Uma casa de fachada simples, com uma porta e duas janelas, daquelas típicas de cidades do interior, chama a atenção em Alagoa Grande, município da região do brejo da Paraíba, perto de Campina Grande. Uma placa fixada na parede externa informa o que aconteceu há exatos 40 anos: “Aqui foi assassinada em 12 de agosto de 1983 a líder sindical Margarida Maria Alves”. Na parte de cima, o letreiro tem o nome da dona da casa e a frase que a eternizou: “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”.
Naquele fim de tarde, ela atendeu a porta de casa como sempre fazia, imaginando ser mais um pedido de ajuda. Ao confirmar ser Margarida, foi alvejada à queima-roupa. Nascia ali uma mártir do sindicalismo rural e do empoderamento feminino. Sua luta pela garantia de direitos trabalhistas de homens e mulheres do campo, que já era referência na região, até hoje inspira gerações no Brasil e no mundo.
A Marcha das Margaridas, que é realizada em Brasília a cada quatro anos, é resultado dessa luta ampliada, tendo à frente a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em sua homenagem, 12 de agosto foi transformado no Dia Nacional de Luta contra a Violência no Campo e pela Reforma Agrária.
Margarida Alves era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande e fundadora do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural. Ela se destacou por incentivar trabalhadoras e trabalhadores rurais a exigirem na Justiça direitos elementares, como carteira de trabalho assinada, 13º salário, férias, licença-maternidade, aposentadoria. Foram cerca de 600 processos abertos contra latifundiários da região. Ela também estava à frente da luta pela implantação de assentamento rurais para agricultura familiar.
A sindicalista passou a receber ameaças, com “recomendações” para que ela parasse de criar “caso” e deixasse o sindicato. Além de seguir trabalhando, entretanto, ela tornava as ameaças públicas, como fez em evento um dia antes de morrer. Ali, em discurso registrado em fita cassete, Margarida denunciou as ameaças e disse que preferiria morrer lutando a morrer de fome.
Símbolo de resistência
O crime teve repercussão nacional e internacional, gerando inclusive uma denúncia à Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH). A sindicalista foi homenageada com o prêmio Pax Christi Internacional, em 1988, e com a Medalha Chico Mendes de Resistência, oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais. Em 1994, foi criada a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves, que presta assessoria jurídica a movimentos sociais.
Nessa terça-feira (15/8), o Plenário do Senado aprovou a inscrição do nome de Margarida Alves no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
No site da Contag, a sindicalista é exaltada como “símbolo de força, de garra, de coragem, de resistência e luta, um exemplo e um estímulo com grande força mobilizadora”.
“Cada mulher trabalhadora rural se inspira em Margarida Alves para resistir, lutar contra as formas de discriminação e violência no campo, qualificar, mobilizar e participar das lutas por igualdade de gênero, por justiça e paz no campo. O espírito de luta em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais encontrado em Margarida foi o principal motivo de seu assassinato”, diz o texto, para arrematar: “Margarida não morreu, suas pétalas se espalharam e florescem a cada dia, se multiplicando num imenso jardim”.
(Com Contag e Agência Pulsar)