Em março de 2017, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, determinou a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, para que ele revelasse sua fonte – constitucionalmente resguardada – de informações sobre as operações da força-tarefa da Lava Jato. Apreendeu celular e computador do jornalista.
Em agosto de 2020, o juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro, determinou que o Jornal GGN, editado pelo jornalista Luis Nassif, retirasse do ar todas as reportagens relacionadas ao banco BTG Pactual, relacionadas à compra de carteiras de crédito de R$ 2,9 bilhões do Banco do Brasil.
Em setembro de 2020, a juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio de Janeiro, proibiu a TV Globo de exibir documentos sigilosos sobre o caso das “rachadinhas” envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, supostamente para evitar que a “imagem de homem público” do parlamentar fosse afetada.
Os três episódios, longe de serem casos isolados, são exemplos de como o Poder Judiciário pode se comportar no sentido de proteger interesses particulares, na divulgação de fatos de evidente interesse social.
A liberdade de imprensa está contida no direito fundamental à liberdade de expressão. Uma imprensa livre é condição necessária à manutenção de um Estado Democrático de Direito.
É por meio de matérias veiculadas nos meios de comunicação que cidadãos e cidadãs podem obter informações e formar opiniões sobre fatos de interesse público e ações de governos, o que possibilita influenciar nas decisões governamentais e em escolhas mais conscientes de quem os representaria melhor.
Não há nenhuma novidade em afirmar que governos autoritários precisam debilitar as instituições do Estado Democrático de Direito. Porque são elas que reúnem as condições para limitar seus projetos e deter a escalada repressiva em direção a uma ditadura. Pela mesma razão, os projetos de inspiração fascista demandam desconstituir a pluralidade e fazer calar o senso crítico remanescente. Não por acaso, seus primeiros alvos são a imprensa e a educação pública.
Evidentemente, o dever de informar, justamente por sua importante função de formação da opinião pública, influenciando a política, a economia e outras esferas sociais, tem que vir acompanhado da responsabilidade, prudência e checagem da veracidade das notícias e idoneidade das fontes.
Certo que a liberdade de imprensa, a exemplo dos demais direitos fundamentais postos na Constituição Federal de 1988, não possui um caráter absoluto, e pode sujeitar-se a restrições. A privacidade e a honra das pessoas são parâmetros que devem pautar as atividades dos jornalistas. O exercício dessa liberdade pressupõe responsabilidade e não dá carta branca àqueles que a exercem. Abusos podem e devem ser contidos.
O governo de Jair Bolsonaro não possui qualquer respeito pela imprensa livre e o presidente já fez questão de demonstrar isso incontáveis vezes, sendo os exemplos mais emblemáticos a ofensa à repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, com insulto de cunho sexual e, mais recentemente, quando ameaçou verbalmente um repórter do jornal O Globo.
A Constituição de 1988 consagrou a liberdade de manifestação do pensamento como um dos direitos fundamentais do indivíduo. Contemplou, também, o direito coletivo à informação, além de dedicar capítulo específico à comunicação social. Se nada de surpreendente há nas ações truculentas do Presidente da República, a restrição indevida à liberdade de imprensa pela atuação do Poder Judiciário, por decisões proferidas no âmbito das mais variadas instâncias, que vão se somando de forma espantosa, são sintomas de uma sociedade com instituições doentes.
O exercício da democracia impõe esforço e aprendizado contínuos. A liberdade de imprensa conta com garantias legais e constitucionais. Nesse sentido, é no mínimo singular que a censura e coação emanem de ordens judiciais, sob as mais estapafúrdias justificativas. Que sejam juízes – os “árbitros imparciais” com poder de aplicar as leis – que estejam fazendo o jogo mais rasteiro de restrição indevida da liberdade de imprensa, que se soma aos episódios de violência e ameaças a jornalistas feitas pelo chefe do Poder Executivo.
Em momentos de polarização de ideias e exacerbação de opiniões, como é, sem dúvida, o que vivemos, já há algum tempo, a interferência indevida, mediante atos judiciais que limitam a atividade dos profissionais da imprensa, impedindo a veiculação de determinados conteúdos, em evidentes escolhas ideológicas, é nefasto.
Muito mais do que uma ingerência indevida, a seleção, a partir de critérios totalmente subjetivos, do que pode, ou não, ser divulgado, indica um nível de controle estatal realizado por um ativismo judicial fora das regras ou, melhor dizendo, de acordo com as regras da má política.
Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato