Após dois anos de investigações, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) concluiu a apuração e denunciou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente da República Jair Bolsonaro, sob acusação dos crimes de organização criminosa, desvio de dinheiro público (peculato), lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Segundo os promotores, os crimes foram cometidos ao longo de uma década, durante o mandato de Flávio como deputado estadual na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj).
A promotoria também denunciou o então assessor de Flávio e amigo pessoal de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas sob acusação dos mesmos crimes. Os nomes não foram divulgados oficialmente porque o caso tramita sob sigilo. Preso preventivamente em 18 de junho, o PM aposentado cumpre a medida cautelar em regime domiciliar graças à liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo os investigadores, Queiroz, amigo de Bolsonaro há mais de 30 anos, operou de 2007 a 2018 um esquema criminoso milionário conhecido como “rachadinha”, no qual outros funcionários do gabinete do então deputado estadual na Alerj devolviam parte do salário. O filho do presidente figura na acusação como principal beneficiário e líder do esquema criminoso. O presidente da República não se pronunciou, mas Flávio nega.
“Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova. Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada”, diz a nota da defesa do parlamentar.
O Ministério Público fluminense divulgou a denúncia por volta da meia-noite desta terça-feira (3). O órgão havia ajuizado a denúncia contra Flávio e mais 16 acusados em 19 de outubro, mas o caso só foi distribuído agora para o desembargador que relata o processo, que estava de férias. Agora cabe ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) aceitar ou não a denúncia. Em caso positivo, os acusados se tornam réus e o processo judicial tem início.
Quando concluir sua análise, o relator coloca seu voto à disposição dos demais desembargadores a fim de votarem sobre a denúncia da Promotoria. Não há previsão para nenhum desses próximos passos processuais. Segundo o Ministério Público, o caso está sob “supersigilo” e não é “possível fornecer maiores informações”.
A defesa do senador tenta barrar toda a investigação com ações em cortes superiores. Em outubro deste ano, Felix Fischer, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), rejeitou um pedido dos advogados para anular o caso sob o argumento de que ele tinha direito a foro privilegiado, e por isso toda a tramitação do caso em primeira instância deveria ser descartada. Mas a contestação ainda deve correr no plenário da própria corte e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Lavagem de dinheiro em loja de chocolate
Queiroz foi o pivô da investigação iniciada em janeiro de 2018 contra Flávio. Naquele mês, o MP do Rio recebeu um relatório do então Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontando a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da assembleia.
A investigação, conduzida pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC) a partir de fevereiro de 2019, apontou que Queiroz recebia depósitos de ao menos 13 ex-assessores de Flávio e sacava os recursos logo em seguida. Os investigadores identificaram que o ex-funcionário recebeu R$ 2 milhões em 483 depósitos de dinheiro em espécie feitos por 13 assessores ligados ao gabinete de Flávio na Alerj.
Segundo a Promotoria, a lavagem desses recursos era feita também via uma franquia de loja de chocolates da qual Flávio é sócio, por onde passaram quase R$ 1,6 milhão. Ao longo da investigação, membros do MP-RJ também identificaram que Queiroz transferia dinheiro do esquema via depósitos bancários e pagamentos de despesas pessoais de Flávio Bolsonaro e família.
Em outubro de 2018, por exemplo, o ex-assessor fez dois pagamentos em dinheiro de boletos referentes a mensalidades escolares das filhas de Flávio, que somavam quase R$ 7 mil. Os investigadores cruzaram o horário dos pagamentos com imagens do sistema de câmeras da agência bancária da Alerj, que registrou Queiroz realizando essas duas transações.
Segundo o MP-RJ, entre 2013 e 2018, quase 70% do plano de saúde e das mensalidades escolares foram pagos em dinheiro vivo, somando quase R$ 260 mil. Ou seja, 63 boletos do plano de saúde da família do filho do presidente, que somavam R$ 108 mil, foram quitados na boca do caixa.