O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente do Senado Federal, José Sarney; Sr. Ex-Presidente da República, Senador e Presidente da Comissão de Relações Exteriores desta Casa, Fernando Collor de Mello; Sr. Senador Anibal Diniz, Senador Capiberibe, Senadora Ana Amélia, demais Senadores aqui presentes. Eu queria também cumprimentar o Embaixador Georges Lamazière, que aqui representa o Ministro das Relações Exteriores; e também o Presidente da Fundação Alexandre Gusmão. E não custa lembra que o Embaixador Lamazière é o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco. Temos a presença aqui de inúmeros alunos, inclusive, de outras nações nos honram com as suas presenças. Quero também cumprimentar e agradecer a presença do Sr. Gilberto Sabóia, que preside a Fundação Alexandre Gusmão. Cumprimento o ex-Deputado Federal Marcos Afonso, que aqui representa o Governador Tião Viana. Cumprimento as demais autoridades aqui presentes, fazendo uma referência ao Comandante do Batalhão Rio Branco, aqui do Distrito Federal.
Sr. Presidente, eu queria agradecer a honra e o privilégio de ter sido signatário do requerimento que eu origem a esta sessão. Mas esse requerimento contou também com a assinatura do próprio Presidente Sarney, do Senador Collor, e também do meu querido colega Senador Aníbal Diniz, além da Senadora Ana Amélia, que está aqui presente e é signatária do requerimento; do Senador Aloysio Nunes e do Senador Cristovam Buarque.
Sr. Presidente, eu não posso iniciar as breves palavras que pretendo proferir desta tribuna, sem antes fazer referência à aula que acabamos de ter sobre a história bonita do nosso Brasil, que só quem tem os outonos da vida como V. Exª tem pode proferir. Foi extraordinária a maneira simples com que V. Exª contou essa história tão cheia de detalhes e de profundidade e que marcaram definitivamente – e não é pouco – os limites desta Pátria que todos nós amamos de 16 mil quilômetros. A história do pai, do filho e do século XX foi relatada aqui de maneira absolutamente singular por V. Exª. Parabéns e obrigado, porque esta sessão já poderia ser encerrada agora, porque penso que não teríamos como fazer uma homenagem maior e nem melhor ao Barão do Rio Branco do que por seu discurso, que faço questão de, logo que terminar esta sessão, pegar uma cópia ainda com os rascunhos, sem as devidas correções porque sei que ela é um pouco mais longa e mais completa. Mas é muito rico para o Plenário, para o Senado, quando aqui tentamos registrar na História os 100 anos da perda do Barão do Rio Branco, ter o privilégio de uma fala tão bonita e tão importante como a de V. Exª.
Sr. Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, estamos aqui reunidos hoje para homenagear um dos maiores brasileiros de toda nossa história. E neste momento em que nosso País se torna a sexta economia e passa a ser reconhecido e respeitado como uma das principais nações do mundo atual, penso não haver nenhuma dúvida quanto ao fato que José Maria da Silva Paranhos Júnior, o célebre Barão do Rio Branco, entre o final do século XIX e início do XX, foi um dos principais precursores dessa grandeza nacional que hoje tanto nos orgulha. É fato,
Ao longo de toda sua extraordinária atividade diplomática, que conquistou a consolidação definitiva de nossas fronteiras, o Barão do Rio Branco sempre se comportou como quem dispunha da mais absoluta consciência de que o Brasil estava destinado a liderar, mais cedo ou mais tarde, não só a América Latina, mas também, em grande medida, o cenário internacional, antecipando em quase um século o que hoje já se apresenta a todos nós como tão evidente.
Só por isso, a realização desta sessão especial de homenagem ao centenário da morte do Barão do Rio Branco já estaria justificada. Entretanto, como representante do povo acriano no Senado Federal, senti-me na obrigação de propor esta homenagem porque temos, lá no Acre, um sincero e profundo sentimento de gratidão pela obra deste homem que reconheceu a injustiça e o abandono a que estavam relegados os “brasileiros do Acre” em um momento crucial de nossa história, bem como soube encontrar os meios necessários para solucionar uma das questões mais difíceis e complexas de toda a nossa história diplomática.
Quem conhece o povo acriano sabe que temos muito orgulho de nossas raízes. Lá, gostamos de dizer que somos o único Estado que lutou para ser brasileiro, aliás, como bem disse o Presidente Sarney, o Amapá também, assim como o Rio Grande do Sul, como sinaliza a Senadora Ana Amélia.
O Acre fez uma guerra com a Bolívia, que chamamos de Revolução Acriana, para fazer parte deste País fantástico, que é o Brasil.
