Lindbergh: a profanação dos mortos é algo que nem o Homem de Neanderthal fariaO senador Lindbergh Farias (PT-RJ) fez um protesto indignado contra a agressão montada por antipetistas no velório do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, ex-senador José Eduardo Dutra (SE), na última segunda-feira (5). Lindbergh também cobrou responsabilidade às lideranças do PSDB, que ficaram em silêncio diante das manifestações de ódio. “Não vi aqui qualquer condenação de membros do PSDB ao fato de fascistas jogarem panfletos no velório de Dutra”, reclamou. “Está na hora de os líderes tucanos falarem para os seus setores mais raivosos: ‘Isso não’. Estão compactuando com práticas fascistas”.
Na última segunda-feira (5), panfletos apócrifos foram jogados no local onde era velado o corpo de José Eduardo Dutra. “Petista bom é petista morto”, diziam os panfletos. Um grupo de quatro manifestantes também compareceu ao local com cartazes ofensivos ao partido dos Trabalhadores e ao ex-presidente Lula. Dutra (PT-SE) morreu na madrugada do último domingo (4), após uma longa batalha contra o câncer.
Lindbergh citou uma mensagem postada por Dutra na rede social Twitter, em março do ano passado, por ocasião da morte do então presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, de quem o ex-presidente do PT tinha sido colega de Congresso. No texto, Dutra solidarizava-se com a família de Guerra e lamentava sua morte, colocando sua humanidade acima das divergências políticas. “O oposto do que aconteceu ontem”, lamentou Lindbergh.
O senador destacou que a cena chocante causou profunda indignação em qualquer pessoa com o mínimo de civilidade. “Uma das características mais marcantes da nossa espécie, o homo sapiens, é enterrar seus mortos em rituais de despedida. Até mesmo outra espécie do gênero homo, o neanderthal, já enterrava cuidadosamente os seus mortos. Os mortos fazem parte do sagrado, pois eles são a ponte entre esta vida e outra vida”, lembrou Lindbergh. Mas o respeito aos mortos, universal nas culturas humanas, faltou à pequena horda antipetista que se mobilizou para espalhar panfletos apócrifos no velório do ex-senador. “A profanação dos mortos é algo que nem os Homens de Neanderthal fariam”, criticou o senador petista.
Embora chocante, o ato não chegou a ser surpreendente. “Infelizmente, no Brasil doentio e neoudenista de hoje, essas manifestações insanas de ódio político contra o PT e a esquerda em geral tornaram-se corriqueiras, quase banais”. São atos, denunciou o senador, tratados como “normais” e “irrelevantes” pela imprensa conservadora e pela oposição, como ocorreu no atentado a bomba contra o Instituto Lula, que mereceu parcas linhas na mídia e comentários jocosos nas redes sociais. “Só faltaram dizer: ‘Bem feito!’. Jogaram uma bomba contra o Instituto Lula? ‘Bem feito!’. Morreu um petista de câncer? ‘Bem feito! Que morram outros!’, indignou-se o senador.
Lindbergh alertou para um traço que ameaça unir o Brasil de hoje à Alemanha nazista, que é a “banalização do mal”, como definiu a filósofa Hannah Arendt. “Gente normal, comum, acha aceitável e desejável a violência contra petistas, marxistas, esquerdistas, bolivarianos e outros tais”. O ódio patológico escorre dos círculos insanos para tratar como “aceitável” que petistas, simpatizantes do governo, representantes de movimentos sociais ou esquerdistas, de um modo geral, sejam insultados, agredidos em restaurantes, aeroportos, hospitais ou mesmo em velórios.
Essa escalada de ódio político, alertou Lindbergh, é extremamente perigosa. “Se nada for feito, em breve se considerará normal agredir fisicamente, ou mesmo assassinar petistas, assim como se considerou normal e desejável em outros momentos da história, assassinar índios, por exemplo, na grande guerra contra os nativos americanos dos Estados Unidos da América”. É dessa guerra genocida, aliás, que foi tomada emprestada a frase usada no ataque ao velório de Dutra, cunhada pelo General Philip Sheridan, para quem “índio bom” era “índio morto”.
Lindbergh salientou que essa mentalidade — que, em última instância, criou Auschwitz— autoriza e se acumplicia com a violência contra um determinado grupo, político, étnico, religioso, de orientação sexual, tornada “aceitável” pelo ódio que desumaniza tanto o alvo do ódio quanto aquele que odeia. “Desumaniza até mesmo os mortos. O ódio exige cadáveres insepultos”, apontou o senador, lembrando o genocídio armênio (1915-1917), quando as autoridades turcas impediam as famílias de enterrarem seus mortos.
