Marta: STF tem votado em sintonia com o desejo da sociedade moderna

A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Obrigada, Presidente.

Caros colegas Senadores e Senadoras, ouvintes, telespectadores da TV Senado, eu hoje venho à tribuna para parabenizar os ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal pela decisão que foi tomada na outra semana, que considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para a seleção de estudantes na Universidade de Brasília e, portanto, para todas as outras.

Eu penso que o Supremo Tribunal, nessa e em outras matérias recentes e de relevância, tem votado em sintonia com a sociedade brasileira moderna e igualitária que queremos e que faz parte do século XXI.

 
Eu gostaria de destacar alguns trechos desse julgamento, nas sábias palavras dos nossos juristas.

Primeiro, o Ministro Lewandowski disse: “Justiça social, mais que simplesmente distribuir riquezas, significa distinguir, reconhecer e incorporar valores. Esse modelo de pensar revela a insuficiência da utilização exclusiva dos critérios sociais ou de baixa renda para promover inclusão, mostrando a necessidade de incorporar critérios étnicos”.

Foi a frase mais clara que ouvi até hoje para explicar porque negros e não brancos pobres. É exatamente o conceito de etnia que é relevante na questão das cotas, em virtude da escravidão.

Ainda defendeu o relator do processo: “Não basta não discriminar. É preciso viabilizar. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa.”

Se o Judiciário caminha a passos largos para ajustar o cumprimento das leis aos costumes do século XXI e corrigir distorções, o mesmo, infelizmente, não podemos dizer do Legislativo, que vem ignorando apelos de igualdade de direitos e reparação de injustiças. De defesa do estado laico e respeito a todos os cidadãos.

 
Eu pensava, nestes dias, que faz 16 anos, Senador Moka, que apresentei, como Deputada Federal, o projeto da união estável entre pessoas do mesmo sexo, e o projeto da Pessoas do mesmo sexo e o projeto da anencefalia, a possibilidade de fazer aborto nesses casos. Nós esperamos 16 anos para isso acontecer.

Da para ver como o Legislativo se acanhou, retrocedeu, não é que a sociedade passou a falar de outros temas, esses temas estão bastante quentes na sociedade e até muito polêmicos. Talvez isso seja o que explica essa dificuldade que nós temos hoje, como legisladores, de legislar sobre assuntos que são complicados na sociedade.

Poucos nas casas, tanto na Câmara como aqui, saem em defesa clara de assuntos que são difíceis. Por que a maioria tem a percepção que o seu eleitorado está bem posicionado, não está contra e nem a favor, está ali. Se você se posiciona, provavelmente uma parte, que não sabia qual era a sua posição, vai te repelir imediatamente.

Então, percebo que essa é uma das coisas, mas há outros problemas eu diria. Que é também o conservadorismo cada vez mais forte que nós vemos nas duas casas.

Eu tenho de dar graças à Deus, até contra nós mesmo, Senadores e Deputados. Por que se não tivéssemos um Supremo Tribunal com tanta cabeça ligada, sintonizada na sociedade, nós estaríamos aqui esperando esse Congresso não sei por quantos anos para tomar uma posição a favor dessas questões que são difíceis.

Concordo que são complicadas e nós não temos unanimidade. Acabamos não tendo unanimidade nem para votar, nem para discutir, esses assuntos. Voltando a defesa das cotas…

Nossa Senadora querida.
Como está?
Que bom vê-la.
Muito bem-vinda!
Às vezes, sinto saudade de V. Exª.
Digo às vezes, pois às vezes nós tumultuávamos juntas aqui.
Que prazer revê-la.
Muito bem-vinda!

A SRA. MARINOR BRITO (PSOL – PA) – Estou apoiando as intervenções de V.Exª com relação a luta contra homofobia.

A SRA. MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Tenho certeza.
Quero falar agora com relação a Luiz Fuchs, o Ministro, que ressaltou no julgamento da semana passada que a construção de uma sociedade justa e solidaria, impõe a toda a coletividade a reparação de danos pretéritos.

Segundo Fuchs a opressão racial durante anos na sociedade escravocrata brasileira, deixou cicatrizes que se refletem na diferenciação dos afrodescendentes. A justiça do sistema é absolutamente intolerável. É possível fecharmos os olhos ao que vemos todos os dias ou não ouvir e entender o que nos disse Fuchs.
Porque é escancarada a diferença que se faz ao pagar salários para negros ou para brancos em nossa sociedade. Ou mesmo em relação ao que está nas páginas de jornal, hoje, quando um professor universitário chamou de coisas horríveis, racistas uma moça, no cinema, que não queria permitir que ele passasse à frente da fila. E vemos isso constantemente, dessa forma acintosa; de outras vezes, bem disfarçada.

