Jornalistas, na Comissão de Direitos |
As manifestações de rua iniciadas em junho do ano passado ajudaram a engrossar as estatísticas sobre a violência contra profissionais de comunicação. Dos 136 casos de violação contra a atividade jornalística registrados em 2013, 105 foram causados por grupos minoritários de manifestantes e por policiais. Os números são da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que defendeu, juntamente com outras entidades de classe, mudanças de procedimentos das polícias, treinamento para profissionais de imprensa nos conflitos de rua e um protocolo de segurança a ser adotado pelas forças do Estado, jornalistas e empresas.
“Os protestos se iniciaram legítimos e pacíficos, mas descambaram no final para atos de violência e vandalismo, inclusive ataques a veículos, a prédios e a jornalistas e comunicadores”, disse o diretor de Comunicação da Abert, Théo Rocheford, convidado da audiência pública realizada na manhã desta terça-feira (1) pela Comissão de Direitos Humanos, conduzida pelo senador Paulo Paim (PT-RS).
O diretor de Relações Institucionais da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), José Carlos Torves, afirmou que as agressões feitas por manifestantes podem ser explicadas pela falta de conhecimento sobre a importância do papel da mídia. Já a truculência da Polícia Militar ainda é um resquício ditatorial.
“O comportamento continua sendo o mesmo do período da ditadura militar. Se o policial militar vê uma câmera fotográfica ou alguém filmando um determinado movimento, o primeiro movimento que faz é agredir o jornalista e apreender o equipamento. Isso é o que vem ocorrendo; ocorreu durante todo o período da ditadura militar e continua ocorrendo hoje. Em qualquer manifestação com meia dúzia de pessoas, se aparece um fotógrafo, ele é agredido ou tem apreendido seu material de trabalho”, reclamou.
Impunidade e federalização
Quatro jornalistas já foram assassinados em 2014 no Brasil e, para as entidades de classe, a impunidade é um dos problemas a serem combatidos. Uma das formas seria a federalização das investigações dos crimes cometidos contra profissionais de imprensa no exercício da profissão.
“O jornalista é assassinado, a polícia local engaveta o processo e não se tem uma solução. Isso vai gerando a impunidade, que alimenta mais violência. Por isso, caso a polícia local não apresente resultados significativos à investigação, que esse caso passe a ser divulgado pela Polícia Federal”, defendeu José Carlos Torves.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão Aurélio Virgílio Veiga Rios mostrou-se mais cauteloso em relação ao assunto e defendeu a federalização somente em casos específicos:
“A federalização tem que ser feita em casos concretos em que você verifique realmente a impossibilidade da polícia, do Ministério Público e dos juízes de atuarem de forma independente e imparcial. Não pode ser o remédio para todo e qualquer tipo de violação de direitos humanos. Porque isso também acaba por esconder um problema grave, que é o funcionamento da justiça do Estado e a questão das investigações policiais”, opinou.
Cartilha
O chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Marcello Barros, disse que o Ministério da Justiça já tomou providências para minimizar o problema. Uma delas é a criação de um grupo de trabalho para elaborar um protocolo mínimo para atuação das polícias em manifestações populares.
Ele informou que outro grupo, criado para discutir a segurança dos profissionais de comunicação, realizou no fim de semana passado um exercício simulado de dois dias com 70 jornalistas e homens da Força Nacional de Segurança Pública.
“Este trabalho vai ser analisado, e o resultado será uma cartilha a ser distribuída aos profissionais de comunicação e de segurança pública antes da Copa do Mundo”, explicou.
Anonimato
Convidados para a audiência, representantes do Movimento Passe Livre defenderam o direito ao anonimato para os participantes de manifestações populares e se mostraram contrários a qualquer tentativa de proibição ao uso de máscaras e balaclavas em protestos de rua. Para eles, anonimato garante a livre manifestação de pensamento e o exercício da democracia.
“Tem sido articulado um ataque ao direito do anonimato que limita a capacidade de expressão. O uso de máscara e balaclava não pode ser criminalizado. Isso seria autoritarismo e não avanço democrático”, afirmou Paulo Henrique da Silva Santarém.
O representante do Passe Livre não poupou críticas à Polícia Militar, responsável, segundo ele, por dar início à violência nas manifestações e disse que o movimento não se posiciona a favor nem contra os black blocs.
Ele explicou que a tática de atuação dos black blocs brasileiros é usada também em outros países e há consenso entre eles de que qualquer ataque ou violência contra pessoas deve ser evitada, o que não os impede de investir contra o patrimônio público ou privado.
Tal concepção, na opinião da senadora Ana Rita (PT-ES), é equivocada:
“Não podemos permitir comportamentos agressivos.Quebrar patrimônio privado ou publico é ação violenta, sim. Trata-se de um princípio questionável”, afirmou, deixando claro que é contra a criminalização dos movimentos sociais.
Projeto
No fim da audiência, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou propostas encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos pela Fenaj, Abert e pelo Passe Livre. Ele também disse que está elaborando um projeto de lei para garantir aos profissionais de comunicação que atuarem em atividades externas com risco à integridade física o direito de receberem seguro de vida em grupo custeado pelo empregador e adicional de periculosidade.
O senador João Capiberibe (PSB-AP), por sua vez, disse que a violência policial em tempos democráticos como os atuais é fruto da impunidade dos crimes da ditadura.
As propostas apresentadas na audiência pública:
– Adoção de um protocolo de procedimentos a ser observado por policiais, jornalistas e empresas.
– Reavaliação dos cursos de formação dos policiais militares.
– Federalização das investigações de crimes contra comunicadores.
– Criação de um observatório de violência contra comunicadores, com condições de mapear de assassinatos a casos menos graves de violência sofrida no dia a dia do profissional.
– Treinamento para melhor qualificação da atuação policial.
– Padronização de estatísticas e das análises relativas à violência contra profissionais de imprensa e veículos de comunicação.
– Regulamentação do uso de armas não letais.
– Adoção de corregedorias de polícia independentes.
– Desmilitarização das polícias militares.
– Adoção de treinamento direcionado exclusivamente a ação de policiais em manifestações.
– Garantia do direito ao anonimato em manifestações como forma de garantia dos direitos dos manifestantes.
Com informações da Agência Senado
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