Para o professor da UFRJ, não é qualquer violação que pode ser considerado crime de responsabilidade“Não há como se falar em crime sem prévia existência de lei e o que se está fazendo neste processo de impeachment é criar um crime após a conduta”. Esse é o resumo do depoimento do professor de direito e tributarista Ricardo Lodi Ribeiro no terceiro dia de julgamento da presidenta Dilma Rousseff. Ele defende que, ao longo do processo de impeachment, foi construída a narrativa de que havia uma conduta irregular. “Precisamos evitar as viradas jurisprudenciais com efeitos pretéritos, sob pena de a segurança jurídica deixar de existir no País, num tema tão grave como esse, onde está em jogo a vontade majoritária do povo brasileiro”, alertou.
Ouvido não como testemunha, mas como informante, a pedido da defesa, ele explicou, neste sábado (27) por que o afastamento da presidenta Dilma Rousseff não tem base legal. “Nem toda violação da Lei de Orçamento, em tese, constitui crime de responsabilidade e, se assim fosse, qualquer atentado à lei em sentido geral praticado pelo chefe do Poder Executivo geraria crime de responsabilidade”, explicou. Para o tributarista, “não se pode aproveitar esse espaço que a Constituição dá, dentro de um sistema de freios e contrapesos, para suprimir o mandato presidencial sem que se configure a existência de um crime de responsabilidade”.
Além do mais, as mudanças no entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) que resultaram na acusação contra a presidenta Dilma Rousseff são irregulares, porque só deveriam valer para casos futuros e não passados, como foi o caso da presidenta, acrescentou. Lodi disse que a Lei do Impeachment e a Constituição só preveem crime de responsabilidade para a violação da Lei Orçamentária. E Dilma está sendo acusada de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). ”Embora alguns pontos da Lei de Responsabilidade Fiscal se insiram dentro do Direito Orçamentário, o que a Lei do Impeachment e a Constituição Federal coíbem é o atentado à Lei de Orçamento, ou seja, às leis alocativas de receitas e despesas. Uma extensão máxima seria possível em relação à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e ao Plano Plurianual, nunca à Lei de Responsabilidade Fiscal”, explicou, categórico.
Outro grave problema no processo contra a presidenta, segundo Lodi, é o fato de que o TCU mudou seu entendimento sobre os decretos de crédito suplementar a partir da edição de um acórdão (decisão) do dia 7 de outubro de 2015. “Os decretos são de julho e agosto de 2015”, demonstrou. “Então, o que temos aqui é uma criação de Direito novo, não por alteração da letra da lei, mas por alteração da interpretação que esta lei recebeu dos seus vários aplicadores, seja no âmbito da doutrina, seja no âmbito dos tribunais, seja no âmbito do Tribunal de Contas e dos técnicos do Governo”, acrescentou.
Sobre a acusação de atraso no repasse de pagamentos para os empréstimos do Plano Safra, Lodi repetiu o que já havia dito quando falou à Comissão Especial do Impeachment: os atrasos não podem ser considerados uma operação de crédito. “Portanto, quando se diz que o Ministério Público considerou que operação de crédito, que o inadimplemento do Plano Safra não constitui operação de crédito e por isso mandou arquivar o inquérito no que tange a essa parte, evidentemente se está configurando, na esfera penal, que inadimplemento de subvenção econômica não se confunde com operação de crédito, que, evidentemente, tem consequências para esse processo também”.
Lodi referia-se ao parecer do procurador da República Ivan Marx, que isentou a presidenta de responsabilidade no episódio conhecido como “pedaladas fiscais”, considerando que não se tratava de uma operação de crédito. ”Quando se diz que o Ministério Público considerou que o inadimplemento do Plano Safra não constitui operação de crédito e por isso mandou arquivar o inquérito no que tange a essa parte, evidentemente, se está configurando, na esfera penal, que inadimplemento de subvenção econômica não se confunde com operação de crédito, o que, evidentemente, tem consequências para esse processo também”, analisou.
“Existe crime sem autoria?”, questionou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), referindo-se ao suposto envolvimento da presidenta nos atrasos do Plano Safra. Lodi respondeu que, legalmente, a questão envolvida no processo não vincula a presidenta afastada a uma competência em relação aos decretos e ao Plano Safra.
“O que para nós fica claro é que há uma tentativa, aqui no Senado, de enquadrar as pedaladas fiscais na hipótese de crime de responsabilidade, o que não encontra nenhum suporte jurídico por tudo o que nós ouvimos ao longo desses três dias”, resumiu o senador Paulo Paim (PT-RS). Para ele, o que querem, na verdade, é “dar uma pedalada na democracia”.
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), depois de todo o processo contra a presidenta, ainda restam dúvidas essenciais; “qual foi o crime e qual a lei que Dilma desrespeitou?”. Da explicação de Lodi ficou claro que não há lei que estabeleça que a meta deva ser considerada em prazo inferior ao anual. Pelo menos não até a edição do acórdão do TCU, quando houve o que Lodi chamou de “virada jurisprudencial”. “Houve uma alteração de 2009 para 2015, até porque nos relatórios bimestrais se faz uma projeção futura, se coloca nesses relatórios bimestrais todos os projetos de lei que o Governo, o Poder Executivo espera que sejam aprovados, não só de mudança de meta, mas de reajuste de servidor”, disse.
“Há golpe se o impeachment for decretado sem crime de responsabilidade. Não há golpe se o impeachment for decretado com a existência de crime de responsabilidade”, resumiu. Ou seja, não houve crime de responsabilidade. E, se não houve crime de responsabilidade, não há motivo legal para afastar a presidenta. “Os defensores do impeachment perguntam onde estão os tanques e as baionetas para dizer que não há golpe, afirmam que o processo segue um rito constitucional, mas não conseguiram provar que a Presidenta Dilma cometeu crime de responsabilidade. Daí por que nós temos insistido que um processo de impeachment sem a comprovação de crime de responsabilidade é golpe”, concluiu a senadora Fátima Bezerra (PT-RN).
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu a Ricardo Lodi que fizesse uma comparação entre os processos de impeachment de Dilma e do ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTC-AL). Ele disse que, ao contrário de Dilma, Collor foi julgado e condenado por corrupção passiva pelo Senado. Quando o processo foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal, o crime já estava prescrito. Por isso, Collor só foi julgado sob a acusação de peculado e acabou absolvido por falta de provas. “No caso de Dilma, a acusação nas duas esferas é a mesma (a prática de operações de crédito com banco público controlado pelo governo) e, na esfera de crime comum, o processo foi arquivado”, explicou.
Giselle Chassot
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