Deputados e senadores franceses divulgaram, na última quarta-feira (13) um manifesto contra o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que classificam como “baixa manobra parlamentar”. O manifesto foi publicado num dos mais importantes jornais da Europa, o Le Monde, que já havia publicado uma manifestação dura do historiador Laurent Vidal contra o golpe.
Os parlamentares franceses conclamam o governo de seu país e a comunidade internacional a reagir ao golpe no Brasil e afirmam que o governo provisório de Michel Temer é “inaceitável”. No manifesto, tecem duras críticas ao governo interino destacando o ministério “branco e machista” que “não reflete a diversidade da sociedade brasileira”, a extinção de pastas ligadas à área social e cultural e os cortes em programas populares.
Eles citam, também, o ministro interino da Justiça, Alexandre Moraes, apontado como antigo membro do quadro de advogados da organização criminosa PCC.
Leia, abaixo, o texto do manifesto:
“Dilma Rousseff, vítima de um golpe baixo parlamentar”
No Brasil, caem as máscaras. Escutas telefônicas já antigas acabam de desvendar as manobras que antecederam os procedimentos de destituição da presidenta brasileira Dilma Rousseff. Nelas, descobrimos que alguns parlamentares procuraram escapar dos processos por corrupção que os ameaçavam por meio do afastamento de Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de votos (51,64%). Nós assistimos à tomada do poder sem legitimidade popular, daqueles que perderam as eleições, com o objetivo de instituir seu programa de governo, largamente rejeitado pelas urnas. Estes formaram um governo composto exclusivamente de homens, sem nenhuma representação da diversidade que compõe a sociedade brasileira.
As primeiras decisões desse executivo interino, dirigido por Michel Temer, foram claras: supressão dos ministérios da Cultura, da Igualdade Racial, da Diversidade e do órgão independente de controle do aparelho do Estado, (Controladoria Geral da União). Em seguida, anunciou o fim de programas sociais como Minha Casa, Minha Vida, de acesso à moradia aos mais pobres, ou do Mais Médicos, que permete a instalação de médicos estrangeiros em zonas menos favorecidas, e instaurou um plano de austeridade econômica. Trata-se de um golpe de estado institucional que visa destruir todas as reformas sociais que permitiram, durante treze anos de governos de esquerda, que mais de 40 milhões de brasileiros saíssem da miséria. Os homens desse governo interino têm pressa e não se preocupam com a instabilidade política, econômica e social na qual estão mergulhando o Brasil.
Governo inaceitável
Nós, eleitos franceses, afirmamos que o procedimento constitucional de destituição foi instrumentalizado por uma maioria parlamentar de circunstância. Esse procedimento, que só pode ser aplicado para crimes ou delitos graves, foi acionado por causa de simples decretos de retificação do orçamento de 2015, adotados pelo governo de Dilma Rousseff. O procedimento foi aberto no meio de dezembro de 2015, antes mesmo do fim do ano fiscal e da análise e validação do orçamento pelo Tribunal de Contas e pelas duas casas legislativas. Nós ressaltamos que a presidente afastada não está envolvida em nenhum dos escândalos de corrupção que atingem a classe política, principalmente o que envolve a sociedade petrolífera Petrobrás. Não é o caso de sete dos ministros do governo Temer. Um deles, Romero Jucá, do Planejamento, está implicado no escândalo das escutas que relevam a realidade da destituição e já pediu demissão do cargo. Da mesma maneira agiu, alguns dias mais tarde, Fabiano Silveira, ministro da “Transparência”, também envolvido com essas escutas. O próprio presidente interino foi declarado inelegível por oito anos pela justiça de São Paulo por fraudes em suas contas de campanha.
Outro traço notável e significativo desse governo inaceitável: o ministro da Justiça Alexandre de Morais foi advogado do grupo criminoso e mafioso PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo. Nós também nos preocupamos com o envolvimento no golpe de estado da grande mídia brasileira, comandada por grupos financeiros importantes, por meio de uma campanha extremamente violenta a favor da destituição e da criminalização da esquerda brasileira. A mesma mídia apoiou o golpe militar de 1964, a partir do qual construiu verdadeiros impérios midiáticos. Nós ficamos chocados com as justificativas de voto dos deputados a favor do afastamento, invocando Deus ou suas famílias, um deles chegando ao ponto de fazer apologia ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador de Dilma Rousseff, já morto.
Dezenas, centenas de milhares de brasileiros se mobilizam hoje em todo o país na defesa da democracia, exigindo a partida desse governo ilegítimo e o retorno da presidenta democraticamente eleita. Nós os apoiamos. Nós, parlamentares, esperamos que o Supremo Tribunal Federal, que ainda não se pronunciou sobre o mérito, condene o desvio do procedimento de destituição. Nós, parlamentares franceses, solicitamos que o governo de François Hollande se pronuncie e condene esse golpe contra a democracia. Nós, parlamentares, denunciamos nessa região do mundo, após o afastamento dos presidentes eleitos de Honduras e Paraguai, esse terceiro golpe de estado institucional. E afirmamos nosso compromisso em relação ao respeito ao voto popular como única forma de acesso à direção de um país. Nós solicitamos à comunidade internacional que condene esse golpe de estado. Seria grave para todo o subcontinente que o maior país da América Latina mergulhe em um impasse político, econômico e social.
Patrick Abate, senador de Moselle (CRC), Aline Archimbaud, senadora de Seine-Saint-Denis (Les Verts), Eliane Assassi, senadora de Seine-Saint-Denis e Presidenta CRC, Marie-France Beaufils, senadora de Indre-et-Loire (CRC), Esther Benbassa, senadora de Val-de-Marne (EELV), Michel Billout, senador de Seine-et-Marne (CRC), Marie Blandin, senadora do Norte (groupe écologiste), Eric Bocquet, senador do Norte (CRC), Jean-Pierre Bosino, senador de Oise (CRC), Corinne Bouchoux, senadora de Maine-et-Loire (groupe écologiste), Laurence Cohen, senadora de Val-de-Marne (CRC), Cécile Cukierman, senadora da Loire (CRC), Ronan Dantec, senador da Loire-Atlantique (EELV), Annie David, senadora de Isère (CRC), Karima Delli, deputada europeia (EELV), Michelle Demessine, senadora do Norte (CRC), Evelyne Didier, senadora de Meurthe-et-Moselle (CRC), Christian Favier, senador de Val-de-Marne (CRC), Thierry Foucaud, senador de Seine-Maritime (CRC), Brigitte Gonthier-Maurin, senadora de Hauts-de-Seine (CRC), Pierre Laurent, secretário nacional do PCF e senador de Paris (CRC), Michel Le Scouarnec, senador de Morbihan (CRC), Noël Mamère, deputado de Gironde (groupe écologiste), Christine Prunaud, senadora de Côtes-d’Armor (CRC), Jean-Louis Roumégas, deputado de Hérault (groupe écologiste), Bernard Vera, senador de Essone (CRC), Paul Vergès, senador da Réunion (CRC), Dominique Watrin, senador de Pas-de-Calais (CRC).
Com informações do Brasil 247