A Petrobras e o Brasil são vítimas de uma péssima gestão. Os neoliberais, chamados jocosamente de “cabeças-de-planilha”, consideram-se gestores eficientes, que cortam gastos e aumentam lucros. Mas, realidade, são administradores míopes e irracionais, sem nenhuma visão estratégica.
O caso da atual administração da Petrobras é típico.
Ela assumiu a empresa com a intenção clara de aumentar, no curto prazo, o lucro da Petrobras, amortizar celeremente as dívidas e realizar um “plano de desinvestimentos” que, significa, na prática, a privatização fatiada da empresa.
Na esteira dessa lógica privatizante e de curto-prazo, campos do pré-sal e do pós-sal foram leiloados para empresas estrangeiras a um preço ridículo. O de Carcará, por exemplo, foi leiloado a um preço equivalente a US$ 2 o barril, cujo preço no mercado mundial já está alcançando os US$ 80. O mesmo aconteceu e acontece com outros ativos estratégicos da empresa, como gasodutos, plantas de gás, plantas petroquímicas e refinarias.
Mas, além desse plano de desinvestimentos e de privatização, a atual administração do imperador Pedro III montou estratégia específica para o segmento de refino, transporte, armazenamento e comercialização de derivados.
Esta estratégia teria, segundo Cloviomar Cararine Pereira, economista, técnico do Dieese na subseção da FUP (Federação Única dos Petroleiros) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP/FUP), três pilares:
1) “a promoção de uma nova política de preços e a maximização de margens na cadeia de valor (liberação geral dos preços, de acordo com as cotações internacionais + custos de internação e “riscos”);
2) a não garantia integral do abastecimento do mercado brasileiro, por entender que, em sua lógica de negócios, há a previsão do ingresso de mais agentes (privados) para o atendimento total da demanda; e;
(3) o desenvolvimento de parcerias no downstream, possibilitando a introdução de outros atores no refino e na logística”.
Assim, a estratégia central para o refino e a distribuição é a de atrair investidores privados a fim de aumentar a concorrência neste setor dentro do país. Como fazer isso?
Em primeiro lugar, liberar totalmente os preços, deixando-os flutuar livremente, sem nenhuma modulação estratégica de médio e longo prazo, o que introduz alta volatilidade no mercado, e também maximizá-los artificialmente, incorporando em seu cálculo fatores subjetivos, como os “riscos” políticos. Observe-se que, no governo Lula, o diesel foi reajustado 8 vezes, no governo Dilma, ele foi reajustado também 8 vezes e, no governo Temer, em apenas 2 anos, ele foi reajustado 229 vezes!
Em segundo lugar, reduzir a capacidade de utilização de suas refinarias, estimulando a importação de derivados por agentes privados (nacionais e internacionais).
Esses dois movimentos simultâneos aumentam muito o preço dos derivados do petróleo no mercado interno. É por isso que o preço do diesel no Brasil está bem acima do preço internacional do produto (50% acima). É por isso que o Brasil está com a segunda gasolina mais cara do mundo. É por isso que a população mais pobre não consegue mais comprar botijões de gás. É por tal razão que a economia brasileira está paralisando. É por isso que o Brasil está importando combustíveis de grandes petroleiras norte-americanas, como Chevron, Exxon, etc.
Ao mesmo tempo, aumentam as exportações de petróleo cru do Brasil. Muito desse combustível importado deve ter sido manufaturado com óleo brasileiro.
Tudo isso é feito, frise-se, não para “recuperar a Petrobras”, mas sim para atrair investidores privados para esse mercado, remunerar acionistas e vender partes da empresa.
Saliente-se que a Petrobras pretende vender quatro refinarias (Landolpho Alves, Abre e Lima, Getúlio Vargas e Alberto Pasqualini). Elas representam 40% da capacidade instalada da Petrobras no refino brasileiro. Neste sentido, a Petrobras está abrindo mão do controle de 40% da sua capacidade de refino no país, mesmo depois de ter consolidado os enormes investimentos nestas refinarias. Ademais, como ressalta Cararine Pereira, a empresa está criando competidores para si mesma, em um mercado muito rentável e do qual tinha total controle.
Na prática, isso significa uma menor participação da Petrobras no refino e uma menor utilização das suas refinarias. Também significa menor participação na distribuição. No caso do setor petroquímico, a coisa é pior, pois a Petrobras anunciou sua saída deste segmento.
Em suma, com essa estratégia privatizante e desintegradora, a estatal deixa de ser a empresa integrada do “poço ao posto”, como vinha sendo, para se tornar mera produtora e exportadora de petróleo cru, ou seja, uma empresa do “poço ao porto”.
Na realidade, essa política está matando a Petrobras como empresa integrada, capaz de gerar produtos de alto valor agregado e de estimular uma grande cadeia nacional de petróleo e derivados. Lembre-se que o governo Temer acabou com a política de conteúdo nacional e, agora, importamos navios e sondas da China, Coreia, Holanda, etc.
Uma empresa como a Petrobras tinha de ser gerida com amplo sentido estratégico, visando propiciar modicidade de preços para beneficiar o público e estimular a economia nacional. As empresas estatais chinesas e a francesa Total, por exemplo, são geridas com essa perspectiva e, mesmo assim, dão lucro.
A Petrobras, frise-se, sempre deu lucro operacional. Suas dificuldades conjunturais ocorreram após a grande queda do preço do petróleo e os efeitos profundamente negativos da Lava Jato. A Petrobras, que era a operadora única de uma das maiores jazidas de petróleo do mundo, nunca esteve nem perto de “quebrar”, como mentiram os interessados na venda do pré-sal e da empresa.
Entretanto, o imperador Pedro III gere a empresa como se fosse uma bolha privada, que não tem nenhuma relação com o resto da economia nacional e com o interesse público. A única coisa que importa é o lucro dos acionistas e os negócios privatizantes com os “parceiros”. Se para isso se cria uma volatilidade monstruosa e irracional, que se dane o público e o resto da economia.
Trata-se de uma política de país colonizado, que produz e exporta óleo cru. Assim, a Petrobras vai se assemelhar cada vez mais às petroleiras africanas, como a Sonangol angolana e a NNPC nigeriana, empresas que produzem apenas matéria-prima para as grandes petroleiras dos países desenvolvidos.
Quando os preços do petróleo saltaram no início da década de 1970, nosso grande Celso Furtado escreveu o seguinte:
“Poucas vezes um desafio tão sem ambiguidades se apresentou a um grupo de dirigentes, ampliando abruptamente o campo do possível……. Nos próximos dois decênios, a Venezuela poderá ter saltado a barreira que separa subdesenvolvimento de desenvolvimento, sendo quiçá o primeiro país da América Latina a realizar essa façanha, ou terá perdido a sua chance histórica. Pelo menos sobre um ponto básico existe consenso: a inação ou a omissão do Estado não constitui uma opção.
A Venezuela, infelizmente não aproveitou essa “ampliação abrupta do campo do possível”.
O pré-sal, descoberto graças aos esforços isolados da Petrobrás, representa exatamente essa “ampliação do campo do possível” para o Brasil. Com ele, com uma empresa integrada e com uma grande cadeia nacional de petróleo e gás, poderíamos estimular como nunca nosso desenvolvimento e nossa Educação.
Mas os míopes privatizantes não conseguem perceber essa imensa oportunidade histórica. Eles não estão apenas paralisando agora a economia nacional e empobrecendo a população. Eles estão jogando fora o nosso futuro.
O imperador Pedro III precisa fazer um baile na Ilha Fiscal.