A retirada do Brasil da lista do sistema de preferências dos EUA para países em desenvolvimento (Generalized System of Preferences-GSP) era algo bastante previsível.
Esse sistema de preferências tarifárias, criado pelo Trade Act de 1974, assegura, aos países em desenvolvimento, acesso facilitado ao mercado norte-americano para cerca de 3.500 produtos. Trump, no entanto, vem restringindo cada vez mais os países e os produtos do sistema de preferências tarifárias.
No mesmo diapasão, a administração Trump vem fazendo grande pressão, na OMC, para acabar (ou restringir) com o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento.
Dessa forma, os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter tratamento especial se forem membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como países de “alta renda” pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias.
Aplicando-se tais critérios da proposta americana, ficariam automaticamente excluídos do tratamento especial e diferenciado Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Turquia, Arábia Saudita, África do Sul Coreia do Sul, Chile, Brunei, Egito, Hong Kong, Israel, Kuwait, Malásia, Nigéria, Filipinas, Qatar, Cingapura, Taiwan, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã.
Na OMC, China, Índia e África do Sul, nossos parceiros de BRICS, partiram para uma contraofensiva. Esses países, entre outros contra-argumentos, enfatizam que o principal indicador de desenvolvimento não seria o valor do Produto Interno Bruto (PIB), como querem os EUA, mas sim o PIB per capita. O PIB per capita de países e blocos tipicamente desenvolvidos, como EUA, Austrália, Canadá e União Europeia oscila dentre US$ 33 mil a quase US$ 60 mil. Já no caso da China, Índia e Brasil, ele fica em torno ou abaixo de US$ 10 mil. Os países em desenvolvimento destacam ainda o enorme fosso que os separa dos desenvolvidos nos mais variados campos, incluindo áreas nas quais os ricos se beneficiaram de flexibilidades nas regras internacionais no passado.
Em passado recente, o Brasil teria se somado a essa contraofensiva liderada pelos BRICS na OMC. Contudo, o Brasil de Bolsonaro preferiu somar-se aos EUA, nessa ofensiva contra os países emergentes na OMC.
Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC, como contrapartida a um apoio de eficácia duvidosa dos EUA para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com seus parceiros do BRICS.
Ora, se o próprio Brasil aceitou a renúncia ao tratamento especial e diferenciado na OMC, seria um contrassenso mantê-lo no sistema de preferências tarifárias dos EUA.
O impacto dessa decisão poderá ser significativo para as exportações brasileiras. Estudo intitulado O SISTEMA GERAL DE PREFERÊNCIAS DOS EUA: UMA ESTIMATIVA DOS IMPACTOS SOBRE AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS, elaborado, em 2010, por Natalia Paiva do Nascimento Visconti e Honório Kume, mostra que o GSP norte-americano era responsável por cerca de 15% do total das exportações brasileiras para os EUA. O Brasil, diga-se de passagem, era um dos 5 países mais beneficiados pelo GSP.
Como as exportações do Brasil para os EUA foram, no ano passado (2019), de US$ 29,7 bilhões, deduz-se que tal retirada do Brasil deverá afetar aproximadamente US$ 4,45 bilhões de nossas exportações, principalmente na área de máquinas e equipamentos, madeira e mobiliário, metais, material de transporte e plásticos e borracha. Agora, todos esses produtos brasileiros terão de pagar a tarifa máxima para entrar nos EUA e não terão mais cotas preferenciais.
O pior é que o Brasil não poderá mais reclamar na OMC contra eventuais violações do tratamento especial e diferenciado, pois renunciou ao tratamento e, em consequência, à proteção das regras da OMC.
No Brasil de Bolsonaro, vigora o America First.