“É sabido que criar partido tornou-se negócio lucrativo. Basta ver a quantidade de legendas de aluguel existentes”, afirma. Ele classifica a proposta como “uma saudável sacudidela” para que os partidos e as eleições se tornem “bem mais representativos da cidadania”.
Cid Benjamin tem longa trajetória de militância na esquerda. Durante a ditadura, atuou na resistência armada e foi um dos guerrilheiros responsáveis pelo célebre sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969. Preso e exilado, retornou a Brasil com a Anistia e trabalhou como jornalista. É um dos ganhadores do Prêmio Esso de Jornalismo por uma série de reportagens sobre a Guerrilha do Araguaia. Abaixo, veja a íntegra do artigo de Benjamin.
Uma tese maldita – Cid Benjamin
No Brasil, a democracia e a República são tão anêmicas que propostas para aprofundá-las de forma radical tendem a ser vistas como utópicas. Mas já dizia o mestre Mário Quintana, ao se referir às utopias: “Se as coisas são inatingíveis… ora/Não é motivo para não querê-las…/Que tristes os caminhos se não fora/A presença distante das estrelas”. Às vezes, na vida real as utopias apontam o caminho das pedras.
Na sempre defendida, mas adiada, reforma política, o financiamento de partidos e campanhas eleitorais é questão central. Mas, também nesse tema, é bom termos em vista “coisas inatingíveis”. Quem sabe elas nos apontem os caminhos para um salto de qualidade.
Na campanha de 2014, foram declarados gastos de R$ 5 bilhões — uma cifra quase pornográfica. E 95% do total vieram de grandes empresas, que, claro, não fazem doações por espírito público, mas com vistas a lucros futuros.
Num gesto moralizador, em 2011 a OAB propôs ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade para que se proibissem doações de empresas a partidos ou candidatos e se limitasse drasticamente o valor doado por pessoas físicas. Em abril de 2014, seis dos 11 ministros já haviam votado a favor da proposta, e ela estava virtualmente aprovada. Mas o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e a engavetou, apesar de o Regimento Interno fixar o prazo de duas reuniões ordinárias para que a ação seja devolvida. Favorável a doações de empresas, Gilmar impede que a votação chegue ao fim.
Doações de pessoas jurídicas têm que ser proibidas. Mas é preciso ir além e impor uma mudança radical no financiamento de campanhas e partidos.
Em 2014 o Fundo Partidário distribuiu R$ 363 milhões às bancadas de cada partido na Câmara dos Deputados. Ora, é sabido que criar partido tornou-se negócio lucrativo. Basta ver a quantidade de legendas de aluguel existentes.
Assim, além de se proibir contribuições de empresas, é preciso pôr fim também à doação de recursos públicos. Partidos e campanhas — assim como sindicatos, diga-se — devem ser sustentados por contribuição individual de seus filiados e simpatizantes, devidamente declarada à Receita Federal, num limite de, digamos, um salário mínimo por mês. Assim, após uma saudável sacudidela, os partidos e as eleições se tornariam bem mais representativos da cidadania.
Em debates em que defendi essa ideia ouvi sempre: “Isso vai inviabilizar as campanhas e os partidos”. Respondi: “Vai inviabilizar da forma como funcionam; mas este é o objetivo”.
É uma proposta utópica, no sentido de que não seria aceita hoje pela quase totalidade dos partidos e parlamentares, mesmo que se estipulasse um período de transição. Mas, é também uma proposta utópica em outro sentido, o de apontar um caminho que revolucionaria a forma de se fazer política no Brasil.
Por isso, penso que esta tese — hoje maldita, inclusive na esquerda — deva ser encampada pelos que desejam uma reforma radical na nossa democracia e na nossa República.