Entrevista

Lula: “O povo quer mudança, e tenho consciência do que ele está passando”

Em sua primeira entrevista coletiva de 2022, Lula defende a reconstrução do país baseada no resgate da democracia e no combate à desigualdade social
Lula: “O povo quer mudança, e tenho consciência do que ele está passando”

Foto: Ricardo Stuckert

O ex-presidente Lula disse nesta quarta-feira (19), em São Paulo, durante sua primeira coletiva de imprensa do ano, que só será candidato à Presidência da República se for para devolver à população uma vida digna, o que passa, necessariamente, pelo resgate da democracia real no país.

“O Brasil de 2023 será um país muito mais destruído do que o de 2003”, alertou aos jornalistas dos veículos independentes convidados para o encontro. “Vai precisar de muita conversa, de muito mais paciência, de muito mais habilidade para reconstruir. Precisa de inteligência política, construir um grupo de pessoas que querem remar junto com você”, completou (assista à integra aqui).

O ex-presidente ressaltou que sua preocupação atual é garantir as condições necessárias para que, caso seja candidato e venha a ser eleito, consiga governar e implementar as mudanças necessárias. E, para alcançar esse objetivo, disse ter consciência de que é preciso construir alianças políticas.

“O povo quer mudança de verdade. O povo está com esperança e o povo sabe o que é viver bem. Nós temos que atender as aspirações da sociedade. Eu morei num quarto e cozinha com 13 pessoas. Eu tenho consciência do que o povo está passando”, afirmou Lula, emocionado.

“Então, eu não posso mentir, não posso ganhar e dizer ‘olha, não dá para fazer as coisas, desculpa, eu tenho que atender o mercado, atender a Faria Lima, preciso ter responsabilidade fiscal, manter o teto de gastos’. E o teto de comida, e o teto de emprego, e o teto de salário, e o teto de saúde? Quem vai devolver a este povo? Então, é esse cidadão, que acaba de ficar emocionado, que quer ser presidente, e se for, é para mudar, não é para continuar a mesmice”, afirmou.

 

Resgatar a democracia

Implementar as mudanças que tragam uma vida digna ao povo é, segundo Lula, o mesmo que resgatar a democracia. “A democracia não é um pacto de silêncio. A democracia é uma sociedade em evolução, em movimento, questionando e brigando, lutando, reivindicando, para que ela possa sempre aperfeiçoar a democracia e melhorar suas condições de vida”, definiu.

Na democracia, lembrou, o governo não deve servir, como o atual, apenas para “garantir dinheiro ao sistema financeiro”. “O sistema financeiro vai ter de aprender a, quando sentar com o presidente, não ficar discutindo apenas os seus interesses. Nós temos que estar preocupados com os milhões de brasileiros que estão dormindo na rua. Vamos ter de discutir por que a massa salarial tem caído tanto neste país e por que 74% das famílias estão endividadas”, disse. “Só tem uma razão para eu vir a ser candidato a presidente da República: para tentar provar que esse povo pode voltar a ser feliz”, completou.

 

O combate à desigualdade, disse Lula, deve estar no centro das preocupações do próximo governo, que precisa “colocar o pobre no orçamento e o rico no importo de renda”. “Só pelo fato de eu ter dito que está na hora de o movimento sindical começar a ficar atento às mudanças trabalhistas que estão acontecendo na Espanha, foi uma gritaria. Por isso fomos o último país a abolir a escravidão. Essas pessoas não se dão conta de que não há democracia sólida se a sociedade não estiver bem.

O desafio, frisou, é grande, mas não impossível. “A gente vai precisar mudar muita coisa neste país. Temos que definir algumas coisas para dar mais sustentabilidade aos de baixo e exigir mais compromisso com o Brasil dos de cima. Parece difícil, mas, se a gente sentar para conversar e construir uma força política, é possível a gente construir alguma coisa junto”, garantiu.

Respeito e soberania

“Quando a gente não se respeita, ninguém respeita a gente”, afirmou o ex-presidente Lula em resposta à pergunta do jornalista Rodolfo Lucena, do portal Tutaméia, sobre possível ingerência dos Estados Unidos em um futuro governo do PT.

“Tenho clareza do papel histórico dos Estados Unidos”, disse Lula. “Eu trato os Estados Unidos com respeito que acho eles merecem, mas quero que eles me tratem com o respeito que o Brasil merece”, continuou. “O Brasil não é serviçal deles. O Brasil é um país soberano”, sentenciou.

O ex-presidente ressalvou ainda que “muitas coisas que acontecem no Brasil dependem menos dos Estados Unidos e mais do complexo de vira-lata da elite brasileira”. Segundo Lula, em parte, “é ela que permite, é ela quem chama muitos desses golpes”, disse, se referindo aos fatos citados pelo entrevistador.

Lula disse reconhecer a importância dos Estados Unidos, assim como da China, da Rússia, da Índia, mas também de uma pequena ilha no Caribe. “Todos têm direito de ser soberanos, e cada um age de acordo com a sua força”, continuou. “E o Brasil tem muita força, basta que tenha coragem de utilizá-la”, completou.

“Agora, se o Brasil tiver um presidente que fica batendo continência para a bandeira americana, ou que rasteja aos pés de um presidente como Trump, não vai a lugar nenhum”, destacou Lula, lembrando o comportamento subserviente de Bolsonaro.

Para o líder do PT, o Brasil é o pais mais importante da América Latina e tem interesse em crescer junto com toda a América do Sul e os países do Caribe, e isso tem que ser respeitado. “Não temos que crescer sozinhos, temos de trazer todos os países juntos”, defendeu Lula, reafirmando a defesa unidade da região.

“Não somos quintal de ninguém. Vale para os Estados Unidos, vale para Rússia, para a Índia e vale para a Guiné-Bissau”, destacou Lula, afirmando a importância do resgate da postura soberana do Brasil diante do mundo. “A gente não vai aceitar interferência”.

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