Todos aqueles que têm oportunidade de visitar o Acre se surpreendem ao encontrar, no extremo ocidental da Amazônia, uma sociedade que cultua sua bandeira, canta seu hino e cultiva intenso sentimento de brasilidade. Claro que parte desse ensinamento recebemos de Plácido de Castro, outro herói gaúcho que nos ensinou a aprofundar o amor pela Pátria. Quero lembrar aqui, nesta sessão especial, o drama que atingia e afligia os acrianos desde os primeiros anos da República brasileira e que nos tornou eternos tributários da sabedoria e responsabilidade do Barão do Rio Branco.
Srªs e Srs. Senadores, convidados, autoridades aqui presentes, o Acre foi uma das últimas regiões da Amazônia a ser ocupada. Apesar de essas terras pertenceram formalmente à Bolívia e ao Peru, os brasileiros se valeram do curso dos rios Purus e Juruá e começaram a ali se estabelecer por volta de 1880, pelo menos quinze anos antes que bolivianos e peruanos.
O Ciclo da Borracha foi capaz de gerar riqueza suficiente para mobilizar milhares de homens oriundos de diferentes países e regiões do Brasil, especialmente do Nordeste, abrindo seringais que abasteciam os países industrializados com a preciosa borracha, então chamada de ouro-negro devido à sua importância e alto valor no mercado internacional.
Em 1895, durante os trabalhos da comissão demarcatória dos limites entre Brasil, Bolívia e Peru, o então General Gregório Thaumaturgo de Azevedo, outro importante herói acriano e grande brasileiro, denunciou ao governo brasileiro que, caso fosse efetivada a demarcação como estabelecida no Tratado de Ayacucho, milhares de brasileiros seriam abandonados à própria sorte em território estrangeiro. Porém, incompreensivelmente, o governo brasileiro à época decidiu ignorar o alerta e mandou proceder à demarcação como planejado. Estou me referindo à Linha Cunha Gomes. Indignado, Thaumaturgo de Azevedo se demitiu da chefia da comissão e denunciou à opinião publica nacional o que, no seu entender, poderia se tornar um verdadeiro crime de lesa-pátria. Os brasileiros do Acre exigiam mais atenção do Governo brasileiro.
Pouco tempo depois, no início de 1899, as autoridades bolivianas se estabeleceram às margens do rio Acre para efetivar seu domínio sobre essa rica região, dando origem a uma grande revolta por parte dos brasileiros que não aceitavam o domínio estrangeiro. Foram quatro distintos movimentos: a Primeira Insurreição Acriana (1899), liderada por José Carvalho, um advogado que residia em Belém do Pará, a criação do Estado Independente do Acre, presidido pelo espanhol Luis Galvez (1899-1900), a Expedição do Poetas (1900), Presidente Sarney, terceira tentativa, com a poesia e com a alma os poetas foram lá defender o território brasileiro, no Acre, e a Revolução Acriana, comandada pelo herói da pátria, como o barão, o gaúcho Cel. Plácido de Castro (1902-1903).
Mas nem mesmo as arbitrariedades cometidas contra os brasileiros do Acre e a noticia da formação, como bem disse aqui o Presidente Sarney, do Bolivian Syndicate, uma companhia anglo-americana destinada a arrendar essas terras pretensamente bolivianas, sob a proteção do governo norte-americano… A borracha era o mais importante produto da Revolução Industrial naquele período, e aquela região era a maior produtora de borracha. Daí a primeira grande tentativa de internacionalização da Amazônia.
Esse Bolivian Syndicate, sob proteção norte-americana, constituindo uma ameaça concreta e contundente à soberania brasileira na Amazônia, foi insuficiente para fazer o governo brasileiro mudar de posição, que, em mais de uma ocasião, desarmou os revolucionários e devolveu a região ao domínio estrangeiro, o que provocou forte indignação da opinião pública nacional, manifestada quase que diariamente através dos jornais.
Foi neste cenário de guerra, que já se estendia por quatro anos, com centenas de mortos entre brasileiros e bolivianos, que o Barão do Rio Branco se tornou Ministro das Relações Exteriores em 1902, como bem falou o Presidente Sarney. Ele imediatamente deu início às negociações que visavam a solucionar a grave “Questão do Acre”.
E, mesmo considerando que o Barão já acumulava importantes vitórias diplomáticas anteriores, como as arbitragens internacionais das Missões (1895) e do Amapá (1900), tão bem relatada aqui, penso que não seria demais afirmar que se tratava da mais difícil e complexa questão de fronteira já enfrentada pelo governo brasileiro, pois, como nos lembra o Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, em excepcional artigo acerca do centenário da morte do Barão do Rio Branco:
De todos os entendimentos promovidos por Rio Branco, esse foi o único em que houve uma expansão territorial. Nos demais, o Brasil empenhara-se apenas pelo reconhecimento de direitos legítimos, decorrentes de motivos históricos e jurídicos. Essa foi também a única ampliação territorial do Brasil como nação independente.
