A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Prezado Senador Pimentel, Senadora Ana Amélia, Senadores e Senadoras, ouvintes da Rádio e espectadores da TV Senado, o tema que quero abordar hoje é a obesidade infantil relacionada com a propaganda.
Eu estava lendo uma pesquisa recente do IBGE que mostra que crianças de cinco a nove anos tiveram o seu peso aumentado, com um incremento de 200% na incidência de sobrepeso em crianças dessa idade. É gigantesco esse aumento! Quer dizer, nós temos um número de crianças que aumentaram de peso em 200% no Brasil. Aí, você fica pensando: o que aconteceu?
Tenho algumas considerações. Primeiro, nós tínhamos, antigamente, que pudessem influenciar na alimentação da criança, a família, a escola, a comunidade; hoje, nós temos algo que se chama mídia, que influencia na alimentação de forma violenta. É um mercado de R$130 bilhões por ano! E também há pesquisas que mostram que o consumo das famílias é orientado, influenciado em 80% pelas crianças.
Então, nós estamos tendo, nas nossas televisões, uma propaganda focada no consumidor como se ele fosse adulto, mas ele é criança! Ele é criança! Mas ele é visado pela mídia como adulto. Só que ele não compra um apartamento, ele não pode assinar um contrato, ele não pode comprar um carro… Enfim, é uma criança! É frágil emocionalmente; está em formação, em construção.
Então, o que se passa na cabeça de uma criança quando ela vê um desenho animado e, de repente, o desenho acaba… E estou falando de uma criança de quatro a cinco anos que ainda não tem a capacidade de compreender. O desenho animado acaba. Ai, o personagem do desenho animado continua vendendo um produto, só que a cabeça daquela criança não percebe que o desenho animado terminou e que, aquilo, agora, é um comercial tentando fazer com que ela compre qualquer coisa.
Ainda mais: os programas seguintes vão vender, por exemplo, coleções, com o seguinte reclame: “compre tantos pacotes de sucrilhos ou de qualquer coisa e você ganhará uma figurinha etc.” Ai, quando a mãe vai ao supermercado com a criança, ela fica enlouquecida, porque a criança quer comprar aqueles produtos que oferecem as coleções. Ela nem vê, nem sabe o gosto daqueles sucrilhos, mas tem o herói dele ali estampado ou tem a figurinha da coleção que, se ele completar, vai ganhar um brinde, e assim vai. Ou seja: a nossa criança está exposta a tudo isso, e não se trata de uma coisa leve.
A criança brasileira é a criança que fica mais tempo sentada na frente de uma televisão. Então, nós temos hoje uma criança que é vitima da propaganda, com resultados danosos.
Se nós formos focar na alimentação, já constatamos um desastre. Se formos focar no restante das propagandas, por exemplo, de qualquer produto para o adolescente… E para a criança também, pois está tudo ligado. Vende-se a felicidade suprema. Então, se você consome coca-cola, você tem grande felicidade, é uma pessoa feliz, como era o cigarro Malboro em tempos idos Se você compra tal bicicleta, você vai virar um atleta olímpico não sei mais o quê.
Então, vendem-se coisas que não são verdade, sobretudo para a criança, o que é extremamente prejudicial. E, para o adolescente, é pior! A criança tem uma personalidade em construção, com valores em construção. Esses valores vão sendo moldados de acordo com o que ela percebe que vão fazê-la feliz.
Primeiro, essa história de que se “tem de ser feliz a todo custo” é uma bobagem que se veicula. As pessoas são felizes em determinados momentos; não são felizes o tempo todo; têm que aprender a lidar com a frustração. E isso também não aparece. Aí, você vê em um desenho animado um conflito. E como é resolvido um conflito num desenho animado? Existe uma negociação? Não. O que se aprende no desenho animado é que, se eu soltar um murro bem forte, o outro explode, e está resolvido o conflito. Ou solto uma bomba, e está resolvido o conflito.
