Luz piscando forte – Por Marta Suplicy

Todas essas manifestações que vimos pipocando em diferentes países, que também se expressam de forma bastante própria em cada um deles, piscam numa mesma direção.

Luz piscando forte – Por Marta Suplicy

 

O comum parece ser a insatisfação, a raiva, o medo, a angústia e a indignação. Sentimentos que podem ou não ser canalizados perigosamente. Devem ser entendidos como indicação de que algo profundamente “errado” está acontecendo e não corresponde aos anseios desses jovens.

As manifestações utilizam presença, discursos, gritos, por vezes violência e instrumentos que antes não eram disponíveis. E nós, mesmo tentando entender, no máximo percebemos que há um novo movimento em uníssono, múltiplo e que tem uma capacidade gigantesca de propalar-se.

O novo parece ser, além da comunicação em tempo real e das redes sociais, o momento peculiar que o mundo vive. Nessas últimas semanas, o que era uma ação de jovens insatisfeitos pela percepção de que as portas para a realização de seus sonhos se estreitavam, tomou forma mais ampla e nítida: a sociedade está cada vez mais desigual.

Mas o que leva à manifestação, seja no Twitter ou indo às ruas, é se perceber fora do jogo. E eles têm razão, pois 20% dos mais ricos consomem 70% da produção mundial, enquanto os 20% mais pobres consomem menos do que 2%.

Essa disparidade, há um tempo atrás, não incomodava tanto aos jovens dos países ricos. Mas, na medida em que veem suas chances de emprego e consumo desabarem, a revolta contra os governos que produziram tal situação é imensa. Eles não têm respostas, eles querem solução. Querem luz no final do túnel para voltar a sonhar e realizar.

Os jovens se deram conta, antes dos trabalhadores mais velhos, que seus representantes não estão nem aí para o estreitamento de suas oportunidades de ascensão social, sua ânsia por liberdade, participação e democracia. Foi ficando claro que governos como os da Europa e dos Estados Unidos, que socorreram com mais de US$ 2,1 trilhões o sistema financeiro, não os representam.

As instituições mundiais e os sistemas eleitorais vigentes, assim como as regras que têm conduzido o mundo, estão caducas. Seria como se o mundo já estivesse tocando outra música e a orquestra continuasse na partitura anterior. Não dá. E como mudanças dessa profundidade nunca ocorreram com rapidez, encontramo-nos todos atônitos com a aceleração do processo.

Enquanto esses movimentos vão como nuvens se redesenhando, sem céu azul, fica a pergunta: para que e para quem servem esses governos? Não nos esqueçamos das faixas empunhadas em manifestações na Espanha: “Se não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”. A luz não vai parar de piscar tão cedo.

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo do dia 5/11/2011

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