Nesta sexta-feira (20), Dia da Consciência Negra, o ex-presidente Lula lembra das bandeiras históricas da população negra contra o racismo e a desigualdade e celebra a luta libertadora de Zumbi dos Palmares. Em mensagem gravada e distribuída pelas redes sociais, Lula afirmou que o histórico processo de discriminação, presente desde o fim da escravidão está na “raiz das desigualdades sociais e raciais do Brasil de hoje”.
“Este é um dia que todos os brasileiros têm de celebrar, independentemente de raça e cor. Porque esse é um dia que define nosso país, o que somos e o que podemos ser”, disse o ex-presidente. Lula lembrou de uma viagem que fez em 2005 à Ilha de Gorée, na Costa do Senegal, local onde escravos eram enviados contra a vontade para as Américas, “para nunca mais voltar” e perdendo, “definitivamente, sua terra, sua família e sua liberdade”.
O presidente relatou, que durante a viagem, foi tomado pela emoção e pediu desculpas ao povo africano. Ele lembrou que nada menos do que 12,5 milhões de africanos foram escravizados e enviados para as Américas e o Caribe durante mais de três séculos. Milhares deles jamais testemunharam o desembarque, morrendo no caminho, vítimas de condições subumanas dentro dos navios. Só no Brasil, quase cinco milhões de escravos passaram pelos portos brasileiros.
Segundo o ex-presidente, a escravidão começou assim, pelo processo que forçou africanos escravizados ao esquecimento forçado de suas origens e “da condição humana”. “O racismo se mantém, em grande parte, pelo esquecimento do processo que nos formou como país”, afirmou Lula. Daí a importância do dia 20 de novembro, aponta o líder petista.
“Instituído na data da morte de Zumbi, herói da luta contra a opressão dos colonizadores em Palmares, este dia lembra o que não pode ser esquecido”, adverte Lula. Além da escravidão, a data também marca “o exemplo da luta gloriosa do povo negro por sua libertação”, no “amanhecer corajoso de Zumbi e Dandara em Palmares”.
Construção da identidade nacional
“Esse dia recorda que o Brasil foi construído também por mãos negras e escravizadas e pelo talento de muitos filhos de escravos”, disse Lula, citando personagens fundamentais na construção da identidade nacional: Machado de Assis, Lima Barreto, Maria Firmina, Luís Gama, José do Patrocínio, João Cândido, Carolina de Jesus, Abdias do Nascimento, Conceição Evaristo, Gilberto Gil, Benedita da Silva, Martinho da Vila.
“O país de intelectuais negros e negras que ajudaram na formação da inteligência nacional e na compreensão da sociedade brasileira”, destacou, lembrando do papel de Milton Santos, Joaquim Nabuco, Lélia González, Manoel Querino, André Rebouças, Guerreiro Ramos, Beatriz Nascimento, Joel Rufino e Clóvis Moura. “A negritude está em todos nós, independentemente da cor da nossa pele. Somos filhos da África, existe uma grande e bela África no coração do Brasil”, declarou Lula.
Séculos de escravidão brutal e negacionismo
Ele lembrou que o país paga o preço por ter sido o último a acabar com o tráfico de escravos e o último a abolir a escravidão. “Vivemos quase quatro séculos de escravismo brutal”, lamentou. “Isso deixou marcas profundas na nossa sociedade”. Para Lula, são marcas estruturais, “que alguns querem negar e esquecer”, disse, citando o governo genocida de Bolsonaro, “totalmente empenhado em negar o papel da escravidão na formação do Brasil”.
“Temos um presidente que afirma que os quilombolas têm de ser pesados em arrobas, como gado, e que esses descendentes dos combatentes contra a escravidão não servem nem para procriar”, constatou Lula, condenando quem afirma não existe racismo no Brasil, como voltou a demonstrar o governo, na da infeliz declaração do vice-presidente, Hamilton Mourão, nesta sexta-feira (20).
Abismo social
Apesar de ter mais de 50% da população negra, o governo de homens brancos de Bolsonaro segue ignorando sua existência e aprofundando o abismo social que isola a população negra do exercício da cidadania. “No Brasil, a desigualdade e a pobreza têm cor”, aponta Lula. “Quase um terço dos negros brasileiros está abaixo da linha da pobreza”, disse Lula, citando dados do IBGE. Entre brancos, o índice é de 15%. A pobreza extrema atinge 9% dos negros e menos de 4% de brancos.
Lula lembrou ainda que as mulheres são as mais penalizadas no processo de exclusão social entre a população negra. “Mesmo com curso superior, elas ganham metade do que ganham homens brancos para exercerem a mesma função”, destacou. Além disso, lembrou, os negros são os maiores atingidos pela violência, principalmente os jovens, “vítimas de um genocídio”.
Estatuto da Igualdade Racial
Lula lembrou de conquistas fundamentais para a correção de injustiças históricas que foram marcas do seu governo e de Dilma Rousseff, como a criação do Estatuto da Igualdade Racial, o reconhecimento das terras dos quilombolas, e as cotas para o ensino superior e o funcionalismo público. “Hoje tenho certeza de que é necessário fazer muito mais”, aponta Lula.
“Se quisermos ter um futuro de justiça e democracia, precisamos combater e superar o racismo”, argumentou. “Não basta não ser racista, precisamos urgentemente ser antirracistas”. Com racismo, conclui o presidente, “não há sequer soberania”.
Repúdio ao assassinato de João Freitas
A mensagem de Lula foi encerrada com o repúdio e o lamento de Lula pelo assassinato de João Alberto Freitas ocorrido na noite de quinta-feira (19), em Porto Alegre, por um segurança do Carrefour e um policial. “Amanhecemos transtornados com as cenas brutais de agressão contra João Alberto Freitas, um homem negro, espancado até a morte no Carrefour. O racismo é a origem de todos os abismos desse país. É urgente interrompermos esse ciclo”, conclamou o ex-presidente.