O presidente Lula vetou os trechos do projeto que, entre outras coisas, estabelecia a data de promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A decisão foi anunciada pelo presidente nesta sexta-feira (20/10).
Além do marco temporal, o projeto tratava de uma série de outras normativas sobre a ocupação de terras e sobre os povos originários. Por exemplo, criava mecanismos para dar mais transparência ao processo de demarcação – e que foram mantidos pelo presidente Lula com a sanção de parte do projeto –, enquanto interferia nos “traços culturais das comunidades” e permitia “retomada de terras já demarcadas” – pontos vetados.
Nas redes sociais, o líder do PT, Fabiano Contarato (ES), destacou a decisão como um cumprimento de promessa de campanha do presidente Lula.
“Com determinação, o presidente Lula consolida sua promessa de campanha, vetando o marco temporal. A violência contra os povos originários não pode jamais contar com a digital dos verdadeiros democratas e defensores das liberdades fundamentais. Não admitiremos retrocesso!”, aponta o senador.
Líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP) defendeu os vetos de Lula ao projeto e convocou os povos originários e a sociedade brasileira “na defesa contra os retrocessos aos direitos consagrados aos indígenas na Carta de 1988”.
Entendimento do STF mantido
A decisão do presidente da República segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a tese do marco temporal no dia 21 de setembro, por 9 votos a 2. Foram retiradas todas as menções à temporalidade.
“Vetei hoje vários artigos do Projeto de Lei 2903/2023, ao lado da ministra Sonia Guajajara [Povos Originários] e dos ministros Alexandre Padilha [Relações Institucionais] e Jorge Messias [Advocacia Geral da União], de acordo com a decisão do Supremo sobre o tema”, explica Lula.
O presidente destaca ainda que seguirá o diálogo para garantir os direitos dos povos indígenas, uma bandeira histórica do Partido dos Trabalhadores.
“Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários”, disse.
Segundo a ministra dos Povos Originários, a Pasta fez uma análise minuciosa do texto, em articulação com outros ministérios, como a AGU. “Conseguimos olhar os artigos que já estão garantidos na Constituição Federal, portanto poderiam estar ali preservados. Podemos considerar uma grande vitória os vetos”, aponta.
Principais vetos
O presidente Lula retirou da proposta os pontos mais polêmicos do projeto. São eles:
. Permissão de cultivo de transgênicos em territórios indígenas, além da possibilidade de proibir ampliar áreas já demarcadas, como previsto no projeto aprovado;
. Flexibilização do contato com povos isolados ao autorizar entidades privadas a realizar ações supostamente de utilidade pública com essas populações;
. Previsão de indenizações a ocupantes que perderam a terra devido a demarcações;
. Comprovação dos requisitos que definem o que são terras tradicionalmente ocupadas ‘baseada em critérios objetivos’;
. Participação dos estados e municípios e partes interessadas na demarcação de uma área indígena;
. Intimação dos interessados desde o início do processo de demarcação e a permissão da indicação de peritos auxiliares;
. Contraditório e defesa aos interessados desde os estudos preliminares do processo de demarcação e indenizar as benfeitorias realizadas nas áreas em disputa;
. Autorização para não indígenas, que tivessem posse da área demarcada, usufruir da terra objeto da demarcação até que fosse concluído o procedimento demarcatório e indenizadas as benfeitorias;
. Possibilidade de a União tomar as terras novamente caso os traços culturais da comunidade indígena serem modificados com o passar do tempo;
. Possibilidade de operações das Forças Armadas e da Polícia Federal em áreas indígenas sem que as comunidades sejam consultadas;
. Permissão de instalação de estradas, redes de comunicação e outros equipamentos em terras indígenas;
. Proibição da cobrança de tarifas pelos indígenas pela utilização de estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou qualquer equipamento a serviço público em terras indígenas;
. Determinação de que os antropólogos, peritos e outros profissionais especializados, nomeados pelo poder público, e cujo trabalho fundamentem a demarcação, fossem submetidos às regras do Código de Processo Civil que trata sobre suspeição e impedimento;
. Permissão de turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade, e com a possibilidade de contratos para captar investimentos;
. Determinação de que o usufruto por indígenas em terras indígenas localizadas em unidades de conservação deveria ficar sob a responsabilidade do órgão federal gestor da área protegida.
Confira os vetos feitos pelo presidente Lula publicados no Diário Oficial da União: