É inadmissível que um país reconhecido como exemplo mundial de combate à fome pela maior autoridade internacional sobre o assunto, a FAO, das Nações Unidas, esteja sendo devastado pelo flagelo da desnutrição crônica. Foi nesse tom de indignação com a atual situação do Brasil que o presidente Lula concedeu entrevista à Rádio Jovem Pan de Sergipe, na manhã desta terça-feira (20). “Me parece que o governo perdeu totalmente o controle dos preços, sobretudo naquilo que é necessário à sobrevivência digna do povo”, avaliou o líder petista, apontando para a destrutiva política econômica do ministro Paulo Guedes.
“Temos 15 milhões de pessoas desempregadas, outras seis milhões não procuram mais emprego e mais 33 milhões que estão subempregadas. Estamos vivendo uma situação grave no país. Eu não esperava que a fome voltasse como voltou. Voltou forte”, lamentou Lula.
Em 2014, durante o governo Dilma, o Brasil havia deixado o chamado Mapa da Fome das Nações Unidas, uma radiografia dos países com pessoas vivendo em estado de insegurança alimentar grave. “Tenho 75 anos de idade, saí do Nordeste por causa da fome. E agora ver uma mulher à espera de um osso na fila de um açougue pra fazer uma sopa?! Como é possível essa situação num país que já foi a sexta economia do mundo? Ver o povo dormindo na rua. Não é possível”, disse. “A falta de respeito com o povo mais humilde desse país é total e absoluta, nunca vi nada igual no mundo”.
Lula reafirmou que é possível o país voltar a crescer e dar condições dignas de trabalho e moradia para a população, por meio de uma política de investimentos públicos, combinados a uma participação da iniciativa privada. “Se o poder público não toma a iniciativa de acreditar na sua própria política, de ser o indutor, o empresário não vai colocar dinheiro”, ressaltou.
Para Lula, o país precisa de alguém que goste dos brasileiros. “É possível o povo viver melhor, acordar todo santo dia e tomar café, almoçar, jantar. Que tenha emprego formal, com direito a férias, a assistência médica, a seguro-saúde”. Ele lembrou que os governos do PT foram os que mais geraram emprego na história: 22 milhões de postos formais.
Quadrilha das vacinas e CPI
Sobre a pandemia, além de atacar a atuação de Bolsonaro, cuja omissão na compra de imunizantes causou milhares de mortes por Covid-19, Lula condenou o que caracterizou como uma quadrilha de vacinas. “Resolveram criar uma quadrilha de pequenas empresas para comprar vacina, quando o Estado brasileiro poderia ter comprado na hora certa e ter salvo mais da metade das pessoas que morreram”, frisou.
Lula também elogiou o trabalho da CP da Covid, cujas investigações estão perto de identificar culpados pela tragédia sanitária no país e responsabilizar criminosos que atuaram dentro do Ministério da Saúde em esquemas de corrupção.
“Eu quero parabenizar os membros da CPI da Covid”, declarou. “Que a gente possa continuar demonstrando ao povo brasileiro todas as provas necessárias que o crime teve responsável, que foi o governo brasileiro. Em algum momento teremos um veredito. Ou impeachment ou interdição dele”, ponderou o presidente.
Petrobras, patrimônio do povo
Lula voltou a reforçar o papel da Petrobras no desenvolvimento das regiões do país, em especial do Nordeste. Para o presidente, a Petrobras não deve ser tratada apenas como uma empresa de prospecção de petróleo, mas como uma alavanca de oportunidades de geração de riqueza ao país, uma vez que sempre foi um patrimônio do povo brasileiro.
Ele criticou duramente a política de preços da gasolina, atualmente atrelada ao mercado internacional. “Não tem explicação a gasolina estar equiparada ao preço internacional”, argumentou. “Você poderia fazer isso se o Brasil fosse um país importador de gasolina, se fosse dependente de petróleo. O país é autossuficiente”, justificou.
“A única explicação é a da subserviência do governo brasileiro aos interesses norteamericanos. No meu governo, a gasolina tinha um preço nacional, não aumentamos o preço do gás”, lembrou o presidente. “Durante todo período do meu governo, o povo cozinhava a gás. A gente não via ninguém cozinhando mais a lenha, gente morrendo queimada. Não tem explicação essa política de preços”, concluiu.
Reforma política e novo golpe
Lula criticou o debate em torno da reforma política e disse que não é papel do presidente fazer reforma e sim dos partidos. “Por que não acontece a reforma? Porque a classe política não quer”, disse, apontando que não há interesse no Congresso.
Ele também disse considerar que o país tem partidos demais e que a fragmentação partidária prejudica a governabilidade. “Com poucos partidos, é possível criar uma coalizão, fazer acordos interpartidários, mas com 35 é complicado um acordo programático”, avaliou.
“Distritão não é reforma política, é um jeito deles se perpetuarem no poder. E semipresidencialismo é outro golpe pra tentar evitar que nós possamos ganhar as eleições”, definiu Lula. “Não dá pra brincar de reforma política, isso é coisa que tem que ser discutida com muita seriedade”.
Bolsonaro e o medo do voto eletrônico
Lula criticou Jair Bolsonaro por não governar o país e ainda estimular o golpismo pelo não reconhecimento do voto eletrônico. Para ele, a tese de fraude pela contagem eletrônica é estapafúrdia. “Se pudesse haver roubo no voto eletrônico, jamais o Lula, a Dilma, seriam presidentes da República. Se tivesse roubo, não teríamos vencido em 2014”, apontou Lula.
“O Bolsonaro, ao invés de ficar falando bobagem de voto impresso, deveria falar como vai gerar emprego, como vai fazer pra colocar comida na mesa do povo. Voto impresso é uma justificativa de quem não tem o que dizer pro povo”, disparou.
“Agora o Bolsonaro fica dizendo que se for derrotado nas eleições não vai entregar a faixa. Bolsonaro, pare de ser chucro. Pare de ser estúpido, ninguém quer receber a faixa de você. Pode deixar que o povo vai empossar o presidente eleito em 2022. E não será você”, alertou Lula.
Papel do PT
Lula ressaltou a importância do Partido dos Trabalhadores na vida política nacional e a preferência do povo brasileiro pela legenda, como demonstrado em recentes pesquisas de opinião. “A tentativa de destruir o PT foi muito grande e o PT continua a ser o partido mais importante nesse país”, disse, lembrando que o sucesso dos governos do partido foi o motivo por trás do golpe contra a Dilma e da sua prisão.
“Ah mas tenho medo do Lula… Medo do que? Medo do pobre comer? Medo do pobre ter emprego? Medo do pobre entrar na universidade? Tem medo do pobre competir com você na ascensão social? Vamos parar com essa bobagem!”, exclamou o presidente.
Ele reiterou que a principal bandeira do partido em 2021 é continuar brigando para garantir vacina para todos, auxílio de R$ 600 e uma política de crédito para que micro e pequenas empresas possam continuar a operar e gerar empregos.