Não é flexibilizando os direitos sociais do trabalho que se criam empregos e se amplia a competitividade, afirma a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alves Miranda Arantes. O Brasil, lembra ela, viveu recentemente longo período de crescimento econômico, de quase pleno emprego, com o mesmo Direito do Trabalho, com a mesma CLT e com a mesma Justiça do Trabalho que hoje os defensores da reforma trabalhista querem destruir a pretexto de superar a crise econômica.
“A geração de emprego se dá com a dinamização da economia”, apontou a ministra, nessa terça-feira (27), aos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, durante audiência pública que discutiu o projeto de reforma trabalhista. Ela cita o caso do México que em 2013 fez uma reforma trabalhista muito similar à que está em debate no Senado. “O resultado foi a ampliação da precarização e da desigualdade, com prejuízos não apenas aos trabalhadores, mas à economia e à sociedade como um todo”.
“Brutal retrocesso”
Delaíde Arantes se define como “testemunha viva do papel do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho” no Brasil. Muito antes de chegar ao TST, a ministra começou sua vida laboral como empregada doméstica, conseguiu se formar advogada e militou na área trabalhista por mais de 30 anos. “Represento aqui milhares de cidadãos brasileiros que, de modo firme, com dados concretos e abalizados fundamentos, representam posições contrárias ao projeto de reforma trabalhista”, afirmou a ministra.
Ela adverte que a proposta em tramitação “representa brutal retrocesso à ordem liberal do século 19. Aliás, foram necessárias duas grandes guerras mundiais no Século 20 para a humanidade se dar conta de que é necessária a construção do Estado Social”. Além disso, o PLC 38 institui várias restrições à garantia constitucional de acesso à Justiça, ao impedir a reclamação trabalhista do autônomo e impor a condenação em honorários periciais ao trabalhador que perca a causa, por exemplo.
Vedação ao direito à Justiça
Delaíde também considera que ao instituir a quitação anual dos encargos trabalhistas, na vigência do contrato — o trabalhador fica obrigado a declarar formalmente que seus direitos como 13º estão pagos — também atenta contra o direito de cobrar posteriormente na Justiça o que o patrão deixe de pagar.
Essa reforma, ressalta, inverte o princípio da proteção aos trabalhadores o que é incompatível com a desigualdade de forças na relação capital e trabalho. “A sociedade brasileira é marcada por profunda desigualdade social e econômica, traço histórico dos 388 anos de escravidão e de apenas 130 de trabalho livre”.
De volta à escravidão
Em diálogo com a ministra, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) ressaltou que sem a proteção legal aos mais pobres, não haveria sequer um mínimo de justiça social. “Estaríamos ainda na época da escravidão”.
Os defensores da reforma alegam que 90 milhões de brasileiros não têm acesso aos direitos assegurados na CLT e que as mudanças seriam em favor deles. “Só que o que querem fazer aqui não é estender direitos para 90 milhões. É tirar direitos dos que têm e precarizar o daqueles que ganham pouco”.
Encarar a realidade
A ministra Delaíde lembrou alguns fatos que contextualizam o ambiente social e político em que se pretende precarizar a legislação trabalhista—e comprovam a perversidade dessa iniciativa. Dos quase 100 milhões de trabalhadores brasileiros, 71,9% ganham até dois salários mínimos e apenas 0,9% ganham acima de dez salários mínimos, segundo o IBGE. Mais de 3 milhões de crianças e adolescentes estão submetidos à exploração de trabalho infantil, ocupamos o quarto lugar no planeta no ranking de acidentes do trabalho – 600 mil acidentes em 2015 – e registramos 167 mil trabalhadores em condições análogas à de escravo.
Essa é a realidade que precisa ser considerada quando se pensa em retirar um mínimo de garantias ao trabalho, em nome da “modernidade”.
Mais debate
A ministra fez um apelo ao Senado para que seja garantido mais tempo de debate com a sociedade sobre o tema. Ela lembra que o Código Civil levou 10 anos em discussão e foram necessários cinco anos para a conclusão do novo Código de Processo Civil.
“O que peço é que seja aberta uma ampla discussão com o mundo o trabalho e com a sociedade para que as reformas sejam aprovadas. E eu digo que eu não sou contrária a reformas trabalhistas nem sou contrária ao aperfeiçoamento da Justiça do Trabalho, eu sou contrária à reforma na forma posta no PLC 38”.
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