O que era uma desconfiança para políticos e empresários está deixando de parecer “teoria da conspiração” para adquirir contornos reais. A Lava Jato operou secretamente contra os interesses da economia nacional em ações no exterior, como aponta o site Consultor Jurídico. De acordo com a denúncia, em encontro bancado pela XP Investimentos, o procurador Deltan Dallagnol reuniu-se com bancos que são réus em processo movido por acionistas dos Estados Unidos contra a Petrobras.
Entre os bancos que participaram do encontro estão Citigroup, J.P. Morgan, Itaú BBA, Morgan Stanley, Merrill Lynch e Bradesco BBI – todos arrolados no processo. As mensagens trocadas entre Deltan e uma consultora da XP, marcando o encontro, foram divulgadas recentemente pelo The Intercept Brasil.
O que o ex-procurador-geral Rodrigo Janot chama de “discurso míope e tosco”, no capítulo 14 do seu livro de memórias “Nada menos que tudo”, contrasta com a realidade, como demonstram em artigo no jornal Valor Econômico, os professores Luiz Fernando de Paula, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Rafael Moura, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ambos apontam que, entre 2014 e 2017, a construção civil registrou saldo negativo entre contratações e demissões de 991.734 vagas formais, a maioria no Sudeste.
Desmonte da infraestrutura
Os dois economistas ressaltam que a maior construtora brasileira, a empreiteira Odebrecht, tinha em 2014 faturamento bruto de R$ 107 bilhões, com 168 mil funcionários e operações em 27 países. Em 2017, em consequência da Lava Jato, o faturamento recuou para R$ 82 bilhões, com 58 mil funcionários e atividades apenas em 14 países. O número de postos de trabalho fechados pela empreiteira foi de 110 mil. A empresa entrou com um pedido de recuperação judicial, mas a Caixa Econômica Federal, sob orientação do Palácio do Planalto, defendeu perante a Justiça Federal que seja decretada a falência do grupo.
De acordo com os dois professores, a crise provocada pela Lava Jato também fez a Petrobras reduzir seu volume de investimentos de US$ 48,1 bilhões em 2013 para US$ 15,1 bilhões em 2017. Uma retração de quase 70%. As inversões da estatal caíram de 1,97% do PIB em 2013 para 0,73%, quatro anos depois, em 2017. Em consequência, a estatal se desfez de 90% de seus ativos da rede de gasodutos do Sudeste – a Nova Transportadora Sudeste (NTS) – para o grupo canadense Brookfield e da rede de gasodutos e transportes nas regiões Norte e Nordeste – a Transportadora Associada de Gás (TAG) – para o grupo francês Engie. A retração da atuação da empresa provocou a demissão, num intervalo de quatro anos, de quase 260 mil postos de empregos formais e informais no mercado de trabalho brasileiro.
Moro reage às críticas
A gravidade da situação econômica do país levou o ex-juiz Sérgio Moro a reagir publicamente à cobrança sobre a responsabilidade da operação sob seu comando. “Às vezes eu vejo alguns analistas dizendo que a Lava Jato foi culpada pelos problemas econômicos que o Brasil teve”, disse ante de plateia de empresários no Fórum de Investimentos Brasil 2019, em São Paulo. “O que nós tínhamos era uma economia que já vinha numa descendente, um setor público quebrado”, disse. A verdade, contudo, é que, em 2014, quando a Lava Jato começou a operação, o Brasil detinha a menor taxa de desemprego da história: 4,3%.
Em 2017, o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, alertou: “A Lava Jato está esfacelando a indústria nacional”. Recentemente, em entrevista à TV 247, reiterou a denúncia: “A Operação Lava Jato tem como fundamento aparente a apuração de corrupção, mas o resultado disso é o esfacelamento da indústria aqui instalada”. Ele lembrou que a Volkswagen, acusada de prejudicar 10 milhões de clientes no mundo inteiro, perdeu presidente, diretores processados, mas não deixou de produzir nenhum veículo. “A liquidação da engenharia nacional está no âmago da Lava Jato, sob a capa do combate à corrupção”, critica Celestino.
A advertência do presidente do Clube de Engenharia, no entanto, não foi levada em consideração pela força-tarefa da Lava Jato, como mostraram mensagens divulgadas pelo Intercept. “O Odebrecht não deve quebrar. Se quebrar, vamos nos deslegitimar”, alertou o procurador Marcelo Miller em umas das mensagens do Telegram divulgadas pelo site na esteira da Vaza Jato. “O acordo – é assim no mundo – deve salvar empregos”, disse.
Na mensagem aos colegas do MPF, Miller lembrou que a abordagem do combate à corrupção mudou nos Estados Unidos após a quebra de empresas como Enron e Arthur Hendersen – a dosagem das penas pecuniárias aumentou, mas sem quebrar as empresas. Ao que outro procurador reagiu ironicamente: “Tá com peninha do Marcelo Odebrecht, leva pra casa”.
