Ricardo Stuckert

Lula e Pham Minh Chinh, primeiro-ministro do Vietnã, celebram novos investimentos e comércio bilateral
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Hanói foi mais do que um compromisso comercial. O encontro consolidou uma parceria estratégica que reposiciona o Brasil em um cenário geopolítico dinâmico, marcado pela ascensão asiática e pela busca por novos alinhamentos globais.
Entre os avanços, destacam-se a abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira, o fortalecimento das negociações com a Embraer e a assinatura do Plano de Ação para a Parceria Estratégica 2025-2030, que redefine prioridades bilaterais em defesa, tecnologia, sustentabilidade e segurança alimentar.
Brasil e Vietnã aprofundam relações diplomáticas
Além do comércio
O plano quinquenal assinado no Fórum Econômico Brasil-Vietnã, realizado no sábado (29), estabelece 15 áreas prioritárias, incluindo inteligência artificial, transição energética e segurança cibernética. “Adotamos um plano abrangente para avançar em setores estratégicos para nossos países”, afirmou Lula, em entrevista coletiva ao final da visita. O presidente destacou o interesse do Brasil em reconhecer o Vietnã como economia de mercado, facilitando investimentos e reduzindo barreiras comerciais.
A cooperação militar também avançou, com a assinatura de dois acordos para proteção mútua de informações classificadas e regulamentação das atividades de diplomatas e suas famílias, reforçando a confiança entre os países.
Carne bovina e portas abertas
A abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira representa um avanço estratégico para o agronegócio nacional. Com um setor alimentício em rápida expansão e uma população de 100 milhões de habitantes, o Vietnã se consolida como um destino promissor para as exportações desse produto. Segundo Lula, uma empresa brasileira pretende investir US$ 100 milhões para o processamento de carne naquele país.
Esse movimento reforça a posição do Vietnã como um parceiro estratégico na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), bloco econômico que Lula busca fortalecer como alternativa aos mercados tradicionais. Já o Brasil será “a porta de entrada do Vietnã para a América Latina”.
Embraer e a conectividade regional
As negociações para a venda de 50 jatos E190 à Vietnam Airlines fortalecem a Embraer no competitivo mercado asiático, posicionando-a como alternativa viável às gigantes Boeing e Airbus. Com uma aviação regional em franca expansão, o Vietnã busca aeronaves eficientes para conectar suas cidades e ampliar rotas na região.
“O Vietnã pode ser uma ponta de partida para que os aviões da Embraer […] tenham acesso ao mercado da ASEAN, que é extremamente importante”, destacou o presidente brasileiro.
Café, clima e cooperação ambiental
Outro ponto relevante é a proposta de união dos dois países, que estão entre os maiores produtores de café do mundo, no desenvolvimento de variedades mais resilientes às mudanças climáticas. Nesse ponto, Lula propôs ainda a inclusão do Vietnã no Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que remunera países por preservação ambiental.
Durante a coletiva, o presidente brasileiro reforçou a importância da COP30 em Belém, lembrando que “fazer uma conferência no coração da Amazônia é chamar o mundo à razão sobre o significado da floresta”. E reiterou a importância do real engajamento dos países mais ricos, que “já depredaram e degradaram o mundo há muito tempo”.
Lula destacou o fato de que na COP15, realizada em 2009, na Dinamarca, esses mesmos países prometeram dar 100 bilhões de dólares por ano para combater as mudanças climáticas, mas “até hoje não deram e já estão devendo 1 trilhão e 600 bilhões”.
Flores para Ho Chi Minh
A visita teve seu momento de simbolismo político. Lula aproveitou a viagem para levar flores ao mausoléu de Ho Chi Minh, o maior líder revolucionário vietnamita, que libertou o país do colonialismo e do imperialismo.
O presidente brasileiro ainda encontrou-se com as principais lideranças locais e destacou a trajetória de resistência do Vietnã. “Este país enfrentou França, China, EUA e venceu. É a prova de que bravura, não armas, define uma guerra”, afirmou.
Comércio bilateral e integração ao BRICS
O comércio bilateral entre os dois países saltou de US$ 534 milhões em 2008 para US$ 7,7 bilhões em 2024. Mas com os novos acordos as metas são ainda mais ambiciosas: o objetivo é que as transações atinjam US$ 15 bilhões até 2030.
Lula aproveitou ainda para formalizar o convite para que o Vietnã participe da Cúpula do BRICS no Rio e da COP30 em Belém, ampliando sua presença em fóruns onde o Brasil exerce papel de liderança.
Governança global
Durante a entrevista, Lula ressaltou a importância da criação de uma nova governança global. “Nós não podemos continuar apenas com os mesmos cinco países que dirigem a ONU desde 1945”. E citou países como a Nigéria, com 226 milhões de habitantes, o Egito, 106 milhões, o Brasil, 210 milhões e a Índia, 1 bilhão e 400 milhões, lembrando que “nenhum de nós faz parte do Conselho de Segurança”.
O presidente ressaltou que essa reestruturação precisa também atingir as instituições financeiras, como o FMI e o Banco Mundial. E declarou que, para mudar isso, “vai brigar, vai fazer discurso, vai conversar com as pessoas”.
Lula ainda abordou a disputa comercial com os Estados Unidos, destacando que o Brasil quer esgotar todas as possibilidades de diálogo antes de recorrer a medidas como a imposição de tarifas recíprocas ou a ação na OMC. E deixou claro que não há problema em conversar com o presidente Trump se isso for necessário para buscar um entendimento que beneficie ambas as nações.
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Um novo eixo
Mais do que assinar contratos, a visita ao Vietnã consolidou uma visão estratégica: o Brasil busca ampliar suas alianças sem se prender às disputas entre as grandes potências.
Enquanto os EUA pressionam por um desacoplamento econômico, o Brasil constrói pontes, aposta na cooperação e fortalece sua presença no cenário global. No tabuleiro asiático, Lula demonstra que o Brasil não é um coadjuvante, mas um jogador que define seus próprios movimentos.