Dez anos após a criação da Lava Jato, a justiça, pelo menos aparentemente, começou a ser feita. Juízes e procuradores que mergulharam o país em um dos piores momentos de sua história vivem, hoje, situação inversa à dos tempos em que investigavam, denunciavam e condenavam – não necessariamente nessa ordem. Eles estão na mira de investigações sobre os vários abusos e ilegalidades que cometeram, dentro e fora da propalada operação de combate à corrupção.
São investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Justiça Eleitoral.
É o fim da linha chegando para um grupo de juízes e procuradores que, tomados pela ambição política e coordenados com o governo dos Estados Unidos, atuaram contra os interesses nacionais.
De março de 2014, quando a Lava Jato foi criada, até sua extinção, em fevereiro de 2021, a operação promoveu perseguições, fraudes processuais e prisões ilegais, entre outras irregularidades, que deixaram um rastro de destruição no país: de vidas, de empresas, de setores estratégicos da infraestrutura, de 4,4 milhões de empregos, da credibilidade das instituições.
O fim da linha está próximo, por exemplo, para o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo Paraná. Ele pode ter abreviada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) a medíocre carreira política iniciada no fim de 2018, após as eleições presidenciais daquele ano.
Moro largou a magistratura depois de aceitar o convite do então presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ser ministro da Justiça e Segurança Pública. Era a recompensa pelo fato de o ex-juiz ter ordenado a prisão ilegal do presidente Lula, que despontava como favorito nas pesquisas para a disputa presidencial.
Em junho de 2021, o STF anulou todas as decisões de Moro no caso do triplex, após ele ser considerado suspeito para julgar Lula, em razão de sua parcialidade.
Acusações incluem Caixa 2
O presidente do TRE-PR, desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, marcou para 1º de abril o início do julgamento conjunto de duas ações contra Sergio Moro: uma movida pela federação formada por PT, PCdoB e PV e outra pelo PL. Bengtsson também agendou outras duas sessões do julgamento, para 3 e 8 de abril.
No processo, o ex-juiz que se apresentava como inimigo número 1 da corrupção hoje é acusado de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha eleitoral de 2022. As ações pedem a cassação do seu mandato parlamentar, sua inelegibilidade por oito anos e a realização de uma nova eleição para o Senado no Paraná.
No fim de 2021, Moro se filiou ao Podemos e era cogitado como possível candidato do partido à Presidência da República. Em março de 2022, a sete meses das eleições, deixou a legenda e migrou para o União Brasil, como pré-candidato ao Senado por São Paulo. Em junho, após ter a troca de domicílio eleitoral vetada pela Justiça, anunciou a candidatura a uma vaga de senador pelo Paraná.
No processo do TRE-PR, Moro é acusado de ter utilizado a estrutura e exposição de pré-campanha presidencial para, num segundo momento, migrar para uma disputa de menor visibilidade, menor circunscrição e teto de gastos vinte vezes menor, carregando com ele todas as vantagens e benefícios acumulados indevidamente, em prejuízo da igualdade de condições entre os concorrentes ao cargo de senador.
Nesse contexto, segundo consta do processo, Moro teve privilégios durante a campanha eleitoral, como media training (treinamento de imprensa), segurança privada, exposição midiática de presidenciável, veículo blindado, compra de telefone celular, hospedagens e viagens nacionais e internacionais.
A pré-campanha presidencial de Moro, conforme a acusação, teve gastos de mais de R$ 2 milhões, que, somados às despesas da corrida ao Senado, fizeram com que o ex-juiz gastasse, ao todo, mais de R$ 6 milhões na candidatura – valor que ultrapassa o limite de gastos permitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é de R$ 4,4 milhões para campanhas ao Senado.
Moro, poucos anos depois de ser apontado como um juiz suspeito pelo STF, será mais uma vez desmascarado caso essas acusações sejam comprovadas pelo TRE-PR. Isso porque, no auge da Lava Jato, ele dizia que “caixa 2 em eleições é trapaça, um crime contra a democracia”.
Em caso de cassação pelo TRE-PR, Moro terá o mesmo destino de Deltan Dallagnol, seu ex-cúmplice de ilegalidades na Lava Jato, que teve o mandato de deputado federal cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio de 2023.
Dallagnol, que era o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, foi cassado por ter pedido exoneração do cargo de procurador da República enquanto estavam pendentes sindicâncias para apurar reclamações sobre sua conduta na operação. Essas apurações poderiam levar a um ou mais processos administrativos disciplinares (PADs), que o tornariam inelegível, se fosse condenado.
Escutas ilegais
Sergio Moro também é investigado em um inquérito determinado em janeiro pelo ministro Dias Toffoli, do STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal.
As solicitações se basearam em relatos do ex-deputado estadual paranaense Tony Garcia, que foi condenado por Moro por supostos delitos financeiros no consórcio Garibaldi, do qual fazia parte. Garcia, que acusa Moro de forjar provas contra ele, disse que, na condição de delator, atuou para o ex-juiz e procuradores como “colaborador infiltrado” no meio político e empresarial.
O inquérito apura possíveis medidas invasivas da Lava Jato, como a determinação de tarefas ilícitas a Garcia — tais como promoção de escutas e entrega de gravações clandestinas de eventos não relacionados ao seu acordo de delação. A investigação deve atingir também procuradores e advogados próximos a Moro. Esse caso foi revelado pelo site Brasil 247.
Trapaça com R$ 2,5 bilhões
Em fevereiro, o ministro Dias Toffoli determinou a instauração de um outro inquérito que pode complicar ainda mais a vida de Moro, de Dallagnol e de outros personagens da Lava Jato.
O procedimento, aberto a partir de notícia-crime do deputado federal Rui Falcão (PT-SP), investiga a organização não governamental (ONG) Transparência Internacional por suposta apropriação indevida de recursos provenientes de acordos de leniência firmados no âmbito da operação Lava Jato.
Na notícia-crime, Rui Falcão afirma que, “sob o pretexto de desenvolver ações de combate à corrupção, o Ministério Público Federal, de forma ilegal, concedeu à Transparência Internacional poderes de gestão e execução sobre recursos públicos, sem que se submetessem aos órgãos de fiscalização e controle do Estado brasileiro de modo que existem circunstâncias a serem esclarecidas sobre a atuação da entidade e de membros do MPF [Ministério Público Federal]”.
O caso envolve um acordo firmado em 2019 pela Petrobras e autoridades americanas para o pagamento de valores devidos pela estatal a acionistas de empresas nos Estados Unidos, em razão da Lava-Jato. Esse acordo, que foi anulado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes no mesmo ano, previa que 20% da multa paga pela Petrobras ficaria nos EUA, e os outros 80% (R$ 2,5 bilhões) ficariam no Brasil.
O mesmo acordo previa que esses R$ 2,5 bilhões da Petrobras seriam depositados em um fundo administrado pelos procuradores da Lava Jato para projetos de combate à corrupção e promoção da cidadania. Os recursos seriam geridos pela Transparência Internacional.
Por causa desse desse caso, a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e outros parlamentares do partido protocolaram uma Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, pelo fato de ela ter homologado o acordo suspeito. O CNJ, em razão de vários adiamentos, ainda não concluiu o julgamento.