O presidente Lula sancionou, em 31 de outubro, a lei 14.713/2023, que altera o Código Civil e o Código de Processo Civil. O novo instrumento legal afirma que a guarda compartilhada será proibida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar provocada por um dos genitores. Apesar de a lei não especificar nenhum gênero, é notório que as mulheres seguem como principais vítimas das violências que ocorrem dentro dos lares.
A pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de março deste ano, revelou “que e mulheres com filhos apresentam prevalência de violência por parceiros íntimos superiores às que não têm filhos. Entre mulheres com filhos, 13,2% disseram ter vivenciado essa forma de violência por parte dos parceiros íntimos, ao passo que entre as mulheres que não têm filhos a prevalência foi muito menor, de 3,4%”.
Os dados do FBSP comprovam que os parceiros seguem como principais algozes, e ter uma lei que afaste do lar o agressor é fundamental: “Nesse sentido, a Lei nº 14.713/23 surge para evitar casos de violência física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial previstas na Lei Maria da Penha, para aqueles ex-casais que têm filhos e que compartilham a guarda deles”, informa Mylla Bispo, advogada, professora e mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Para ela, a nova lei traz a possibilidade de uma guarda unilateral para a mulher vítima de violência, “no intuito de que ela não necessite da autorização desse pai agressor para as atividades cotidianas, para a discussão e acompanhamento do dia a dia da criança e do adolescente.”
O FBSP afirma ainda, na mesma pesquisa, que quase 30% das brasileiras afirmaram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão no ano de 2022, o que corresponde a 18,6 milhões de mulheres acima de 16 anos. Já o estudo “Violência contra Meninas e Mulheres em 2023”, também do Fórum, apontou que feminicídios e homicídios femininos tiveram um crescimento de 2,6% este ano quando comparado com o mesmo período do ano anterior.
Mudança no Direito de Família
O novo instrumento legal pode representar um divisor de águas no Direito de Família, quando se trata de violência doméstica e guarda de filhos, pois a nova legislação também garante que “antes de iniciar a audiência de mediação e conciliação de guarda (…) o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar.”
Bispo já atuou em diversos casos em processos de Direito de Família, onde, segundo relata, os magistrados das Varas Cíveis de Família se portavam da seguinte forma: “Uma coisa é o processo de família e outra é o processo criminal envolvendo possível crime previsto na Lei Maria da Penha”.
A mestra que, desde 2018, advoga para mulheres em situação de violência, explica que não é possível dissociar as questões familiares pós-divórcio ou dissolução de um casal – um exemplo das ações de proteção dos menores -, das violências sofridas pelas mulheres em suas casas, e isso traz diversos reflexos negativos em sua vida mesmo após o afastamento de seu agressor.
“Ainda que em nossos processos de tramitação nas Varas de Família foram acostados boletins de ocorrência, decisões deferindo Medidas Protetivas de Urgência (MPU) pelo juiz competente e outros documentos comprobatórios de violência doméstica, esses, na maioria dos casos, não foram apreciados pelo juiz das Varas de Família no momento de decidir sobre o tipo de guarda”, explicou.
“Com tal inovação legal, tendo elementos como denúncias, processos criminais em tramitação, MPUs em vigor que evidenciam a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, a guarda compartilhada não poderá ser determinada pelo magistrado. Para tanto, o juiz deverá consultar os pais e o Ministério Público sobre o risco de tal violência envolvendo o casal ou os filhos, antes da audiência de conciliação”, detalhou.
Principais temores das mães
Bispo, que já foi voluntária na ONG Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, localizada em Maceió (AL), conta que sempre atendeu mulheres com os seguintes medos: como será o exercício da guarda compartilhada? Tem direito a Medidas Protetivas? Como a Justiça pode determinar isso? “Muitas informaram que não tinham nenhuma rede de apoio, como família ou amigos, que pudesse ajudar.”
Desde a criação da Lei Maria da Penha nº11.340, em 2006, foram 11 alterações para aperfeiçoá-la, segundo o FBSP. Ela explica ainda que a referida lei, no artigo 22, onde trata-se das Medidas Protetivas de Urgência, prevê que, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes MPUs: restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.
“Verifica-se que as Medidas Protetivas de Urgência visam conceder proteção máxima à vítima de violência doméstica, estendendo seus efeitos ao seu núcleo familiar. Entretanto, o dispositivo acima mencionado, muitas vezes, não foi observado no processo cível. Assim, como forma de garantir a maior segurança da(s) vítima(s), inclusive sob a ótica do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021, os juízes de Família deverão observar a nova legislação sobre a temática”, informa.
Da Redação do Elas por Elas , com informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública