Mídia

Jornalismo de Guerra

O novo Estado de exceção brasileiro suspende o ideal de espaço público e a ação comunicativa dos discursos antagônicos das utopias habermasianas. Assim, não se realiza a cobertura de um evento como a greve geral de sexta-feira (28/04) a partir das premissas do contraditório e da abertura democrática a versões alternativas que, mesmo eventualmente minoritárias, são influentes na sociedade.
Jornalismo de Guerra

A leitura de vários artigos críticos sobre o conteúdo da narrativa da greve geral esboçada pela grande mídia brasileira – especialmente os excelentes artigos dos jornalistas Igor Felippe e Rodrigo Vianna – nos conduziu a uma conclusão, repleta de consequências políticas, teóricas e estratégicas: a grande mídia brasileira – especialmente o conglomerado monopolista da Rede Globo – pratica um jornalismo de guerra. Por consequência, o jornalismo de guerra resulta numa espécie de militarização da imprensa.

Neste sentido, o jornalismo de guerra é a contrapartida na área estratégica da informação e contrainformação do Estado de Exceção. Segundo o filósofo italiano Giorgio Agamben – que faz a crítica teórica negativa do Estado de Exceção -, invocando a lógica amigo-inimigo do jurista nazista Carl Schmitt uma disputa política só se resolve pela eliminação do adversário. Não há possibilidade de acordo, de trégua política, nem de respeito ao outro, mas a apenas a possibilidade de manifestar a intolerância. Na história do Brasil, eventos como a campanha do “Brasil, ame-o ou deixe-o&r dquo; na década de 1970, ou até a surpreendente campanha publicitária recente (ano passado) do golpista Temer de “vamos tirar o Brasil do vermelho” operam através da lógica política amigo-inimigo.

O novo Estado de Exceção brasileiro suspende o ideal de espaço público e a ação comunicativa dos discursos antagônicos das utopias habermasianas. Assim, não se realiza a cobertura de um evento como a greve geral de sexta-feira (28/04) a partir das premissas do contraditório e da abertura democrática a versões alternativas que, mesmo eventualmente minoritárias, são influentes na sociedade.

A rigor, a Rede Globo não fez cobertura da greve geral, mas guerra psicológica.

Nos dias anteriores à greve, simplesmente desconheceu o fato, insofismável a olhos vistos, do crescimento da greve nas ruas. No dia da greve, passou do desconhecimento ao jornalismo de guerra mais despudorado: criou uma versão à priori “pós-verdadeira” dos acontecimentos e, através da repetição insistente de alguns mantras, buscou dar ao falso a musculatura de verdade fabricada.

Não se busca a verdade, não se concede brecha ao empirismo de investigação dos fatos. Cessou qualquer possibilidade de jornalismo investigativo, o repórter é apenas um autômato, um papagaio a soldo, substituível caso não reze pela cartilha.

Até a pouco, apesar de todas as críticas, ainda havia uma réstia de porosidade na mídia – sobretudo cavada pelo profissional individual e a ação sindical. Contudo, depois do golpe, em que a mídia foi intelectual orgânico e protagonista ativo, a mínima porosidade antes existente transformou num espaço hermeticamente fechado. Não se trata mais de fazer a crítica à “imprensa marrom” ou “sensacionalista”, desvios que sempre existiram na imprensa – desde os achaques romanceados por Balzac.

Conforme demonstrado por vários comentaristas críticos, a cobertura da greve geral – a maior da história brasileira – ensaiou a novidade de um discurso compacto, totalmente orientado de cima para baixo e sem abrir brechas ao contraditório. Isto é guerra. O patamar mudou. Já é outro. As evidências da militarização da mídia são gritantes na cobertura da greve geral e da perseguição arrasa-quarteirão à personalidade de Lula. Como sempre, na guerra, a verdade é a primeira vítima.

Os métodos das networks brasileiras – especialmente a Rede Globo – são métodos de guerra. O melhor autor para explicar o comportamento da mídia é Carl von Clausewitz, o chefe militar do exército prussiano que lutou com os russos contra Napoleão e ficou conhecido como o “filósofo da guerra”. A guerra, em Clausewitz, compreendia, até principalmente, a ação de desarmar psicologicamente o inimigo. Daí, a necessidade de não apenas vencer pelas armas, mas ganhar a opinião pública. Ou seja, vencer pela força das armas sempre é provisório, ao passou que vencer a opinião pública na sociedade é mais duradouro.&nb sp;

Mencionamos Clausewitz, mas bateu na memória outra referência importante: a tela/olho controlador do Grande Irmão de 1984. Todos nós viramos espécies de Winston (s) Smith (s), o protagonista do romance de George Orwell. A metáfora é gasta pelo uso, mas o tempo do Ministério da Verdade – repartição estatal incumbida da “fabricação da verdade” na qual trabalhava Winston -, chegou. Plin Plin.

Com Jaldes Meneses é professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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