“Esse ódio, porém, não é natural. Não surge por geração espontânea”, alertou Lindbergh. Citando Nélson Mandela, ele explicou que “ódio é algo que se ensina, ninguém nasce odiando. O ódio se aprende e normalmente se aprende com desinformação, com distorção e com mentiras. É necessário desumanizar e demonizar o alvo do ódio para que o ódio seja considerado algo normal e desejável”, seja atribuindo as mazelas da Alemanha do início do Século 20 aos judeus, seja afirmando que os integrantes do povo tutsis eram “baratas”. O resultado foram seis milhões de judeus trucidados nos campos da morte espalhados pela Europa, nos anos 40, e 800 mil tutsis abatidos a golpes de facão em Ruanda, entre 6 de abril e 4 de julho de 1994.
Para Lindbergh, uma parcela considerável da grande mídia e setores irresponsáveis da oposição vêm se encarregando, há anos, de gerar um clima propício para essa barbárie que chegou ao cúmulo da profanação de um velório. “Há uma campanha baseada nos ensinamentos de Goebbels (ministro da propaganda do governo nazista da Alemanha), que repete insistentemente mentiras para torná-las verdades”. Um exemplo recente é a reiterada tentativa de atribuir a Lula a prática de “crime” fazendo lobby para as grandes empreiteiras nacionais. “Esta semana, quando o Ministério Público da Suíça denunciou o Presidente da Câmara dos Deputados, que tem dez contas secretas naquele país, o que fizeram as revistas semanais? Voltaram a assestar suas baterias contra Lula. Substituíram a divulgação da corrupção comprovada pela divulgação de crimes fictícios”.
Lindbergh foi aparteado pelos senadores Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) que manifestaram a solidariedade à memória de José Eduardo Dutra e a seus familiares pela agressão ao velório. Também se manifestaram os senadores petistas Jorge Viana (PT-AC), Fátima Bezerra (PT-RN) e Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Randolfe leu uma nota da bancada da Rede Sustentabilidade no Congresso na qual o partido repudia as manifestações de ódio registradas durante o funeral de José Eduardo Dutra. “Uma democracia se constrói no respeito às diferenças e que as arenas para os embates democráticos devem ser o Parlamento, as urnas e as ruas, nos processos de mobilização social. Isso não inclui o desrespeito à memória, à honra e ao luto”, afirma a nota da Rede. Randolfe cobrou o respeito aos limites básicos do convívio democrático. “Em nome da democracia que foi conquistada em nosso País com tanto sacrifício, é necessário que se dê um basta em definitivo a esse conjunto de atitudes fascistas, seja a reação em relação a João Pedro Stédile, seja a bomba no Instituto Lula, seja essa atitude horrenda durante o velório de José Eduardo Dutra”, afirmou o senador pelo Amapá.
Antônio Carlos Valadares classificou a agressão ao velório de Dutra como expressão de “um espírito odiento, vingativo não sei de que, mas que constitui um exemplo diabólico, que não deve ser seguido pela sociedade brasileira”. Ele elogiou o artigo da jornalista Tereza Cruvinel que cobra providências no campo criminal contra o ato da última segunda-feira — o Código penal refere-se ao crime de vilipêndio aos mortos (artigo 122) ao crime de perturbação de cerimônia fúnebre (artigo 209). “O respeito aos mortos não é apenas um mandamento cristão, mas um pressuposto da civilização”, afirmou Cruvinel, citada por Valadares.
Conterrâneo de Dutra, Valadares lembrou que jamais viu o ex-presidente do PT desrespeitar um adversário, “seja em vida ou em morte”. Ele mostrou especial indignação com o presidente do PSDB de Sergipe, que se manifestou sobre a morte de Dutra pela rede Whatsapp em uma “nota agressiva, desnecessária, que ninguém compreendeu e que está sendo objeto de repúdio de toda a sociedade sergipana”. Valadares cobrou que o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, desautorize a o ato “covarde e criminoso” de seu correligionário.
Jorge Viana criticou o “ambiente de cinismo que setores da sociedade brasileira estão promovendo” e classificou a ação da última segunda-feira como “expressão dessa doença que está tomando conta do Brasil, essa crise civilizatória”. Fátima Bezerra acredita que a ruptura com todos os limites representada pela agressão a um velório possa servir de oportunidade para a reflexão de alguns setores da mídia e da oposição, que vêm alimentando a campanha de ódio. Gleisi defendeu que para se contrapor ao ódio e à intolerância é preciso trabalhar para recompor as relações. “Não podemos perder isso de vista”.
Cyntia Campos