Marta destaca coragem do anteprojeto do Código Penal

 

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Prezados Senadores e Senadoras, ouvintes da Rádio Senado e da televisão do Senado, mais de 70 anos depois de editado – olhem que é tempo, hein? –, o Código Penal brasileiro vai ser revisado e atualizado para adequar-se a este momento em que vivemos.
Se formos pensar, em 70 anos, quantas coisas mudaram e quantas situações que nem existiam passaram a ser passíveis de punição – outras, menos. A sociedade mudou realmente. Então, faz um tempo considerável que vivemos sob um Código Penal que sofreu algumas mudanças pontuais, tipo a questão da virgindade com relação à mulher e essas coisas que caíram, mas que no seu âmago não foi mexido.

Foi feito um primeiro e importante passo no Senado: através do Presidente Sarney foi criada a Comissão de Juristas, encarregada de elaborar as propostas de revisão do texto atual e que, na semana que passou, foi entregue por essa comissão que, não sei, eles, às vezes, não gostam que chamem de “notáveis”, mas que são e, se não são todos conhecidos da população, são pessoas com carreiras importantes, contribuições muito importantes em relação à criminalidade e que trabalharam de forma muito dedicada, excepcionalmente, com inúmeras audiências públicas para poder fazer esse relatório que foi entregue agora ao Senado.

O anteprojeto, como estamos denominando, e que foi entregue, enfrenta de maneira corajosa questões muito polêmicas. Isso achei importante como disseram alguns dos que participaram, nenhum assunto polêmico foi deixado de fora. Muito bem porque agora vamos debater aqui no Senado, mas se pronunciaram e se posicionaram sobre eutanásia, sobre aborto, consumo de drogas e homofobia.

Além disso, o anteprojeto pretende sistematizar o conteúdo de todas as cerca de 120 leis esparsas que foram sendo editadas ao longo de todos esses anos como as leis de crimes ambientais, de crimes cibernéticos, crimes de colarinho branco e tantas outras. Hoje é uma colcha de retalhos. Então, o trabalho a ser feito é enorme. Primeiro, de tornar esse código harmonioso e mais sintético e, depois, de se pronunciar sobre temas que até então não entravam na pauta, por exemplo, a homofobia.

A própria homossexualidade, há setenta anos, era tão vergonhosa e escondida que nem se falava disso. As pessoas homossexuais casavam, viviam uma vida de inferno porque não correspondia a sua orientação sexual. A questão do aborto teve vários momentos diferentes no País. A eutanásia nem se falava muito e do consumo de drogas menos ainda. Então, desses assuntos, pela primeira vez, vamos tratá-los agora na contemporaneidade.

Alguns crimes foram submetidos por essa revisão a uma rigorosa avaliação quanto a suas penas. Isso também foi muito bom. Por exemplo: em alguns casos, elas foram reduzidas, porque foram consideradas exageradas. Por exemplo, a falsificação de medicamentos é seriíssima como crime, mas a pena foi de 15 para 12 anos, senão ficaria incompatível com outras penas para situações até mais graves, mas que tinham penas menores. Em outros casos, a pena foi aumentada, como no do homicídio culposo, cuja pena máxima passou de três para quatro anos, podendo chegar a oito, se for caracterizada a culpa gravíssima. Então, era muito esquisito, porque, para remédio falso, havia a situação de poder passar 15 anos na cadeia e, para homicídio culposo, a pena chegava a oito. A pena era de três anos, aliás, e agora passou a oito. É essa desproporcionalidade que está sendo equalizada.

