“Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”, declarou o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, Jarbas Passarinho, ao proferir seu voto na reunião do conselho que aprovou a edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, assinado pelo então presidente, general Costa e Silva.
Na esteira da excrecência institucional que se tornou conhecida como AI-5 vieram o fechamento temporário do Congresso, cassação de mandatos parlamentares e intervenção em estados, municípios e entidades de classe. Além disso, o AI-5 também institucionalizou a tortura, instaurou a censura prévia à imprensa e a perseguição aos intelectuais e artistas. E, ainda, promoveu a suspensão de habeas corpus e o confisco de bens.
Para o senador Paulo Rocha (PT-PA), a década de barbárie perseguição oficializada pelo Estado que vigorou por 10 anos foi um dos piores momentos da nossa história desde o Brasil Colônia. “Não só cassaram nossa liberdade, mas mutilaram a democracia, os lutadores, aqueles que sempre brigaram pela liberdade”, afirmou o senador
A radicalização da ditadura, ou “a revolução dentro da revolução”, como também definiu Passarinho, respondia ao crescimento do movimento social contra o regime. Durante aquele ano, a juventude, em especial, tomou às ruas do país contra a repressão, culminando com a “Passeata dos 100 mil”, no Rio de Janeiro, em 26 de junho. No início do ano, policiais militares invadiram o restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, resultando na morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto.
[blockquote align=”none” author=”Senador Paulo Rocha (PT-PA)”]A manipulação política e midiática elegeu alguém que também manda “às favas” a liberdade, a igualdade, a justiça, a dignidade das diferenças, de raça, cor, gênero e até de riqueza[/blockquote]
Um discurso do deputado Márcio Moreira Alves pregando boicote às comemorações de 7 de setembro, em protesto contra a ditadura, teria sido a “gota d’água”, segundo o ex-ministro da Agricultura, Ivo Arzua, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 2008. Um dos 24 integrantes do conselho que aprovou a medida de exceção, Arzua disse na mesma entrevista que o “clima já estava tenso”.
Lembrando que o autor da infeliz frase que marcou o AI-5 foi um dos pilares da ditadura no estado do Pará, o senador Paulo Rocha diz que a recente eleição trouxe de volta similar desprezo pelo povo. Para ele, a manipulação política e midiática elegeu alguém que também “manda às favas a liberdade, a igualdade, a justiça, a dignidade das diferenças, de raça, cor, gênero e até de riqueza”.
Emergindo de um período de “golpes dentro do golpe”, o país corre o risco de ter um zumbi de AI-5 por meio da aprovação de uma “lei anti-terror” pelo Congresso Nacional. No texto de um projeto, tentam criminalizar pessoas e entidades por “motivação política, ideológica ou social”. Em outro, propõem “indisponibilidade de bens” de acusados de “terrorismo” e a pedido de autoridades externas.
Os projetos preveem que pessoas sejam acusadas de vinculação com atos ou grupos terroristas, a requerimento de autoridade estrangeira, de países indeterminados, e não somente do Conselho de Segurança da ONU.
“São textos que se afiguram claramente inconstitucionais, violando diversos dispositivos que conformam o direito de defesa e o devido processo legal, sepultam os princípios da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, previstos na Carta de 1988”, adverte a assessora jurídica da liderança do PT no Senado, Tânia Maria de Oliveira, em artigo publicado pelo portal Brasil, 247.
“Projetos dessa natureza não possuem qualquer intenção outra senão a perseguição e criminalização dos movimentos organizados em luta por seus direitos e de adversários políticos, como publicamente verbalizado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro”, afirma a assessora jurídica da liderança da Bancada do PT no Senado Federal.