Em entrevista à Carta Capital, Lula fala |
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma longa e franca entrevista a Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta, publicada nesse final de semana pela revista Carta Capital. Provavelmente relaxado pela confiança obtida pela enorme sucessão de entrevistas já concedidas a Mino, Lula fala sobre eleições com a intimidade de quem fala sobre futebol. Sobre as manifestações que tanto metem medo pelo noticiário, Lula se mostra aliviado pelo fato delas existirem, lembrando-se do tempo em que isso era proibido.
Lula surpreende na avaliação sobre a Copa do Mundo. Para ele, não se trata exatamente de uma oportunidade econômica, mas sim da circunstância única que o Brasil tem de aproveitar para “mostrar sua cara” ao mundo.
Na avaliação das gestões petistas, o ex-presidente coincide com a avaliação de a área de Comunicação está entre os principais entraves que impedem uma avaliação mais positiva das realizações de quase onze anos de gestão do PT. Se por um lado, a responsabilidade pelos problemas do setor pode ser atribuída ao próprio governo que , segundo ele, talvez não tenha sabido se comunicar; por outro, há a má-vontade dos empresários de mídia com o partido e seus governantes. Lula avança na crítica, ao mencionar as notícias que já nascem com avaliação negativa do governo, antes mesmo de serem apuradas. “Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é”, diz o ex-presidente que, durante a entrevista, voltou a defender a regulação da mídia, um dos itens das diretrizes do próximo mandado da presidenta Dilma Rousseff.
Mais uma vez, como em quase todas as suas recentes entrevistas, o ex-presidente esclarece que será apenas um “cabo eleitoral” de Dilma, mas deixou uma porta aberta para a possibilidade de voltar a disputar a corrida pelo Planalto. Mas só em 2018.
Na conversa de mais de duas horas com o jornalista Mino Carta, o petista falou também de Copa do Mundo e das eleições 2014.
Veja os principais temas abordados em mais de duas horas de entrevista:
Impacto da Copa sobre as eleições
“Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa ter qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele candidato”, afirmou.
Manifestações
“Ainda há pouco tempo a gente não esperava que pudessem acontecer manifestações”, disse, num tom de quem enfrentou a dureza da ditadura para obter conquistas básicas, como o próprio direito de se manifestar. Ele disse que os protestos são saudáveis, “porque o povo elevou seu padrão reivindicatório.
Ele acha, porém, que o respeito ao direito do outro é sempre o mais importante: “Quem quiser fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que levante, mas é importante saber que, assim como alguém tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o ingresso e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir aos jogos em perfeita paz”, disse.
Imagem do Brasil
“O que está em jogo é também a imagem do Brasil no exterior”, explicou, antecipando que não acredita em protestos violentos ou confusões. “Se houver, será tão marginal a ponto de ser punida pela própria sociedade”, disse
Para ele, a fazer o Mundial no Brasil significa muito mais que ganhos econômicos. A Copa do Mundo vai nos permitir, no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do Brasil do jeito que ele é.
Comunicação
Lula acha que o Governo não soube se comunicar, mas também não acredita em imprensa ”chapa-branca”. “Eu quero que tratem o PT como trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do seu mandato. Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma. Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é. Nunca liguei para o dono de mídia pedindo para fazer essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais por parte da comunicação, que é concessão do Estado. Respeito à instituição, e acho que eles saíram de um momento em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o pensamento único a favor de FHC, e contra o meu governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com agressividade ainda maior”.
Para o ex-presidente, “há uma predisposição ao negativismo, e isso contribui para a desinformação da sociedade”.
Reeleição
“Vem esse metalúrgico, que a gente supunha destinado a um fracasso total, e é um sucesso. Vem essa mulher aí, que agente achava um poste, e ela não é um poste. E essa mulher vai se eleger outra vez.”
“Estarei com Dilma onde ela achar conveniente estar. Preciso tomar muito cuidado, porque haverá na base aliada interesses de que eu não vá, porque a Dilma não pode ir, ela é candidata e da base aliada, mas eu tenho “compromisso com o meu partido. Eu sei que isso vai ser um problema, a gente vai ter de conversar e negociar muito.
Volta Lula
“Eu, graças a Deus, aprendi a ter responsabilidade muito cedo. E aprendi que, ao aceitar o terceiro mandato, por me achar insubstituível, poderia permitir que outros também achassem, com a possibilidade de alguém, algum dia, tentar o quarto. Não é prudente brincar com democracia. Cumpri meus dois mandatos, saí cercado pelo carinho do povo. Se, em algum momento, tiver de voltar, posso daqui a quatro anos. Mas não é a minha prioridade. Estarei então com 72 e acho que tem de ser gente mais jovem, com mais vigor físico e capacidade de administração. Mas em política a gente não pode dizer que não, nem sim. Nunca me passou pela cabeça voltar. Em todo caso, minha relação com a Dilma é muito forte, e de muito respeito e admiração pelo caráter dela. Bem formada ideologicamente e muito leal. Nunca iria disputar sua candidatura.Não faltou quem quisesse minha volta, mas quando o Rui Falcão botou em votação, deixei claro: “Quero que saibam, sou candidato a cabo eleitoral da companheira Dilma Rousseff para o segundo mandato à Presidência da República”.
Adversáriose ex-aliados“Conheço o Eduardo Campos, é meu amigo, gosto dele profundamente. Conheço o Aécio, ele não tem a mesma firmeza ideológica do Eduardo, tem outro compromisso, é um representante mais afinado com a elite. Mas a Dilma é a mais preparada. Fico triste que não conseguimos construir algo capaz de manter o Eduardo Campos junto da gente. Mas era destino.”
“Eu gosto muito da Marina, como figura humana. Foi minha companheira no PT por 30 anos, tenho por ela um carinho muito grande, mas acho que, de vez em quando, comete equívocos na análise política dela, meio messiânica. Imaginei-a candidata, e agora entra de vice. Nisso não consigo entender a Marina. Mas não confundo relação de amizade com a minha decisão política. Tenho amizade com o Aécio mais formal do que com o Eduardo e sua família.”
Constituinte e Reforma Política
“Não se destinaria a elaborar uma nova Constituição, e sim discutir a reforma política, exclusivamente. O Congresso tem de aprovar a ideia do plebiscito, e na convocação você diz o que é. E aí, não faltam recursos jurídicos para adotar a nomenclatura adequada. É insuportável governar com o Congresso tomado por tantos partidos. E preciso ter critério para organizar um partido, tem de haver cláusula de barreira”.
Giselle Chassot com informações da Carta Capital