Cerimônia no Palácio do Planalto foi pontuada por palavras de ordem e um consenso: pretexto para impeachment é golpeJuristas, advogados e estudantes de Direito reuniram-se na manhã desta terça-feira (22) com a presidenta Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Por mais de duas horas, esteve em debate a necessidade de combater a corrupção sem, entretanto, atacar princípios básicos previstos na Constituição, como o respeito à vontade popular, aos direitos populares e a preservação de um governo constitucionalmente eleito. Eles participaram do “Encontro de Juristas pela Legalidade e em Defesa da Democracia”.
Em vez de uma solenidade, com toda a cerimônia que a palavra contém, o que se viu foi uma grande manifestação marcada por palavras de ordem que a todo momento eram puxadas por alguém na plateia. E aí se ouviram, dezenas de vezes “Não Vai ter Golpe”, “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”, “Não Passarão”, “Dilma guerreira do povo brasileiro” e “Olê, Olê, Olá, Dilmaaaa, Dilmaaaa”.
Os juristas entregaram à presidente mais de trinta documentos entre manifestos e cartas de apoio. Antes de encerrar a cerimônia, a presidenta mais uma vez reiterou que não renunciará “em hipótese alguma” e que tem “a consciência tranquila de não ter cometido qualquer crime de responsabilidade”.
Antes, sucederam-se os argumentos, mas a tese que unia o grupo era uma só: o impeachment que a oposição articula sem qualquer constrangimento no Congresso Nacional e nas ruas do País, é golpe. Ou, como disse em seu pronunciamento o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo. “pretexto para impeachment é golpe”.
Cardozo foi um dos últimos a se manifestar – pouco antes da presidenta Dilma – e lamentou que, trinta anos depois do encerramento da ditadura militar, ele precise lutar para combater retrocessos. ”O processo (de impeachment) é claramente ofensivo à Constituição e nasce vinculado a um pecado original, um desvio de poder que é o desejo de vingança”, resumiu.
Para o ex-ministro da Justiça, não há, no processo, qualquer fato capaz de embasar o processo de impedimento da presidenta. “Não vimemos sob o parlamentarismo, onde a troca do chefe do Executivo se dá por desejo político”, enfatizou.
Respeito à Constituição
O governador do Maranhão, Flávio Dino, destacou a imensa carga histórica que norteia o debate sobre o afastamento da presidenta. “A maior corrupção que pode existir é a injustiça social”, disse.
Dino, que é advogado e ex-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) traçou um paralelo entre o momento atual e a década de 60, quando Jânio Quadros precisou enfrentar discurso semelhante – combate a corrupção – e o que se sucedeu foi o golpe militar de 64. ”Ontem, foram as Forças Armadas. Hoje, é a toga”, alertou.
E, mesmo sem citar nomes, mandou um recado ao juiz Sérgio Moro, que capitaneia com holofotes a Operação Lava-jato: “Não use a toga para fazer política, porque isso acaba por destruir o Poder Judiciário”.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Neves também considera que Moro exagerou. “Ele cometeu crime ao divulgar as escutas envolvendo a presidenta”, sintetizou. Para ele, destituir a presidenta é equivalente a corroer a Constituição.
Respeito à Constituição também foi o pedido da representante do movimento “Juízes pela Democracia”, Gláucia Foley. Insistindo que “não se combate a corrupção corrompendo a Constituição”, Gláucia afirmou que usar o Direito Penal para solucionar crises políticas atende a uma ideologia perversa. “Quem mais sofre com isso é o mais pobre, o negro da periferia que lota os cárceres do nosso País”, destacou. Foi aplaudida de pé.
O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Alberto Toron também pediu respeito à democracia e à Carta Magna. “É um paradoxo o que temos hoje; em plena democracia, autoridades que devem zelar pela correta aplicação das leis se insurgem contra a Constituição”, disse. Toron atacou duramente o juiz Sérgio Moro. “De democrático, esse juiz não tem nada”, disse, assegurando que Moro cometeu ilegalidades ”em todos os sentidos”.
Representando o movimento de advogados populares, que trabalham defendendo populações menos privilegiadas como negros e quilombolas, Camila Gomes disse que vivencia diariamente o que o desrespeito aos direitos constitucionais pode representar na vida das pessoas. “Se não se respeitam os direitos da Presidenta da República, vão respeitar os direitos de quem”, questionou a advogada.
Para ela, o combate à corrupção que a sociedade brasileira pretende se faz dentro dos marcos legais. “O resto é golpe”, sentenciou.
Camila Gomes garantiu que não serão abertas brechas para o autoritarismo judicial. “Se estivéssemos (os presentes) aqui há 40 anos, tenho certeza que estaríamos batalhando para libertar a presidenta Dilma”, disse.
Crime de responsabilidade
A professora de Filosofia do Direito Mariah Brochado foi precisa. Lembrou que o argumento para o pedido de destituição da presidenta Dilma é a acusação de que ela teria cometido crime de responsabilidade. “Ora, crime de responsabilidade é desrespeitar os direitos sociais. Se esse foi o objetivo das tais “pedaladas fiscais” de que acusam a presidenta, não há que se falar em crime”, concluiu.
Falando também em pedaladas fiscais (atrasos nos repasses do Tesouro a bancos públicos para atender a outros compromissos financeiros), o ex-desembargador Francisco de Queiroz Cavalcanti disse que o instrumento não é motivo para se afastar a presidenta. “Se nós entendermos que é suficiente, temos que afastar pelo menos 16 governadores”, assegurou.
Sem golpe e sem renúncia
Vários outros palestrantes se sucederam na tribuna. Muitos questionaram o vazamento de conversas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma.
Ao falar para a plateia, a presidenta lamentou que, depois de ter combatido a ditadura militar, “tenhamos que voltar a um momento em que teríamos que mobilizar a sociedade pela legalidade, como estamos fazendo neste momento”.
Reforçando que não há hipótese de que ela renuncie ao mandato, Dilma disse que tem disposição, energia e respeito de sobra para lutar pela democracia. “Não sendo crime de responsabilidade, o afastamento (de um presidente) se torna um crime contra a democracia”, reforçou.
Para Dilma, “condenar alguém por um crime que ela não praticou é a maior violência que se pode cometer contra uma pessoa”. Lembrando já ter sido vítima desse tipo de injustiça, disse que, naquela época, o País vivia sob uma ditadura.
“Agora, o que está em curso é um golpe contra a democracia”, afirmou, reforçando que, não importa o instrumento usado para depor um chefe de Estado. “Não importa se é um fuzil ou o desejo de vingança (que move a oposição)”.
Sobre a tentativa de apeá-la do poder, repetiu ainda uma vez antes de dar por encerrado o encontro: “Não passarão.
Giselle Chassot
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