Marta: governo e prefeito de SP são omissos sobre política para transporte público

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Senador Jayme Campos. Agradeço ao Senador João Vicente Claudino por ter permutado comigo.

Sr. Presidente Jayme Campos, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes e telespectadores da Rádio Senado, eu gostaria hoje de falar sobre a situação da mobilidade urbana no Brasil, principalmente nas grandes cidades, que evidencia que o Poder Público tem priorizado o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, o que tem sido um desastre nas grandes metrópoles e prejudicial, sobretudo, às camadas mais pobres da população.

A alternativa numa cidade grande, principalmente, não pode ser o transporte individual e tem que ser o transporte coletivo.

As discussões sobre trânsito, sobre transporte, congestionamento e a pregação do caos urbano têm quase meio século. E já faz um bom tempo que essa palavra mobilidade urbana significa muito mais do que ir e vir de pedestres e não tem nada de novo em debate. Quer dizer, discute-se o termo, mas o ingrediente novo não aparece. O que falta mesmo é que se discuta o que fazer no sentido da modernidade e coisas que já sabemos há bastante tempo.

Entrou em vigor, na semana passada, a legislação que institui as diretrizes da política nacional de mobilidade urbana e que dá prioridade para os meios de transportes não motorizados e ao serviço público coletivo. Quer dizer, valoriza calçadas, ciclovias, integração do automóvel a um sistema de mobilidade sustentável. O Governo Federal tem disponível para investir R$32 bilhões, e isso vai ser bom para todos os Estados, mas, principalmente, para os Estados também que estão preocupados com a mobilidade da Copa.

Agora, Municípios com mais de 20 mil habitantes também terão de elaborar o plano de mobilidade urbana em até três anos. Eu achei isso muito importante, porque, sendo pequenininho, o prefeito acha que vai ali do jeito que vai; e vai do jeito que vai e, depois, acontece o que acontece na cidade maior, onde não se anda porque nada foi planejado.

Então, três anos acho que foi um tempo bem pensado pelo Governo Federal, para que esse plano possa ser implantado. E, nas cidades com 20 mil habitantes, sei que vai ser difícil para o prefeito. Não vai haver técnicos, isso e aquilo. Mas três anos é um tempo que permite elaborar um bom plano diretor, que ele tem que elaborar também, incluindo a mobilidade urbana.

Essa obrigação era imposta até agora apenas aos Municípios, Senador Jayme Campos, com 500 mil habitantes. Agora, todos terão que fazê-lo. Isso me parece bem pensado por que o Brasil é um país que está crescendo muito. E com esse crescimento, quando se abrem os olhos, já não se anda mais na cidade. É isso que está acontecendo, porque as pessoas também estão tendo uma vida economicamente melhor. E elas compram carro se não há um bom meio de transporte público.

Então, essa possibilidade e obrigatoriedade de até 3 anos, para todas as cidades apresentarem um plano diretor à mobilidade urbana, é a prevenção do desastre anunciado. Boa ideia se colocar dessa forma, porque o improviso tem dado no que temos visto.

Agora, reconheço o que o Ipea, que é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, colocou num estudo bem recente. O Ipea disse que a lei tem pegar. E, às vezes, a gente sabe que, no Brasil, a lei não pega. Mas vamos ter que fazer esse esforço de conscientização da importância de fazer a mobilidade urbana uma prioridade de prefeituras.

Nos grandes centros, há previsão de medidas indigestas para os donos de veículos: restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, possibilidade de implantação de pedágios. Isso tudo está sendo discutido. Nas pequenas cidades, falta capacidade técnica para a elaboração dos planos exigidos. E quem não cumprir poderá ter suspenso os repasses federais. Enfim, para a lei pegar, as prefeituras precisariam fazer a sua parte e o Governo Federal garantir os repasses. Mais que isso: precisaria a sociedade exigir o cumprimento dos planos.

É lamentável ver que o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo continuam com um discurso agradável à classe média. Apresentam como solução somente o metrô e o monotrilho. O monotrilho tem uma capacidade que é extremamente pequena. Não vai resolver o problema dos congestionamentos, da superlotação e das tarifas altas. E ainda não atingiram nem R$2 bilhões de investimento com as obras do metrô. Fala-se, mas quando se vai ver quanto foi posto, percebe-se que o recurso não foi gasto. Então, falam que estão fazendo, mas a gente não vê o resultado concreto, fora o atraso das obras do metrô que temos na cidade de São Paulo.