No que diz respeito à tipificação de novos crimes, a proposta da Comissão atualiza o Código, caracterizando como passíveis de pena coisas que antigamente existiam – ah, como existiam! –, mas que não estavam no Código Penal, como o bullying, por exemplo. Aquela criança ou aquele cidadão que era humilhado ou aquela criança que era perseguida, a intimidação vexatória, isso sempre existiu, mas não havia penalidade. Intimidação, constrangimento, ameaça, assédio sexual, agressão de criança ou de adolescente, valendo-se de pretensa situação de superioridade, causando-se sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial, passam, agora, a ter uma penalidade. E também o crime de stalking, que é a perseguição obsessiva de alguém, como a atração fatal dos filmes. Isso é crime, agora, na proposta aqui enviada. Nos dois casos, bullying e stalking, é preciso que haja representação da vítima. Isso complica um pouco, mas é um avanço. Antes não havia nada.

O anteprojeto traz ainda uma importante inovação. Trata-se da introdução de um capítulo sobre os crimes contra os direitos humanos, em que se incluem os crimes contra a humanidade, os crimes de tortura, o tráfico de pessoas, os crimes contra a memória social, o racismo e os crimes resultantes de preconceito e discriminação, além dos crimes contra pessoas vulneráveis.

O Projeto de Lei nº 656, que apresentei no Senado no ano passado, separava o crime de estupro do crime de atentado violento ao pudor. O objetivo de minha proposta era superar a impunidade que tem sido verificada com relação àqueles que cometem estupro sem conjunção carnal, porque uma coisa é estuprar e outra é bolinar alguém, e estava tudo junto. Então, o que acontecia, Senador Paulo Davim, é que o juiz ficava constrangido de aplicar uma pena tão séria como a de um estupro para uma bolinação. Os dois são sérios, mas um não se compara ao outro. Então, tinha que separar os dois. E eu fiquei muito satisfeita com a denominação de molestamento sexual. A Comissão, então, incorporou minha proposição ao anteprojeto, o que me deixou muito satisfeita, porque nós queremos que o estupro seja punido e isso estava atrapalhando muito a punição para estupro e para molestamento, porque o molestamento acabava não sendo punido.

Também me deu particular satisfação a inclusão, no texto da Comissão, de atos de violência motivados pela identidade de gênero ou orientação sexual entre as motivações que caracterizam o crime de discriminação e preconceito. Não posso dizer que foi uma vitória, mas foi… É uma vitória no sentido de que a Comissão aceitou, acatou e está mandando para o Senado para que nós possamos, agora, avaliar dentro dessa proposta tão bem elaborada por tantas pessoas tão respeitadas.

As propostas da Comissão já começaram a levantar polêmicas e muitas terão que ser debatidas no Congresso e com a sociedade, mas, como disse o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, no seu conjunto, “elas irão facilitar enormemente a compreensão da sociedade, do cidadão e dos operadores do Direito, tornando a legislação mais efetiva, mais clara e mais facilmente aplicável”.

O anteprojeto, de qualquer maneira, já chega ao Congresso com uma boa dose de participação da sociedade. Durante os sete meses em que a Comissão se dedicou, essa comissão especial de juristas que se dedicaram à elaboração, foram realizadas audiências públicas e examinadas mais de seis mil sugestões, Senador Paulo Davim, que foram enviadas por pessoas e organizações interessadas no debate.  

As propostas agora precisam ser transformadas em um projeto de lei por nós Senadores, para serem votadas nas duas Casas do Congresso, e, quando aprovadas, seguir para ser sancionadas pela Presidência da República para entrar em vigor.

A previsão é de que todo o processo, no Senado, esteja concluído para a votação até o final deste ano. O tempo que eu realizo não é dos maiores para se fazer tarefa de extrema responsabilidade e tamanha importância, mas não resta dúvida de que realizar a reforma e atualização do Código Penal é uma tarefa que vem atrasada. É muito urgente e necessária.
Quero parabenizar os juristas que se dedicaram a esta tarefa; ao Senador Pedro Taques, que deu a sugestão; ao Presidente Sarney, que, imediatamente, acatou e formou essa comissão de juristas tão especiais, que usaram do seu tempo para se dedicar a essa renovação do nosso Código Penal.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

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