“O mercado financeiro vive uma crise de abstinência de juros”, afirma o 1º vice-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Benjamin Steinbruch, e essa pode ser a explicação para o “mau humor” com a economia, que leva até técnicos “de renome a proclamar os riscos de uma inflação de tomate, que não passa de um desarranjo momentâneo na produção dessa fruta”, afirma o empresário, em artigo publicado na edição desta terça-feira (23) da Folha de S. Paulo.
Steinbruch não minimiza as dificuldades presentes no cenário econômico, mas destaca que nos cinco anos da grave crise global, “o Brasil, a despeito de todos os problemas, jamais foi ameaçado nesse período”. Ele recomenda “distância dos mau humorados” e sugere que sua postura “pode ser doença, mas, no caso da economia, também pode ser a manifestação de quem torce contra o país por razões variadas”.
Leia a íntegra do artigo de Benjamin Steinbruch:
Xô, mau humor – Por Benjamin Steinbruch*
A Li há dias uma frase do filósofo austríaco Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889-1951) que diz o seguinte: “O humor não é um estado de espírito, mas uma visão de vida”. E pensei imediatamente em comportamentos verificados hoje na economia brasileira.
Dissemina-se indisfarçável mau humor com a economia. A inflação está sendo pintada com cores do velho dragão, um exagero, visto que está em nível próximo da média anual dos últimos 14 anos, de 6,4%.
A rabugice do mercado leva a uma avaliação a meu ver exageradamente pessimista do valor dos ativos de algumas empresas brasileiras de capital aberto. Não pretendo citar exemplos, mas o leitor sabe que algumas companhias perderam de 50% a 80% de seu valor de mercado. Será que elas valiam tanto antes? Será que valem tão pouco agora? Como sempre, provavelmente a virtude está no meio.
Claro que a inflação é um inimigo a ser combatido com vigor e persistência — já aprendemos essa lição nos anos hiperinflacionários da década de 1980. Mas não é disso que se trata. Trata-se, hoje, de um problema de humor que leva até economistas de renome a proclamar os riscos de uma inflação de tomate, que não passa de um desarranjo momentâneo na produção dessa fruta.
Cá entre nós, é óbvio que o mercado financeiro vive uma crise de abstinência de juros. Os agentes desse mercado estavam acostumados com altas doses de juro real (acima da inflação), agora reduzidas. Como nos casos das drogas, a abstinência provoca modificações “orgânicas” que levam o dependente a buscar argumentos que justifiquem a volta à situação anterior.
Na semana passada, o Banco Central deu certo alívio a essa crise de abstinência ao elevar os juros em 0,25 ponto percentual, para 7,5% ao ano. Essa pequena mudança não terá impacto na economia, mas, quem sabe, poderá ter efeito psicológico para atenuar a tensão do mercado.
Não há como negar que os dois últimos anos foram difíceis, principalmente para empresas que produzem. Os preços internacionais de exportação caíram, o crescimento econômico tem sido baixo aqui e lá fora, o custo da mão de obra disparou e pioraram as margens e os resultados das empresas. A indústria se contraiu e há, sem dúvida, um processo de desindustrialização no país.
Neste ano, a balança comercial flerta com o deficit e as importações continuam a inviabilizar a produção interna em vários setores industriais. Além disso, o país ainda não enfrentou o problema da racionalização da estrutura tributária, especialmente do PIS/Cofins e do ICMS.
Tudo isso é verdade, mas é prerrogativa de mal-humorados olhar apenas para o lado negativo das coisas –uma visão de vida, na expressão de Wittgenstein. Não é o meu caso. Prefiro lembrar o que disse Fernando Sabino (1923-2004): “Antes de mais nada, fica estabelecido que ninguém vai tirar meu bom humor”.
E isso porque há várias razões para ter atitude positiva em relação ao país. No último ano, além da redução da taxa básica de juros para um nível mais civilizado, houve ajuste cambial que melhorou a competitividade das exportações, redução dos custos da energia, desonerações de folhas de pagamento de dezenas de setores, taxação de algumas importações para estimular a indústria nacional e concessões nas variadas áreas de infraestrutura.
Antes de franzir a testa em atitude rabugenta, é preciso observar que a crise global já dura cinco anos e que o Brasil, a despeito de todos os problemas, jamais foi ameaçado nesse período. O nível de emprego é recorde –o que provoca escassez de mão de obra–, a renda dos brasileiros está em alta e mais bem distribuída e a pobreza extrema vem sendo combatida com sucesso.
Na área externa, o país está muito longe de enfrentar crises cambiais porque tem reservas de US$ 370 bilhões e, além disso, ainda conta com o ingresso de elevados investimentos diretos estrangeiros.
Os psiquiatras chamam de “distímicos” os indivíduos que só enxergam o lado negativo do mundo. O mau humor, portanto, pode ser doença, mas, no caso da economia, também pode ser a manifestação de quem torce contra o país por razões variadas. Minha recomendação é que se fique longe desses mal-humorados, seja na economia, seja em qualquer outra área, pois essa doença é contagiosa. Xô, mau humor!
*Benjamin Steinbruch é empresário, diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Este artigo foi publicado no caderno Mercado da edição desta terça-feira (23) da Folha de S. Paulo