Hoje não há planejamento nem projetos que estejam à altura de solucionar os problemas de transporte e de mobilidade da cidade de São Paulo.

A política de transportes públicos da Prefeitura de São Paulo não existe na prática. Não há uma política. A tarifa de R$3,00 é a maior do País e uma das mais altas do mundo, tomando quase 30% do salário mínimo dos trabalhadores assalariados. Com tais recursos, teriam até condições de solucionar o problema através do bilhete único mensal. Ao contrário, não houve nenhuma inovação, nos últimos anos, para o bilhete único; dificultaram tudo o que podiam o uso da população.

Como o trânsito foi piorando, Senador Jayme, aumentaram o período do bilhete único de duas horas para três. Não foi uma coisa boa para a população. O que a população fazia antes em duas horas, com o trânsito parado do jeito que está, não consegue mais fazer. Então, em vez de melhorarem o trânsito para o bilhete único continuar valendo duas horas, como tinha de ser, aumentaram o prazo para três horas.

Então, vocês imaginem uma cidade em que o prazo do bilhete único… Quem está em outro Estado e não sabe, o bilhete único prevê que se use o mesmo bilhete para vários sistemas de transporte e vale durante duas horas, agora são três. Ao invés de tentarem melhorar a situação do transporte deixaram ficar cada vez pior e aumentaram o tempo da validade. Isso não soluciona. Imaginem, para ter aumentado para três horas, quanto tempo um cidadão em São Paulo, do centro à periferia, demora para andar? Quer dizer, não está fazendo mais em duas horas; está gastando duas horas e meia, duas horas e quinze. Isso só para ir, gente; estou falando de ir ao trabalho. Agora, temos de falar da volta do trabalho. Então, imaginemos: uma pessoa que passa quatro ou cinco horas em um transporte público, como é que vai ter condição de trabalhar? Fora que as pessoas reclamam que, no transporte público, não podem usar uma roupa boa porque a roupa se suja, já que os ônibus estão caindo aos pedaços. E não passam em todos os horários, demoram. Aos sábado e domingos, é pior ainda.

O transporte, na minha cidade, foi algo que ficou para trás. Demos um avanço muito grande, de 2001 a 2004, com a criação de terminais, corredores de ônibus, com o bilhete único, mas nada disso foi melhorado. Ao contrário, o que não foi piorado foi esquecido. Fizemos, não me lembro bem, nove ou treze terminais. Deixamos planejados não sei quantos, mas não foram feitos. Então, não adianta.

Deixamos 300 km de corredores de ônibus, que é o instrumento mais barato para ser feito e muito rápido, que dá para entregar à população rapidamente. Mas agora não foi feito nenhum quilômetro de corredor. Então, o que você imagina que vai acontecer depois de oito anos? Nada. Vai piorar, é evidente, principalmente com o boom econômico que o Brasil vive, em que as pessoas passaram a ter automóvel. Era um sonho ter automóvel. Então, compro o meu automóvel porque o transporte não está funcionando.

Agora, lembro-me muito bem que, quando fizemos o corredor na Avenida Rebouças, na frente do Incor, funcionários e médicos do Incor diziam que estavam deixando o carro em casa porque chegavam mais rapidamente ao Incor de ônibus do que de carro. É isso que tem que ser feito, para que a pessoa diga que não precisa usar o carro para trabalhar porque é melhor ir de ônibus. A ideia é ter ônibus com hora marcada, como em qualquer país civilizado do mundo, e São Paulo já poderia ter.

Fico muito indignada com a situação que a cidade vive, pela incompetência absoluta e desleixo, por não terem tido as ações que deveriam, para incrementar o transporte na nossa cidade.

Agora vamos falar um pouquinho do Brasil também, porque o uso do transporte coletivo é minoritário no Brasil. São Paulo chegou a gastar 30% do orçamento com o sistema viário. Há o problema do aumento das vendas de automóvel e motocicletas. Como estava dizendo, são 35 milhões de automóveis e 15 milhões de motos no Brasil. Em todo o Brasil, as cidades estão enfrentando esse problema porque as pessoas estão comprando automóvel e moto e estão tendo emprego; a situação melhorou para todo mundo. Mas, em São Paulo, a cena é pior, porque fica uma cena de guerra. Temos a questão das calçadas, em que um idoso não pode passear numa calçada, um carrinho de bebê não pode passar na calçada, uma mulher de salto alto quebra o salto ou quebra a perna numa calçada.

