Diretora do Human Rights Watch no Brasil cobra de Temer mentiras ditas à ONU sobre refugiados

Diretora do Human Rights Watch no Brasil cobra de Temer mentiras ditas à ONU sobre refugiados

Maria Laura Canineu: ele vai ter se explicar para a sociedade e para os haitianosMichel Temer “terá que prestar contas à sociedade, principalmente à população de haitianos” pelas afirmações que fez, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre a suposta “amplitude” da política do governo brasileiro sobre refugiados, acredita a diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu. Dentre outras mentiras que soltou nos Estados Unidos para tentar neutralizar a péssima imagem que o golpe contra Dilma Rousseff lhe rendeu no exterior, temer aumentou quase dez vezes o número de refugiados que vieram para o Brasil nos últimos anos, inflando a quantidade de pessoas de 8.800 para 95 mil.

Logo após assumir a Presidência, ainda como interino, Temer tratou de congelar as tratativas conduzidas pelo Brasil para receber, em cinco anos, 100 mil refugiados sírios, em grupos de 20 mil por ano – uma porta que havia sido aberta pelo então ministro da Justiça do governo Dilma, Eugênio Aragão.

Em contrapartida à ação humanitária, o Brasil contaria com financiamento da União Europeia e de outros países que mantêm programas de parceria para facilitar o assentamento de refugiados em diversas partes do mundo. Temer, descendente de imigrantes sírios, abandonou essas tratativas.

Para a ONU, porém, o discurso sobre o acolhimento de refugiados recebeu um “polimento”— e às custas de uma população que vem sendo frequentemente alvo de ataques de apoiadores do impeachment de Dilma e simpatizantes do governo ilegítimo: os haitianos. Tratados como “problema” por alguns segmentos da ultradireita que apoiam os golpistas, os haitianos foram acrescidos às estatísticas de Temer sobre refugiados.

O problema, explica Maria Laura Canineu, é que os haitianos não estão no Brasil como refugiados, mas amparados por vistos humanitários temporários, um estatuto completamente diferente. Para a diretora da Human Rights Watch, seria motivo de celebração se o País realmente estendesse para os haitianos o status de refugiados — condição que representa uma solução permanente, assegura o assentamento definitivo do favorecido no território e agiliza a expedição de documentações.

Em entrevista ao serviço brasileiro da Radio France Internationale (RFI), Canineu explicou que refúgio é uma condição voltada para pessoas que são perseguidas politicamente, ou que vêm de conflitos armados, como é o caso dos oriundos da Síria. Entidades que lidam com as consequências das migrações forçadas e acolhem as vítimas desse fenômeno, como a Human Rights Watch, defendem que se reconheça o status de refugiados também a pessoas atingidas por catástrofes ambientais, como é o caso dos haitianos, que passaram a emigrar em massa a partir do terremoto que devastou o país mais pobre das Américas em 2010.

Por enquanto, os haitianos que se encontram no Brasil recebem vistos temporários, de cinco anos, com possibilidade de prorrogação. O ministro da Justiça de Temer, Alexandre Moraes, desconhece a diferença entre os status de refugiado e de portadores de vistos humanitários, como ficou patente em sua entrevista ao jornal O Globo. “Os haitianos estão recebendo tratamento jurídico e social exatamente idêntico ao dos outros refugiados. Não é porque são da América Latina que eles não podem ter o mesmo tratamento”, declarou, do alto de sua falta de intimidade com os direitos humanos. Para Moraes, só existe a confusão para “quem não entende do assunto” — no caso, ele mesmo.

A diretora da Human Rights Watch esclarece que além da garantia de permanência definitiva no território de acolhimento — diferença óbvia da condição de um portador de visto temporário— quem tem status de refugiado recebe mais rapidamente seus documentos de identidade e carteira de trabalho. “O próprio Ministério da Justiça reconhece que os haitianos estão levando até um ano para obter essa documentação e ter aceso ao trabalho e a serviços como a educação e a saúde”.

As declarações de Temer na ONU, afirma Maria Laura Canineu, podem representar uma surpresa positiva, se significarem que o Brasil pretende assumir a liderança de um debate sobre a ampliação do acolhimento aos haitianos e ao reconhecimento de novas formas de refúgio — como seria o dado a vítimas de catástrofes ambientais. “Por outro lado, esse discurso não é coerente com a política que tem sido adotada pelo Brasil em relação aos haitianos. Temer e seu ministro da Justiça terão que prestar contas à sociedade, principalmente à população de haitianos, que chega em grande número e numa situação de necessidade absoluta”, afirmou a dirigente Human Rights Watch.

Por enquanto, afirmou ela, o Brasil “perdeu a oportunidade tanto de se comprometer com o reassentamento de refugiados como a de liderar uma discussão mais efetiva na ONU em relação à proteção de pessoas em outras condições”.

Ela afirmou que a entidade tinha a perspectiva de que Temer, na esteira doas políticas adotadas por Lula e Dilma, assumisse um compromisso adicional efetivo em relação ao reassentamento de refugiados. O governo passado, lembrou ela, trabalhou em uma série de iniciativas em relação aos refugiados visando à integração dos que chegavam, fortalecendo um sistema nacional, e também favorecendo o acesso ao território brasileiro, por meio dos vistos humanitários fornecidos aos sírios nas embaixadas brasileiras nos países vizinhos à zona de conflito, para que eles pudessem vir e solicitar no Brasil sua condição de refúgio.

Ela destaca que, na condição de país cuja identidade tem forte influência das migrações estrangeiras, o Brasil ainda está muito aquém na política de reassentamento de populações que fogem de perseguições políticas e conflitos armados no mundo. “O reassentamento é uma disposição de solidariedade e de compartilhamento de responsabilidades com os outros países que recebem esses grupos por circunstâncias geográficas”.

No caso dos refugiados sírios, recebê-los em maior número representa uma ajuda também a vizinhos como o Líbano, que em um território de 10.452 quilômetros quadrados (o equivalente a menos do dobro da área do Distrito Federal) e com cerca de 4,5 milhões de habitantes já acolhe cerca de 1 milhão de sírios dentro de suas fronteiras. A Turquia, com 2,5 milhões de refugiados ou a Jordânia, com 700 mil, também estão entre os países que já não têm mais condições de assentar e receber mais gente oferecendo condições de dignidade mínima. “Na fronteira da Turquia, temos imagens de refugiados sírios sendo recebidos a tiros”, conta Canineu.

Cyntia Campos, com informações da RFI

 

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