essas cláusulas são da maior importância para combater os chamados partidos cartoriais. A mudança que aprovamos exige que o partido precisa estar presente em pelo menos 14 estados e em 10% das cidades brasileiras com diretórios constituídos para ter acesso ao dinheiro do Fundo Partidário. Agora, os partidos que funcionam por ofício, ancorados em comissões provisórias, vão ter de se estabelecer definitivamente ou desaparecerão. Ligada a essa questão, decidimos outro ponto da maior importância que é o de acabar com as coligações proporcionais e, em, seu lugar, viabilizar a criação de federações partidárias.

O senhor tem esperança de que a Câmara mantenha o que foi aprovado?

Trabalhamos o tempo inteiro buscando um entendimento com o relator da reforma política na Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). O senador Romero Jucá conversou muito com ele. Acredito que esse relacionamento possa ajudar na aprovação pela Câmara do que foi aprovado pelo Senado. Se a Câmara aprovar a proposta de fim do financiamento empresarial de campanhas, estaremos dando o primeiro grande passo de um processo de moralização, de valorização da atividade política, da vida partidária. Isso vai fazer bem à democracia.

Por que?

Porque a grande vitória que nós tivemos, na verdade, é a consciência que não haverá saída para essa crise política, para essa desmoralização da política, se a gente der a ideia de “mais do mesmo”. Por exemplo, fazer reforma política que não mexesse no financiamento de campanhas. Na noite da quarta-feira, o Senado deu uma demonstração de que não quer “mais do mesmo”. Nós fizemos história – e todos os partidos que apoiaram o fim do financiamento empresarial estão de parabéns. Foi uma vitória suprapartidária. Os senadores do PMDB também cumpriram um papel muito importante. Tomara que essa sessão, tratando de um tema central na disputa política no Brasil, sirva como prenúncio de um novo tempo para a convivência no Senado.

Mas o fim dessa modalidade de financiamento ainda não é consenso…

O financiamento empresarial praticado hoje no Brasil é ilegal, é inconstitucional, é crime. E quem está dizendo isso é o Supremo Tribunal Federal, onde já há seis votos contra um interpretando que a Constituição não permite o envolvimento de empresas em campanha eleitoral. Essa ilegalidade não vem de agora Todos os grandes escândalos, antes do PSDB, durante o governo do PSDB, e até agora, com o nosso governo, têm origem no financiamento de campanha, de partido político, com o financiamento da atividade política.

Mas os que continuam a defendê-lo, dizem que o fim financiamento empresarial beneficia apenas o PT…

Esse argumento é falso e frágil. O financiamento das campanhas não é uma questão só do PT, mas da sociedade. Uma prova disso é que um dias antes da votação, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), divulgaram nota pública de apoio ao fim do financiamento. Outras entidades da sociedade civil também se manifestaram, todas querendo o mesmo.

O senhor acredita que, agora, finalmente, o ministro Gilmar Mendes decida encerrar o pedido de vistas à Adin do financiamento de campanha, no STF?

A situação do julgamento, agora, tende a se resolver. Já são seis votos no STF favoráveis ao fim do financiamento empresarial— houve um contra e faltam apenas quatro votos. Não há mais como esse resultado ser revertido. A ação está há um ano e meio atrelada a um pedido de vistas do ministro Gilmar. Com a manifestação da Câmara, há alguns meses, que não acolheu a PEC que tentava constitucionalizar o financiamento empresarial, e agora com essa manifestação do Senado, creio a questão tenda a se resolver. Eu, particularmente, tive a honra de ser o proponente da emenda ao projeto de reforma política, acatada no substitutivo do relator, que pode pôr fim ao financiamento empresarial.

Penso que agora era hora do ministro Gilmar concluir a votação no Supremo para virarmos essa página que arranhou e deixou uma cicatriz muito forte na democracia brasileira recente, com os escândalos vinculados ao financiamento empresarial, com essa relação promíscua entre empresas e partidos.

O que é melhor é cada um no seu quadrado. As empresas são importantes, os empresários são importantes para o desenvolvimento do país. Mas empresa visa lucro. Empresa visa ter retorno de seus investimentos. A política é outra coisa. A política bem feita, com honestidade, atende aos princípios éticos de trabalhar pelo bem comum.

Lamentavelmente, no Brasil nós estamos longe disso, mas o PT já deu demonstrações, nos seus governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, de que, por meio de governos e da política, a gente muda e melhora a vida do povo, faz inclusão social e promove o desenvolvimento do país.

O fim do financiamento empresarial abre para uma nova era, virando essa página.

 

Apesar do clima de consenso em torno de muitos pontos da reforma política, quando se votou o fim do financiamento empresarial, repetiu-se o discurso que tenta demonizar os sindicatos e os movimentos sociais, para atingir o PT…

Eu ouvi alguns mais radicalizados. É um discurso velho, atrasado, fora de contexto. Tentaram estabelecer um confronto direto com o PT, mas o interesse em acabar com o financiamento empresarial é da sociedade.

Também deu pra ver que alguns não querem mudar nada. Querem mais do mesmo. Querem que essa relação promíscua com as empresas continue. O que estávamos votando não era uma disputa do PT com o PSDB. Era uma questão da democracia brasileira. Foi com as senadoras Lídice da Mata (PSB-BA) e Vanessa Grazziontin (PCdoB-AM) colocaram muito bem: sindicatos e outras organizações da sociedade são pessoas jurídicas, também não vão poder participar com doação de recursos para a campanha de ninguém.

Essas vozes que miraram no PT como argumento para não aprovar o fim do financiamento empresarial pregaram no deserto. Venceu o bom senso, venceram aqueles que, acima dos partidos, colocaram o interesse do país e da democracia brasileira em primeiro lugar. 

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