Então, temos graves consequências sociais, principalmente para a saúde pública também. Além disso, há uma grave situação de 500 mortes em acidentes com moto no País. Na última segunda feira agora, foi realizado pela PUC de São Paulo e pelo observatório das metrópoles o Seminário Internacional Mobilidade na Metrópole: Planejamentos e Gestão Democrática. Foram muitos pontos importantes levantados e gostaria de destacar alguns que foram lembrados nesse seminário muito interessante:

– A classe média não utiliza ônibus porque o custo de tempo e dinheiro é o mesmo ou até maior do que ir no seu carro. Quem quer usar ônibus numa situação dessa? O transporte público, então, vai perdendo espaço.

– Aumento dos acidentes causados por transporte individual. O congestionamento dos carros tem reduzido a eficiência dos ônibus.

– Para onde vamos? Ao padrão europeu que privilegia o transporte coletivo ou o padrão americano que privilegia o transporte individual? Estamos vendo que a esquerda e a elite querem o padrão europeu – ônibus menos poluente.

– Lamentavelmente, o Poder Público privilegia o transporte individual. Não se consegue, assim, conscientizar a população.

Eu não acho nem que seja uma questão de conscientização. Se você vai demorar muito mais tempo e custa às vezes até mais caro, você vai de carro. É uma questão de bom senso. Enquanto não for ofertado um transporte público melhor que eu tirar o meu carro da garagem, a pessoa escolhe ir com o carro para o trabalho.

– O transporte de moto individual foi o escolhido pelo Governo Federal nas últimas gestões, em razão de interesses econômicos.

– Na Europa, chegou-se ao acordo de que o transporte público precisa de subsídios. Como gerar uma proposta de mobilidade na cidade? É preciso tirar 30% dos automóveis da cidade de São Paulo para São Paulo poder andar.

E isso só se faz colocando transporte melhor que ir de automóvel.

Estou lendo aqui algumas questões que ficaram desse seminário.

– Pelos registros da CET, em São Paulo, já chegamos a quase 300 km de congestionamento, que é o recorde histórico (dados de 2009), mas o monitoramento, além das vias observadas pela CET e divulgadas na mídia apontam mais de 500 km de congestionamento agora no mês de abril.

– Pesquisa realizada pela Agência Nacional de Transporte Público revela que a superlotação é o principal problema do transporte público de São Paulo, segundo os usuários.

– A mudança populacional tem alterado a ocupação espacial e criado um crescimento desordenado.

Esse ponto também é interessante. No momento em que você não planeja, as populações se deslocam para lugares aonde você não tem como levar o transporte ou é muito mais complicado. Mas isso é falta de planejamento.

– O metrô de São Paulo tem batido recorde histórico de superlotação, 4.150.000 passageiros em um único dia, em todas as linhas do metrô.

– Trens da CPTM batem recorde de passageiros: o sistema atingiu a marca de 2,5 milhões de pessoas em um único dia da semana passada. E as linhas estão sofrendo com superlotação.

– São Paulo já tem nas ruas mais motos que carros na hora de pico, representando 12.8% da frota registrada no Município, e elas dominam as estradas da zona sul e o eixo da zona leste. O número de falhas e interrupções do metrô só tem aumentado com o tempo.

Hoje, basta você ligar a televisão ou abrir o jornal que você vê pancadaria no metrô de São Paulo. Antes, a reclamação é que tinha uma pessoa mandando o usuário para dentro e que só faltava enfiá-lo porta adentro com uma vara. Agora não cabe mais. Então, as pessoas se revoltam, porque ou o metrô quebra ou as pessoas não conseguem entrar.

– É preciso recuperar o espaço público para as pessoas, para o cidadão; deixar de chamar espaço viário para transformá-lo em espaço público. A implantação de estacionamentos, próximos ao metrô, nas áreas mais densas também ajuda.

– Temos de criar condições e mobilizar a população idosa e crianças a andarem na rua, para que não haja necessidade de os pais levaram filhos para a escola de carro; que haja pessoas treinadas para pararem os carros para a travessia de idosos e crianças.