A Lava Jato, no entanto, criou suas próprias “leis”, operou como um “Estado paralelo”, a ponto do Tribunal Federal da 4ª Região considerar que a operação “não precisava seguir as regras processuais comuns, para enfrentar fatos novos ao Direito”. “O atropelo que o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol realizaram sobre a Constituição Federal e todas as normas vigentes no país com objetivos políticos é o maior escândalo jurídico brasileiro da história – e um dos maiores do mundo”, adverte o líder da bancada do PT no Senado Federal, Humberto Costa (PT-PE). Para ele, o desvio funcional e constitucional “deveria ser devidamente punido pelos órgãos competentes”.
Lava Jato mata CNPJ
“A Lava Jato matou o CNPJ, matou as empresas brasileiras, quando deveriam atacar os corruptos pessoa física”, denunciou o senador Jaques Wagner (PT-BA), em entrevista ao programa Diálogos, com Mário Sérgio Conti, na GloboNews. “O crime maior da Lava Jato, além de ter perseguido, demolido pessoas sem provas, foi o fato de ter acabado com o emprego”, disse Wagner, lembrando a perda da inteligência acumulada pelas empresas.
Como exemplo, a empresa Bardella, com 108 anos de história, pediu recuperação judicial em maio deste ano responsabilizando a Lava Jato pela medida. Em julho, o empresário do setor de gás, Sadi Gitz, cometeu suicídio em evento público, em Aracaju, em frente ao ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque.
O ataque da Lava Jato à economia e ao patrimônio nacional ganhou reforço com a vitória da agenda ultraliberal de Jair Bolsonaro nas últimas eleições. “O atual governo tem aceitado colocar o nosso país de joelhos perante o capital internacional e está entregando o nosso patrimônio”, advertiu o senador Jean Paul Prates (PT-RN). “O resultado de décadas de luta, trabalho e dedicação do povo brasileiro está evaporando, graças a um projeto político que tem como um dos seus alicerces a entrega das riquezas nacionais ao capital internacional”, criticou. Vice-presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras, Jean Paul alerta a sociedade para o agravamento da situação. “Temos que nos unir e dar um basta nesta situação”, apelou.
O método adotado pela Lava Jato também já é questionado até mesmo por porta-vozes de setores liberais dos Estados Unidos, como o site Americas Quarterly. Em artigo publicado recentemente, os articulistas Roberto Simon e Emilie Sweigart questionam se deixar a Odebrecht quebrar seria bom para o Brasil. “Dada a trilha de corrupção e caos político de US$ 788 milhões que deixou em 12 países, alguns observadores não se importariam em ver a empresa queimar no chão”, apontam.
Os articulistas, contudo, fazem ressalvas e alertam: “A menos que se acredite que toda a empresa era uma empresa criminosa sem nenhum impacto econômico ou social positivo, a resposta é não”. Segundo Simon e Sweingart, nos três primeiros anos de Lava Jato, a empresa eliminou quase 90 mil postos de trabalho em tempo integral no mundo inteiro.
Recibo da entrega
Além das consequências para a economia nacional, revelações e fatos divulgados nos últimos meses confirmam a existência de objetivos alheios aos interesses nacionais nas ações patrocinadas pela Lava Jato. “Obviamente, os americanos não queriam o êxito da Lava Jato porque eram bonzinhos, mas porque tinham interesse em abrir o mercado da América Latina para suas empresas”, admite Rodrigo Janot, ao final do capítulo 14 de suas memórias. E vai mais longe. Ele diz que “para que eles pudessem competir aqui, seria necessário diminuir o nível de corrupção e cartelização do mercado de obras públicas”.
As confissões de Janot são aterradoras. Ele admite que chegou a ser advertido por autoridades americanas. “Vocês têm noção da extensão do trabalho de vocês no Brasil”, perguntou um alto funcionário do Departamento de Estado (dos EUA), segundo Janot. Ao que ele própria confessa ter respondido: “Ainda não”.
A colaboração com organismos externos, em especial com o Departamento de Justiça dos EUA, como revelam as sucessivas denúncias da Vaza Jato, envolvendo os procuradores da força-tarefa, insistem em confirmar o favorecimento às empresas estrangeiras.
Em 1º de agosto, há menos de dois meses, o governo do presidente Jair Bolsonaro e o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, assinaram um protocolo de intenções na área de infraestrutura. O resultado foi estampado pela Folha de S.Paulo, no mesmo dia: “EUA assinam memorando para estimular projetos de infraestrutura no Brasil”.
Isso explicita a resposta à pergunta ouvida por Janot, no livro: “Porque a Odebrecht pode construir o aeroporto de Miami e a gente não pode construir um aeroporto ou uma estrada no Brasil?”.