Agora, vamos ver, em relação aos salários, porque, aí, não é nada disfarçado.  A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de 2010, divulgada pelo Ministério do Trabalho, em maio passado, trouxe pequena redução na diferença entre a remuneração média paga a brancos e negros no Brasil. Mas os dados são muito escandalosos. A diferença continua altíssima. Vamos a eles: 2010, 46,4%, contra 47,98%, de 2009. Quer dizer, a diferença é muito alta. Precisamos, urgentemente, para ontem, zerar essa diferença. Não temos que ter timidez frente a essa questão.

Lembro que a Rais é uma base de dados inconteste, pois capta dados sobre o mercado de trabalho formal, referindo-se aos empregados celetistas, estatutários, avulsos e temporários. Enfim, esse índice de 46,4% é inadmissível simplesmente; é preconceito, está aí mais do que evidente. E, contra preconceito, temos, sim, de adotar medidas e ações afirmativas.

A Rais divulgada em 2011 ainda identificou que a maior disparidade salarial entre negros e brancos ocorre na faixa de trabalhadores com nível superior completo. Ou seja, o número mostra, com muita clareza, e fala da capacidade ou oportunidade de trabalho, mas, principalmente, fala do preconceito. Quer dizer, o negro, mesmo com má-formação superior, ainda ganha menos que o branco. E, nesse nicho do nível superior, o rendimento dos negros representa 69,83% do dos brancos. Profissionais identificadas como mulheres e negras receberam, em 2010, o menor salário médio no Brasil: R$ 944,53. Comparando a média de remuneração das mulheres pardas, em 2010, foi de R$ 1.001,52 e, das brancas, R$ 1.403,67.

Como podemos ignorar tudo isso? Como querer construir um discurso de que só existe desigualdade social em nosso País, gente? Basta olhar os dedos, basta entrar num restaurante, basta entrar num clube de elite, você vê o preconceito em tudo quanto é canto.

A ministra Rosa Weber tocou no ponto mais sensível ao debate do julgamento: “Se os negros não chegam à universidade, não compartilham a igualdade de condições com os brancos.”

E ai eu gostaria de fazer uso de uma nota que eu vi na coluna do Ancelmo Góis, ontem, que foi do Amartya Sem, Nobel de Economia de 1998, onde ele defendeu semana passada, em São Paulo, onde esteve presente, cotas para negros nas universidades:
— Nos EUA, a vida dos que entraram graças às cotas melhorou, e muitos deles ajudaram outros menos afortunados.

Isso é bastante interessante porque eu compartilhei essa experiência morando nos Estados Unidos alguns anos, e sendo colega de vários negros que entravam nas cotas. E era bastante difícil, às vezes, porque eu não falava bem o inglês e eles falavam tão mal quanto eu, porque falavam quase que um dialeto, uma gíria, que por isso tinha nas universidades da (evilig) que são as 10 melhores, quando eles entravam por cota eles tinham que passar um ano fazendo, dentro da própria universidade, cursos de aprimoramentos para poder entrar depois num nível mais alto e parecido com os que lá estavam. Mas isso fez para a civilização americana uma diferença incrível, não é a toa que hoje um negro na presidência da república. E a classe média americana, o que se expandiu foi extraordinário também.

Se nós contarmos com o nível superior, disputar o mercado com a mesma capacidade já é difícil, simplesmente por causa da cor da pele, não ter um diploma é uma condição muito mais complicada. E nada foi feito por gerações.

Segundo escreveu em artigo à Folha de S. Paulo (em 05 de dezembro de 2010) a economista Marie-Pierre Poirier – representante do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil – estudos socioeconômicos e análises desse organismo internacional também comprovam que os avanços alcançados em nossa sociedade não conseguiram ainda gerar impactos suficientes nas situações de desigualdades da população – sobretudo de crianças, adolescentes e mulheres negras e indígenas. E ela diz: “A falta de acesso a serviços impõe obstáculos a negros e indígenas mesmo antes do nascimento”. E aí ela dá dados muito importantes e contundentes, que apenas 43,8% das grávidas negras têm acesso ao mínimo de sete consultas pré-natais, indicador que entre as brancas é de 72,4%.

Quer dizer, isso provoca um efeito imediato e devastador para os bebês. Um bebê negro tem 25% mais chance de morrer antes do primeiro aniversário do que uma criança branca. Essa desigualdade é mais assustadora entre crianças indígenas, que têm duas vezes mais chances de não sobreviver aos primeiros 12 meses de vida em relação às crianças brancas. Os dados são muito contundentes.

Nossa realidade mais que justifica a decisão em unanimidade do Supremo Tribunal pela adoção de cotas raciais. A injustiça tem que ser combatida em todos os setores da vida em sociedade. Por isso, quero terminar com as palavras da Ministra Carmen Lúcia: cotas são uma etapa na sociedade, onde isso não acontece naturalmente.

Muito obrigada.

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