Isso tudo que nós estamos falando é muito básico: educação. Hoje, como anda o trânsito, as pessoas na turbulência que acabam vivendo com o nervosismo desse trânsito, não respeitam as faixas. Isso tem de ser feito nas escolas, com um processo educativo para que se respeitem as pessoas com mais idade.

Eu me lembro do que fizemos com as lotações em São Paulo que não paravam para pegar os idosos porque não pagavam. Então, eles zuniam do ponto quando havia um idoso para embarcar. Tivemos de usar um método da psicologia chamado psicodrama, em que ele se punha no lugar de um idoso que quer entrar naquele transporte e a van passa rápido por ele porque não o quer receber.

Então, são coisas para as quais a prefeitura tem de ter sensibilidade, para educar as pessoas. As escolas têm de ser também estimuladas a respeitar o transeunte – e também não passar em sinal vermelho, não é?

Assim, nós temos de mudar paradigmas, a competição econômica e pensar em termos de rede, flexibilidade, complementaridade, recuperação de passadeiras rolantes, ônibus elétricos conectados com a rede viária.

Em artigo, publicado no jornal Folha de S.Paulo, Gabriel di Pierro Siqueira, psicólogo e diretor da Ciclocidade, Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo, lembra que, na cidade de São Paulo, há uma lista imensa de projetos e planos cicloviários previstos em lei e que jamais saíram do papel. Um dos casos mais emblemáticos é o do 367 km de infraestrutura para bicicletas, previstos no Plano Diretor Regional de 2004, lei que nunca foi cumprida.

Eu lembro bem, porque esse Plano Diretor é de minha autoria, é de 2004. Estamos em 2012 e, acreditem, uma cidade como São Paulo, que poderia ter um Plano Diretor que poderia transformar completamente a cidade em termos de transporte, uma das coisas que poderiam estar diferentes, e esse Plano Diretor ficou lá brigando para mudar para interesses e especulações imobiliárias, que acabaram não conseguindo passar…

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB – SE) – Senadora Marta Suplicy, V. Exª me concede um aparte?

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Pois não, Senador Valadares, com muito prazer.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB – SE) – V. Exª, com a autoridade que tem como administradora municipal, já que foi prefeita de São Paulo, a maior cidade deste País, pode dar o testemunho de que, na mobilidade urbana, a bicicleta exerce um papel preponderante na redução do tráfego de veículos. Na cidade de Aracaju, que V. Exª conhece, foi administrada pelo hoje Governador Marcelo Déda, temos um exemplo da valorização das ciclovias. A cidade é praticamente coberta por ciclovias. Um trabalhador sai do bairro e vai para o centro da cidade ou mesmo para a praia percorrendo ciclovias com bicicletas. Isso não somente aumenta o mercado de bicicletas, com geração de emprego e renda, como diminui o fluxo de veículos, resolvendo o problema da poluição em parte. Além do mais, a economia de combustível que é praticada com o uso das ciclovias. Acho que, se o Brasil, que é um país gigantesco, cuja população vem crescendo estupidamente a cada ano, adotasse as ciclovias como um dos meios mais importantes de locomoção dos trabalhadores, das pessoas de modo geral, não estaríamos vivendo esse verdadeiro pandemônio que São Paulo vive, que outras cidades do nosso País vivem. Parabenizo V. Exª pela atualização do seu discurso, uma prova mais do que evidente de que temos uma Senadora estudiosa e, acima de tudo, comprometida com a mobilidade urbana em nosso País.

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Obrigada, Senador Valadares. Compartilho do que V. Exª está dizendo, que as ciclovias têm de ser aumentadas em todas as nossas cidades. Umas terão mais condição pelo próprio terreno da cidade…

(Interrupção do som.)

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP) – … pela melhoria da saúde, uma das coisas que andar de bicicleta traz.

Para terminar, quero dizer que um dos motivos por que São Paulo também parou em relação ao transporte foi que, na gestão do Serra, abandonou-se a descentralização da cidade. São Paulo tem 32 subprefeituras, que lidam, cada uma, com 600 mil, 500 mil pessoas. Nós tínhamos disponibilizado recursos para essas subprefeituras, que tinham muita autonomia. Foi tudo centralizado no Governo Serra e o Kassab continuou com a mesma política. Isso também acabou interferindo no bom resultado da mobilidade urbana. O que acontece? A marcha a ré nos empurra para a política: proibido isso, vamos cobrar por aquilo. É o que está acontecendo na cidade e, infelizmente, por falta de planejamento.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

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