Depois, a gente não sabe o porquê de termos tantas guerras no mundo. Não é à toa que estamos vendo gangues de classe média assaltando para poder ter tênis de marca, ou para ter dinheiro para ir à balada mais chique. Por quê? Porque aprendeu. Como o pai e a mãe também não estavam ali e a televisão teve um comportamento mais forte do que a mãe e o pai tiveram tempo de ter.
Daí, na própria adolescência, onde existe uma ansiedade natural da formação, de tentar chegar ali, de tentar ser aceito, um conflito grande sobre o que fazer e o que ser e de como ser aceito pelo grupo, tudo isso é diminuído, claro que momentaneamente, pelo consumismo. Assim, se você compra tal produto, se compra o tênis ou seja lá o que for que estejam vendendo, você é o maravilhoso. Mentira! Você não é o maravilhoso. Isso vai durar dez minutos, e aí vai ter que consumir outra coisa. E, aí, quando não tem o recurso para consumir outra coisa, vai assaltar para consumir.
Estou colocando todas essas questões, porque elas são muito importantes para nós resolvermos.Temos que ter legislação para isso.
Já está tramitando nesta Casa legislação pesada sobre esse assunto. E por quê? Porque o Conar, que é o órgão que deveria policiar tudo isso, é um órgão feito pelo próprio mercado. Ele faz razoavelmente bem o seu trabalho, mas como é que o Conar vai policiar o mercado?
Vocês sabem de quanto é o mercado alimentício para a televisão que tem como foco a criança? Mais de 130 bilhões ao ano. É a raposa tomando conta do galinheiro. Mas não vai nunca! Tanto é que a posição do Conar é de autorregulamentação, isto é, de que as empresas se autorregulamentem. Estão se regulamentando tão bem que é isso que eu descrevi que está acontecendo: propaganda de tudo que você possa imaginar.
E não adianta dizer que isso seria cercear a liberdade e coisas que tais, porque não é de jeito nenhum. Todos os países mais reconhecidamente democráticos têm uma legislação, e bastante dura, para a propaganda de alimento infantil ou de qualquer coisa para criança. Em países como Suécia e Noruega, é proibida qualquer publicidade dirigida às crianças, de qualquer coisa, em qualquer horário. Países como Áustria, Austrália e Bélgica restringem a publicidade de produtos durante, imediatamente antes ou depois, de passar um programa infantil.
Em alguns outros países, só pode haver propaganda depois das nove horas da noite. Nos Estados Unidos, é proibida a vinculação de personagem infantil à venda de produtos nos intervalos de programas com os mesmos personagens.
O que percebemos é que essa tal de autorregulamentação do mercado não está funcionando, os resultados não são satisfatórios. Nessa mesma semana, a Folha de S.Paulo publicou um encarte, que achei muito bem feito, num caderno chamadoEquilíbrio, onde suscitava todas essas questões.
Temos certeza de que a criação de leis que possam detalhar o que pode e o que não pode para a nossa criança, o horário e o aprofundamento dessa questão do impacto da mídia na alimentação infantil… Porque nós não estamos tão longe daquela época em que se dizia: “um danoninho vale mais do que um bifinho”. É um absurdo maior. E, aí, você via uma família pobre, com pouquíssimo recurso, que ia comprar um danoninho em vez de comprar um bifinho ou uma banana.
Então, são essas as situações com que nós estamos lidando, tanto na Câmara quanto aqui no Senado, e que têm que ter parâmetros e leis muito mais sérias e rígidas do que as que tivemos até hoje no Brasil.,
Era isso, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco/PT – CE) – Quero parabenizar a Senadora Marta Suplicy pelo seu pronunciamento e dizer que esse cuidado da alimentação da juventude e das nossas famílias é muito importante, e a senhora tem uma larga experiência – e vou chamá-la de senhora porque assim me obrigam o cargo de Senadora e de Vice-Presidente da Casa. Mas, na verdade, V. Exa. é nossa companheira, nossa colega de trabalho.
Vou transferir a Presidência para a nossa Senadora Ana Amélia, já que a senhora está saindo neste momento, para que eu possa, em seguida, fazer uso da palavra.