Então, foi um desafio fora do comum.
Por absoluto e necessário reconhecimento da responsabilidade pública demonstrada pelo Barão do Rio Branco, é fundamental ressaltar que, para resolver a complexa Questão do Acre, foi necessário empreender uma sofisticada estratégia que atuou simultaneamente em diversas frentes, desde impedir que capitais alemães – olhem a complexidade – participassem do Bolivian Syndicate, que, logo em seguida, seria neutralizado pela excepcional atuação de um grande parceiro do Barão do Rio Branco, o eminente gaúcho Assis Brasil, nos Estados Unidos da América, passando pela movimentação de tropas brasileiras para o Acre e para o Mato Grosso, de forma a cessar o conflito armado entre o exército boliviano e os revolucionários brasileiros, e o enfrentamento de um duro embate com Rui Barbosa – já foram lembradas aqui, de certa forma, algumas razões –, que era um dos mais influentes brasileiros da época e se opunha tenazmente a um acordo que incluísse permuta territorial, chegando, finalmente, até a inédita fórmula para a diplomacia brasileira de indenizar a Bolívia e assim pôr fim ao grave conflito. Então, a vida do Barão, de fato, não foi nada fácil. O Parlamento tinha, na figura de Rui Barbosa, um adversário poderoso.
Para concluir, queria ressaltar finalmente, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Senadoras e convidados, que o extraordinário legado do Barão do Rio Branco para nosso País é imenso. O Brasil, desde a atuação do Barão, consolidou sua política externa pelo compromisso de não ingerência nas questões internas dos países vizinhos. Rio Branco foi também inovador ao implementar uma política de consolidação do prestígio brasileiro no cenário internacional. E com isso tornou o Itamaraty uma das principais instituições de Estado e motivo de orgulho até hoje para todos nós, brasileiros.
A mais longa atuação de um Ministro das Relações Exteriores foram ininterruptos dez anos – de 1902 até sua morte em 1912 –, durante os governos dos Presidentes Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Consolidou uma opção dialógica e franca para a política externa brasileira, levando-nos aos melhores resultados históricos e fortalecendo nossa relação de confiança e nossa sinergia com os povos da América do Sul.
E mesmo em seus últimos dias, o Barão continuou nos dando exemplos de absoluto compromisso e dedicação. Já sofrendo com graves problemas renais, pediu demissão de suas funções públicas, mas não foi atendido pelo Presidente Hermes da Fonseca. Permaneceu firme, assim, em seu posto até que, depois de longos dias de agonia, veio a nos deixar, no dia 10 de fevereiro de 1912, provocando uma profunda comoção popular em todo o País, o fechamento das casas comerciais e o cancelamento do Carnaval, que foi transferido – foi a única vez que tivemos a alteração de algo tão entranhado na vida dos brasileiros – para o sábado de Aleluia no mês de abril, o que ocasionou, de forma inédita também – aí o jeitinho brasileiro funciona –, a ocorrência de dois carnavais, com marchinhas e lembranças do barão em um e no outro.
E, de certa forma, as marchas e o tema do Carnaval foram uma homenagem a um homem que amava este País e essa cultura que emergia do povo brasileiro. Então, a sua relação com o Brasil, simbolicamente, também ocorreu na sua morte, no período de Carnaval. E aí, de alguma maneira, popularizou mais ainda a figura de um grande estadista, que é o Barão do Rio Branco.
Em 2002, tive a honra de participar, na qualidade de Governador do Estado do Acre, como mediador de uma das mesas de um seminário realizado por ocasião do centenário da posse do Barão do Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores, realizado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais e pela Fundação Alexandre de Gusmão. Tive a honra de ser o mediador, porque tenho a firme convicção de que temos a obrigação de, em todas as ocasiões possíveis, promover e prestar tributo à memória e à obra do Barão do Rio Branco, esse extraordinário homem que já foi, com muita justiça – e aqui o Presidente Sarney lembrava –, tratado como “o maior de todos os brasileiros”. De fato, o Barão do Rio Branco foi o maior brasileiro do século XX, e sua vida é uma lição. Isso dito pelo Presidente do Senado, um estudioso, um profundo conhecedor da história brasileira.
E eu aqui queria dizer da minha honra, como ex-Governador do Acre, como acriano, e hoje na condição de Senador, de poder prestar esta singela homenagem a esse grande brasileiro que segue inspirando a todos, especialmente o Brasil e o mundo.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)