MEC reafirma ser contrário a qualquer censura à obra de Monteiro Lobato

A polêmica sobre a existência de conteúdo racista na obra do escritor brasileiro Monteiro Lobato, que se arrasta há mais de dois anos, ganhou novo capítulo nesta semana, quando o Ministério da Educação (MEC) reafirmou ser “absolutamente contrário a qualquer tipo de censura”. Entretanto, as ações de promoção da igualdade racial e a argumentação sobre o valor literário e histórico das obras de Lobato não conseguiram convencer os autores das ações, o Instituto de Advocacia Racial (Iara) e o pesquisador de gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Caberá, então, ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre o uso do livro “Caçadas de Pedrinho” nas escolas públicas do País.

A mais recente posição do MEC foi manifestada após uma reunião, nessa terça-feira (25/09), sugerida pelo ministro Luiz Fux, do STF, com representantes de movimentos de combate ao racismo. Na reunião, os secretários do MEC de Educação Básica, Cesar Callegari, e de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Cláudia Dutra, defenderam o valor literário da obra de Lobato, que inclusive batiza o prêmio distribuído pela Academia Brasileira de Letras para literatura infantil.

Callegari ressaltou que o acesso à informação científica e cultural deve ser preservado. “O MEC defende a plena liberdade de ideias e o acesso dos estudantes a produções culturais e científicas com a mediação de um professor”, afirmou. Ao que Cláudia Dutra completou destacando o trabalho que o Ministério tem realizado na formação de professores para a educação etnorracial. “Entre 2006 e 2012, foram formados mais de 139 mil professores, e a demanda da área para os próximos dois anos é de 56 mil profissionais”, disse. “O MEC assumiu o compromisso da expansão dos programas de formação.” Além disso, a Pasta entende que uma nota explicativa nas edições futuras é instrumento suficiente para contextualizar a obra, conforme já propôs parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Inconformado com a decisão do MEC, o advogado do Iara, Humberto Adami, chegou ao absurdo de ameaçar recorrer às cortes internacionais para tentar interromper a distribuição do livro nas escolas. “Não diminuímos 1 milímetro sequer do pedido inicial. As políticas públicas não estão de acordo com a realidade. Achamos que estão sendo feitas, mas é muito pouco. O negro não pode ser visto como eterno escravizado”, garantiu.

Mesmo sem consenso entre as partes, os resultados da reunião serão encaminhados ao ministro Luiz Fux, a quem cabe tomar a decisão sobre o tema.

Negrinha

O Iara ainda enviou representação à Controladoria Geral da União (CGU) contra outra obra de Monteiro Lobato. Segundo a ação, o livro “Negrinha”, adquirido em 2009 pelo Programa Nacional da Biblioteca (PNBE), do MEC, reforça o discurso racista de Lobato.

Muitos estudiosos das obras de Lobato enfatizam que o conto “Negrinha”, publicado em livro do mesmo nome no ano de 1920, é uma denúncia do autor contra as desigualdades entre negros e brancos.

Veja um trecho de “Negrinha”:

“Damião olhou para a pequena: (Lucrecia) era uma negrinha, magricela, um frangalho de nada, com uma cicatriz na testa e uma queimadura na mão esquerda. Contava onze anos.”

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. […] Assim cresceu Negrinha – magra, atrofiada […] O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões.”

“Caçadas de Pedrinho”

Publicado em 1933, “Caçadas de Pedrinho” relata uma aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo à procura de uma onça-pintada. Entre os trechos que justificariam um suposto racismo estão alguns em que Tia Nastácia é chamada de negra. Outra parte diz: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão”.

A repercussão sobre a possível censura motivou manifestações contrárias até da Academia Brasileira de Letras. Alguns escritores chegaram a dizer que o crédito racista só pode ser dado por quem sequer leu a história, uma vez que a escrava negra era tratada por Tia e cuja relação de afeto era muito semelhante ao dedicado à avó das crianças.

Catharine Rocha, com informações de agência de notícias

 Veja algumas obras de Monteiro Lobato

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